Nossas vidas entre realidade e sonhos. Por Guilherme Sant’Anna.

“Antes cair das nuvens, que de um terceiro andar”.

Imagem de Dan Fador, por Pixabay.

Por Guilherme Sant’Anna.

“Antes cair das nuvens, que de um terceiro andar”.

Essa frase de Machado de Assis, como muitos clichês e provérbios, pode ser desinteressante à primeira vista. Afinal, ditados populares parecem pretensiosos quando tentam nos ensinar a viver. Por outro lado, também é um tanto presunçoso achar que essa frase não nos diz nada e que não tem a ver com nossas vidas. Por isso, é interessante pensar a respeito, para lidarmos melhor com sonhos e desilusões.

Não é à toa que a frase está em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, obra fundadora do movimento realista na literatura brasileira. O realismo, em contraposição ao romantismo, buscava descrições mais objetivas, menos idealizadas, aliadas a uma aguçada crítica social. Quando leio “antes cair das nuvens, que de um terceiro andar”, o primeiro que me vem à mente é, talvez, uma das interpretações mais óbvias: é melhor se desiludir do que se ferir ou morrer. Antes perder um sonho que perder a vida. E, se não estamos passando por grandes desilusões no momento, faz sentido pensar assim. É fácil ver como a frase é oportuna quando lembramos de um outro clichê: “Enquanto há vida, há esperança”. Se considerarmos que o movimento realista se afasta das idealizações de amor romântico e busca descrições mais objetivas, “antes cair das nuvens, que de um terceiro andar” é um pensamento conveniente, afinado a essa corrente literária.

Porém, a vida como ela acontece pode não ser tão simples. Cair das nuvens pode ser catastrófico, ao ponto de fazer pensar que é preferível cair de um terceiro andar. Isso principalmente para as pessoas cujas vidas são muito sustentadas por sonhos ou pela imaginação. Quando a desilusão vem, aquele sonho que, muitas vezes, organizava, dava sentido e propósito a toda uma vida se desfaz: “Serei médica/o ou nada”, “Sou uma pessoa correta, boa, justa”, “Minha vida será assim ou assado”, “Eu dou conta de tudo”, “Ela/e nunca faria isso comigo”, “Isso não vai acontecer comigo”.

Esses são alguns exemplos de sonhos e crenças que podem cair por terra, mas, mesmo assim, a vida continuar, já que não se caiu de um terceiro andar. A vida biológica não depende dos sonhos para seguir, e as desilusões são importantes para nos dar nossa medida, nos ensinar a querer o que podemos. Porém, ao mesmo tempo, é simplista pensar que a experiência humana se reduz ao físico. Ou ainda pensar que essa vida física seja sempre o mais importante, uma vez que as frustrações e desilusões podem levar alguém a querer pôr fim à sua vida. O próprio Machado mostra isso em outro texto, o conto “To Be or Not to Be”, contando as frustrações que levaram o personagem André Soares a tentar se matar e, depois, o que o fez mudar de ideia.

Essa reflexão, longe de querer criticar Machado de Assis, serve para destacar a genialidade do autor, o qual nos faz repensar sobre nossos sonhos e o que esperamos da vida. Por um lado, é certo que uma vida muito banal pode perder o brilho. Por outro, o brilho lá do alto das nuvens pode nos cegar, preparando a queda. Assim, vale a pena fazermos algumas questões para encontrarmos a medida dos nossos anseios: Isso que eu desejo, eu posso? É concretizável? Esse sonho depende de outras pessoas o quererem também? Estou disposta/o a fazer o necessário para a realização disso? Ele é realmente essencial para mim? Se esse sonho não se concretizar, como fica minha vida?

Por fim, deixo aqui o conselho de Machado de Assis em “A Mão e a Luva”, visando nos prevenir contra o desespero ao lembrar que nosso lugar é na existência, e que há brilho nela também: “Sonharás uns amores de romance, quase impossíveis? Digo-lhe que faz mal, que é melhor contentar-se com a realidade; se ela não é brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir.”

Guilherme Sant’Anna é psicólogo (CRP 05/57577), formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e atualmente cursa o mestrado em Psicologia Social nessa mesma universidade. Ele realiza atendimentos de psicoterapia online e, se você quiser entrar em contato, pode fazê-lo pelos seguintes meios:

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