Negociações coletivas: há mudanças no horizonte? Por José Álvaro Cardoso.

 

Imagem: Gerd Altmann em Pixabay

Por José Álvaro Cardoso.

A inflação no Brasil em 2022 deverá continuar elevada, de acordo com a maioria das estimativas. O indicador mensal vem apresentando percentuais historicamente altos, como no mês de janeiro (0,61%) – o maior desde 2016 – totalizando 10,38% em 12 meses. Há uma pressão de preços no segmento de alimentos e indústria em geral. Os motivos principais da alta de preços são: o comportamento de algumas commodities (petróleo e alimentos); a falta de insumos; e a crise energética. Essa combinação é terrível: um processo agudo de empobrecimento dos trabalhadores, combinado com inflação alta (ainda concentrada em alimentos).

Além do governo não acionar nenhuma saída a favor do emprego e da retomada do crescimento, o Banco Central (agora “independente”, ou seja, comandado diretamente pelos banqueiros), iniciou um novo ciclo de elevação dos juros. A taxa Selic subiu para 9,25% ao ano e a previsão é que a escalada de elevação da Selic continue nas próximas reuniões do Copom, até porque os fatores de elevação da inflação tendem a se manter. Ou seja, tenta-se baixar a febre do paciente com analgésicos, sem, no entanto, combater a infecção que a provoca.

A inflação neste momento é um fenômeno mundial. O índice de preços ao consumidor dos EUA subiu 7% em 2021, maior aumento desde 1982, quase 40 anos atrás. Sob formas variadas o mundo todo teve que enfrentar problemas semelhantes como a redução da oferta de energia, elevação do preço do frete, falta de componentes para a indústria, e assim por diante. No Brasil esse cenário veio acompanhado da desvalorização do real e da manutenção do desemprego em patamares muito elevados, com a consequente explosão da pobreza.

No mundo esse cenário tende a piorar com a guerra na Ucrânia, que já aumentou o preço do petróleo, até em função da destacada posição da Rússia em reservas e produção. Os contratos do Brent (petróleo mais leve, utilizado como preço de referência no mundo) no mercado internacional são negociados acima dos US$ 110, um patamar que não era observado desde 2015, pelo menos. As gigantes do petróleo, num cínico jogo articulado, como Equinor, bp e Shell, já anunciaram retirada de negócios na Rússia, se dizendo “sensibilizadas” com as consequências da guerra. Tudo isso tende a afetar a produção mundial de petróleo, aumentando preços.

O salário-mínimo necessário calculado pelo DIEESE alcançou, em janeiro último, R$ 5.997,14, o que equivale a 5 vezes o valor do mínimo oficial de R$ 1.212. A projeção da próxima safra não está sendo nada positiva. Dados do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), mostram que os fertilizantes subiram de preço cerca de 130% em 12 meses, com risco de desabastecimento do produto. Os preços dos produtos básicos (comida, água, energia elétrica, tarifas de transporte) estão aumentando num momento em que a classe trabalhadora brasileira atravessa o seu pior ciclo de empobrecimento da história.

Com os níveis salariais do Brasil, mesmo com inflação zero, o trabalhador tem a sensação de que ela é muito elevada. Muitas vezes os trabalhadores reclamam da inflação, mesmo com ela estando em nível muito baixo. Na verdade, a reclamação é direcionada para os baixos salários. Se o trabalhador recebe o salário-mínimo para o sustento de duas ou três pessoas e uma cesta básica para um adulto custa R$ 650,00 ou mais, a conta nunca irá fechar. Se a família sobrevive com um salário-mínimo a inflação pode ser zero que, mesmo assim, irá faltar dinheiro para suprir as necessidades básicas. A inflação atual, causada em boa parte pelo aumento de preços dos alimentos, impacta diretamente os pobres.

Neste quadro de grande pressão econômica, as negociações coletivas têm sido péssimas para os trabalhadores, fruto da correlação de forças desfavorável para o Trabalho. Em janeiro de 2022, cerca de 35% dos 324 reajustes analisados pelo DIEESE alcançaram aumentos reais de salários; e 23%, resultados iguais à inflação. Ou seja cerca de 42% dos reajustes examinados ficaram abaixo do valor necessário para a recomposição do poder de compra dos salários. Mas, apesar disso, em comparação com o mesmo mês de 2021, os resultados de janeiro de 2022 são significativamente melhores.

Alguns acontecimentos recentes indicam que o movimento dos trabalhadores pode estar iniciando um processo de mudança de direção. Por exemplo, a negociação dos pisos estaduais, que ocorre há 12 anos no estado, e é considerada a mais importante campanha salarial de Santa Catarina, pela abrangência e alcance dos seus efeitos: neste ano, em janeiro, na segunda rodada de negociação, as centrais sindicais (assessoradas pelo DIEESE), conseguiram um reajuste de 10,5% para os pisos estaduais, uma das negociações mais rápidas em todos os 12 anos de campanhas salariais dos pisos.

Outro fato relevante. Os mineiros de seis carboníferas do Sul de Santa Catarina fizeram greve geral a partir do dia 7 de fevereiro, praticamente com 100% de adesão. Não houve necessidade da realização de piquetes. Os mineiros das cidades de Lauro Müller, Urussanga, Içara, Siderópolis e Treviso decidiram pela greve, mesmo com uma proposta patronal de 12%, já um ganho real em relação a inflação, de 10,16%. A paralisação se estendeu por quatro dias, com 100% de adesão. Os trabalhadores conseguiram um reajuste geral de salários: de 13,10%, além de outras conquistas.

Outro acontecimento que chama a atenção, esse no setor público, foi a greve dos servidores municipais de Florianópolis, também em fevereiro. A greve de 7 dias foi tão forte que, ao contrário de outras ocasiões, não houve punições ou perseguições aos trabalhadores. A greve em defesa do serviço público envolveu os trabalhadores da Prefeitura Municipal de Flrianópolis e da Comcap (Companhia de Melhoramentos da Capital). Na Comcap, os trabalhadores conseguiram renovar o acordo até novembro. Uma cláusula sobre terceirização, um dos centros da discórdia entre os dois lados, seguirá em discussão no Judiciário. Pela decisão da justiça, a coleta terceirizada terá que se manter nas regiões em que atua hoje. O governo terá que tirar as terceirizadas dos roteiros dos bairros Barra da Lagoa e Ratones.

No quadro civil da Prefeitura os trabalhadores conseguiram o pagamento imediato da primeira parcela do Plano de Carreira, uma reivindicação de muitos anos. Pelo acordo, no Magistério, nenhum professor vai receber menos que o valor do Piso Nacional de R$ 3.845,63 em seu salário-base. Para os trabalhadores em início de carreira, essa conquista representa 33,2% de reajuste e o pagamento já será feito na folha de março. As promoções voltarão a ser pagas, tendo inclusive previsão orçamentária. Nenhum trabalhador sofrerá desconto pelos dias parados e ninguém foi demitido ou punido. Além disso, o sindicato também não tomou multa, tão comum em outras greves da categoria. Serão ainda montadas comissões para avaliar as condições de trabalho em todos os setores da PMF e da Comcap. É se se esperar que a indiscutível vitória da greve dos servidores municipais de Florianópolis, servirá, como já aconteceu em outros momentos da história recente, como referência para os trabalhadores das prefeituras de outras cidades do estado, que igualmente estão sofrendo arrocho salarial, ações privatistas, perda de condições de trabalho e benefícios, e outros ataques.

Esses elementos de mobilização, de reação da classe trabalhadora, (negociação célere dos pisos, melhoria do quadro das negociações em geral, greves nos setores privado e público), apesar de suas especificidades, podem estar indicando mudança na disposição de luta dos trabalhadores, que vêm tomando pancada, pelo menos desde o ínicio do processo de preparação do golpe de 2016. É sabido que os ventos só mudarão de direção com a mobilização dos trabalhadores. Neste contexto, será essencial o esforço persistente e sistemático das direções sindicais.

Para aprofundar esse importante debate faço um convite a todos, para 09 de março, entre 9h e 12h, quando o DIEESE promoverá discussão sobre o assunto, no formato online (está circulando um cartaz com os detalhes). Nessa ocasião vamos aprofundar o assunto, incluindo novos fatos na análise e pensar estratégias para potencializar essa tendência e, quem sabe, iniciar um processo de recuperação de direitos e salários reais.

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.