Naná, já pensaste se Bolsonaro tivesse sido reeleito?

Mas o que eu gostaria mesmo, Naná, era ver os peixes grandes presos. Ah, aí sim! Por enquanto, está lá essa gente ignorante e violenta. O chorume autointitulado cidadãos de bem.

Imagem em Wikipédia. Vista da Lagoa de Ibiraquera.

Por Viegas Fernandes da Costa.

Querida Naná, já é fevereiro e por aqui seguimos vivos. O calor anda insuportável e há muito não víamos tantos turistas no litoral de Santa Catarina. Nas praias de Desterro, apesar de todo coco no mar, disputa-se com fervor espaço na areia. Como te escrevi na carta anterior, uma epidemia de diarreia anda dando os ares da sua desgraça, e o que fez o prefeito desterrense a respeito? Determinou a limpeza dos rios e ribeirões? Maior rigor na fiscalização das instalações clandestinas de esgoto? Interdição do banho de mar? Claro que não! Exigiu a mudança da metodologia nas análises de balneabilidade e zás, como em passe de mágica, o que estava poluído com coliformes fecais e toda sorte de imundícies passou à condição de balneável! Milagre! Se Cristo transformou água em vinho, o prefeito transformou esgoto em água. Da minha parte, que não creio em milagres, prefiro banho de ducha mesmo. E vamos seguindo.

A propósito, tenho notícias de Nhonhô. Primo Dedé quem contou. Continua preso depois da cagada no Supremo Tribunal Federal, e parece que seu advogado solicitou o relaxamento da prisão por questões humanitárias. Nhonhô alega que não consegue dormir no colchão de espuma que os carcereiros lhe entregaram, muito velho, fino e sujo, que a cela está superlotada, o bacio não tem tampa, a água do chuveiro é fria e que a comida entregue não é digna. Veja só, Naná, logo Nhonhô que gostava de repetir o bordão bandido bom é bandido morto e vivia dizendo que direitos humanos eram coisa de esquerdista maconheiro. A Terra não só é redonda, Naná, como dá voltas. Se eu fosse o Ministro Xandão, mandava soltar os presos mais antigos, a raia miúda que povoa nossos presídios e fisgados pelas garras da Justiça branca e elitista, para dar mais espaço aos fascistas como Nhonhô. Se tenho pena dele? Tenho não!

Mas o que eu gostaria mesmo, Naná, era ver os peixes grandes presos. Ah, aí sim! Por enquanto, está lá essa gente ignorante e violenta. O chorume autointitulado cidadãos de bem. Mas, e os generais? Os empresários? Os latifundiários? Ontem mesmo pensei, que fim levou general Heleno, este sujeitinho? Por que não se fala mais dele? E o general Xavier, que presidiu a Funai enquanto se perpetrava o genocídio do povo Yanomami, por que ainda não está preso? Penso que a hora é agora. Lula tem prestígio, o governo está começando. Ou pune logo a bandidagem covarde que se esconde sob a farda, ou esquece! O tempo é amigo do bandido.

Mas apesar de tudo, Naná, preciso te dizer que outro dia acordei e me dei conta de que o ar está mais respirável. Veja só, de repente não sinto mais necessidade de conferir as notícias com o coração em sobressalto. Sabe, aquela ansiedade beirando o medo? Vai ter golpe? Não vai ter golpe? Algum tempo atrás, acordava falando do governo, dormia falando do governo. Um estresse diuturno! Até cientista social já estava virando vidente, todo mundo tentando prever o futuro. Não que o horror tenha tirado férias, não tirou! Nosso ajuntamento chamado nação segue aos tropeços, e a parte do latifúndio destinado aos miseráveis e marginalizados continua sendo a cova rasa. O país das páginas de João Cabral, de Dias Gomes, de Carolina Maria de Jesus segue atual, infelizmente. É muita dor, Naná, como bem sabes, apesar deste exílio que te impuseste. Mas tenho esperanças. Já pensaste se Bolsonaro tivesse sido reeleito, se o golpe tivesse dado certo? Entre outras tragédias, nossos irmãos indígenas em Roraima teriam sido completamente dizimados! Completamente! Mortos à bala, a facão, envenenados com mercúrio, desnutridos. Na máquina da mentira e da desinformação, todo um povo tornado ficção. Os indígenas deste Brasil racista que ainda não vencemos só são bonitos e valorosos nas páginas vetustas dos romances do romantismo.

Quando puderes, manda-me notícias. Ficaria feliz em saber o que andas vivendo por aí.
Teu amigo,
Viegas Fernandes da Costa
Nas margens da Lagoa de Ibiraquera, 05 de fevereiro de 2023.

Viegas Fernandes da Costa é docente e escritor.

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