Mesmo com forte pressão da oposição, Assembleia Gaúcha aprova venda de estatais

Servidores ocuparam as galerias contra a venda das empresas públicas / Foto: Celso Bender/Agência ALRS

Por Fabiana Reinholz.

Às 21h25 de terça-feira (02), o destino da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e da Sulgás estava consolidado. Trabalhadores das três empresas, junto com dirigentes de entidades sindicais, ocuparam as galerias da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) e acompanharam as quase sete horas de deliberação. Prevendo uma possível derrota, deputados da oposição chegaram a apresentar emendas com o objetivo de diminuir o impacto dos projetos, que sequer foram apreciadas. Os projetos de lei foram aprovados por 40 votos a 14, 40 a 14 e 39 a 14.

Diferente do que aconteceu em novembro de 2016, quando servidores de fundações e empresas públicas, sindicalistas, entre outros manifestantes, lotaram a Praça da Matriz para protestar contra o pacote do então governador José Ivo Sartori, que previa a privatização de estatais e demissão de funcionários, nessa terça-feira, a praça estava vazia. Dentro da ALRS, manifestantes empunhavam cartazes e palavras de ordem.

O governo necessitava, para aprovação das matérias, 28 votos. Com uma base formada por 41 deputados, a vitória era certa. Mesmo assim, investiu em peças publicitárias favoráveis à privatização. Além disso, como noticiado pela Zero Hora, nos dias que antecederam a votação, o governo nomeou cerca de 88 aliados em cargos comissionados (CCs), parte deles vinculados ao MDB e PP, da base governista.

Sem ouvir o povo

“Privatizar não é a solução”, diziam os manifestantes contra a aprovação dos projetos / Foto: Marcus Perez/CUT-RS

A vitória já tinha sido desenhada quando, em abril desse ano, os deputados aprovaram retirar da Constituição Estadual o parágrafo que obrigava o Executivo a realizar plebiscito para venda dessas estatais. Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, na manhã da votação, o governador Eduardo Leite voltou a reafirmar que a venda das empresas públicas era essencial para tirar o estado da crise. “A privatização é para podermos honrar e administrar as dívidas. Você não paga a dívida com a União à vista”, assegurou.

A venda das estatais faz parte das exigências do governo federal para que o governo gaúcho ingresse no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Fato lembrado pelo líder do governo na ALRS, Frederico Antunes (PP). “O objetivo principal das privatizações é aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). O que temos previsto hoje é uma possibilidade de tomarmos até R$ 3 bilhões em financiamentos, que é a estimativa do valor das três estatais. Mas, embora a privatização ainda demore um pouco, por conta da modelagem, os financiamentos poderão ser feitos assim que o Estado entrar no RRF”.

Para o líder da bancada do PT, Luiz Fernando Mainardi, a adesão do estado ao RPF acarretará ao Estado um endividamento ainda maior nos próximos governos. “Nós sabemos que o governo quer fazer a privatização para aderir ao regime de recuperação fiscal, e esse regime proíbe a contratação dos servidores para os próximos seis anos, ou seja, é impossível fazer mais segurança, educação, ter mais saúde sem servidores públicos, é uma brutal contradição nesse recurso.”

Ao comentar o fato de que o Estado deixará de pagar a dívida com a união através do Regime, afirmou que isso não fará a dívida de R$ 22 bilhões diminuir como tem dito o governo, e sim aumentar. “Com os juros e a correção monetária, esse valor vai para R$ 30 bilhões. Como a dívida já está em cerca de R$ 70 bilhões, vai saltar para R$ 100 bilhões.” Além disso, apontou Mainardi, o governador não quis fazer o plebiscito para economizar e hoje está gastando muito mais em publicidade para tentar convencer a população.

A deputada Sofia Cavedon (PT) destacou que o projeto que foi encaminhado não tem nenhuma cláusula de como a venda será feita ou como serão considerados o patrimônio mais importante e material, que são os servidores, com seu conhecimento técnico e dedicação de anos. “O projeto de lei é vergonhoso, ele pede uma mera autorização para o governador resolver de forma autocrática, unilateral, o destino das empresas e tantos elementos que implicam nelas”.

Ao fazer alusão à votação de abril, quando os deputados abriram mão do plebiscito, a deputada petista apontou que o parlamento, ao fazer isso, retirou a soberania do povo gaúcho. Antes da votação, indagou a seus pares se eles restituiriam essa soberania. “Nós tentamos proporcionar isso (retorno da soberania) com nossas emendas. É muito grave esse momento, e o parlamento precisa dizer a que veio. É chamado hoje para dizer se se submete ao poder executivo e abre mão do seu papel, ou se mostra que respeita o povo gaúcho”, pontuou.

– Saiba como cada deputado votou

Aprovação sem emendas

Prevendo a provação da privatização, deputados da oposição e até mesmo da base aliada propuseram emendas ao projeto. Em uma manobra ainda durante a votação do primeiro projeto de privatização, que dizia respeito a CEEE, o deputado Antunes conseguiu que o texto do projeto fosse apreciado antes das emendas. Com a aprovação do requerimento, por 36 a 18, as cerca de 12 proposições não foram apreciadas em plenário.

Entre as emendas estavam: a proposta de que os recursos obtidos sejam destinados à reforma e construção de hospitais, escolas, presídios e ao aparelhamento dos órgãos da segurança pública; a garantia de estabilidade aos atuais 3.764 servidores das empresas por, pelo menos, dois anos após a desestatização; que as dívidas e potenciais passivos relativos às estatais fiquem sob responsabilidade das entidades que assumirem as empresas públicas; e que os créditos da companhia, que estão sendo reivindicados na Justiça e podem chegar a R$ 8 bilhões, fiquem com o Estado.

“O governo não quer aceitar o debate de emendas propostas por nós parlamentares. Por que não debater, por que não confrontar as ideias contrárias? Isso se daria de forma legitima se pudemos debater cada emenda que aqui foi apresentada, mas o governo entende que é melhor “patrolar”, indagou Juliana Brizola (PDT). Ela salientou que o governo havia sido eleito prometendo o diálogo. “Isso não é verdade, ele não vem dialogando, sobretudo nessa questão, nem com os parlamentares”, afirmou.

Em defesa das estatais, a deputada Luciana Genro (PSOL) ressaltou a importância das mesmas para o desenvolvimento do Estado. “Nós do PSOL, PT e PDT temos insistido que as empresas estratégicas da energia elétrica, do gás, do carvão, não devem estar nas mão da iniciativa privada, que elas são fundamentais para o desenvolvimento do estado”. Para ela, o RRF é apenas uma nova edição da renegociação da dívida feita em 1997, entre Britto e Fernando Henrique Cardoso. “Não há nenhuma diferença da autonomia do Estado. Não podemos abrir mão de patrimônio público, abrir mão da nossa soberania e entregar de mão beijada para o governo federal, e impedir o crescimento e desenvolvimento do Estado na saúde e educação, que são tão necessários”, comentou.

“A história só se repete como tragédia ou como farsa. Há 20 anos, o governo Britto vendeu a CRT e parte da CEEE. Não resolveu nada e só agravou o problema da dívida do Estado. Para os trabalhadores, trouxe demissões e precarização. Para a população, aumentou as tarifas e piorou a qualidade dos serviços”, criticou o presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo, sobre a decisão da maioria dos deputados.

Comemoração da base aliada

Em suas manifestações, a base aliada afirmou, em inúmeras falas, que as vendas das estatais representam uma nova forma de gerar emprego, renda e arrecadação. Para Dalciso Oliveira (PSB), o desenvolvimento econômico é o que sustenta o poder público e, sem ele, não há como aumentar a arrecadação. “O Estado não tem capacidade financeira para fazer investimentos nessas empresas públicas, mas a iniciativa privada pode fazer tais investimentos aumentando a geração de postos de trabalho e receita”, defendeu.

Discurso similar teve Giuseppe Riesgo (NOVO), que afirmou ser um novo dia histórico, em que o RS está dando mais um passo rumo a recuperação econômica. “Eu sou a favor da privatização e ponto, sou a favor de privatizar todas as empresas públicas”, sinalizou. Ao ser vaiado, continuou a enumerar os supostos benefícios das empresas privadas sobre as públicas. Após enumerá-los, afirmou que a privatização é boa para o povo gaúcho. “Talvez ela possa ser ruim para meia dúzia de pessoas que podem perder seus direitos e seus privilégios, mas para o governo gaúcho é muito melhor”, finalizou.

Já seu companheiro de bancada, Fábio Ostermann (NOVO), disse esperar que o governo privatize também o Banrisul, um ativo que daria condições ao Estado de uma recuperação mais rápida e efetiva. Culpabilizou a crise do RS às decisões equivocadas dos governos nos últimos 20 anos. “Manter empresas estatais ou deficitárias ou incapacitadas de fazer os devidos investimentos, neste momento, é uma irresponsabilidade e uma temeridade, e é por isso que hoje autorizaremos que o governo privatize a CEEE, a CRM e a Sulgás”.

Juliana Brizola criticou os deputados da base governista, afirmando ser compreensível que quem não conhece a história do seu Estado e do seu país tenha dificuldade de acertar no presente e no futuro. “Quem era muito novo ou não estava a par desse assunto, que estude e saiba o que foi feito do dinheiro das empresas que foram vendidas, do cheque em branco dado ao então governador Britto. Nossa dívida só triplicou. Respeitamos as opiniões contrárias. Agora, o que não tem como respeitar é quando nós, que estamos aqui dentro dessa casa parlamentar, queremos virar um puxadinho do Piratini. Não é para isso que estamos aqui”, finalizou.

Reflexos negativos da venda das Estatais

Rodrigo Henrique Costa Schley, 35 anos, trabalha há 11 anos e meio na CEEE-D, e atualmente faz parte do Conselho Deliberativo da União dos Profissionais das Empresas de Energia Elétrica do Estado (UNIPROCEEE). Para ele a tendência é um aumento acentuado nas desigualdades sociais do Rio Grande do Sul, “com uma maior depressão das áreas mais pobres e um desenvolvimento maior das zonas mais ricas”.

Abaixo, Schley enumera os prejuízos dessa decisão.

“Em primeiro lugar será um aumento no desemprego, uma vez que a tendência é a empresa privada reduzir o número de pessoal contratado e terceirizar a maioria dos serviços. Outro reflexo é no próprio foco de atuação da empresa. A CEEE, por ser pública, tem como prioridade o melhor atendimento possível à população, seus investimentos tem esse foco, bem como estão atrelados aos objetivos de desenvolvimento econômico e social do estado. A empresa privada, como é de se esperar, priorizará a maximização dos seus lucros, mesmo que isso incorra em piora no atendimento à população e o desatendimento a algumas regiões menos lucrativas, como já ocorre com consumidores da área rural atendida pela RGE. É esperado que haja uma reestruturação grande na empresa, com a redução dos postos de atendimento presencial e aumento do atendimento virtual. Muitos setores, como RH e ouvidoria, poderão ser transferidos para a matriz em outra região do país, a depender de quem comprar a CEEE”.

“Os programas sociais que eram desenvolvidos pela CEEE junto a comunidades carentes tendem a desaparecer, uma vez que não são lucrativos. Outro reflexo indireto que pouca gente, fala mas que certamente virá, é o aumento na desindustrialização do Estado. Caso a empresa que compre a CEEE seja a State Gridd (Estatal chinesa dona da CPFL), muitos dos componentes, insumos e equipamentos que a CEEE utiliza e que são comprados de indústrias locais serão trazidos diretamente da China, prejudicando a economia do Rio Grande do Sul. Mas o reflexo mais grave será a total perda da soberania do Estado em relação ao planejamento e à utilização da sua matriz energética. As tarifas tendem a aumentar, e os novos investimentos serão guiados pela lógica de mercado, e não pelo interesse público. Dessa forma, a tendência é um aumento acentuado nas desigualdades sociais do Rio Grande do Sul, com uma maior depressão das áreas mais pobres e um desenvolvimento maior das zonas mais ricas”.

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