Lélia Gonzalez, estudo e pesquisa na luta contra o racismo

Foto: Januário Garcia

Por Jessica Ferreira.

Lélia Gonzalez (1935-1994), filha de um homem negro operário e uma mulher indígena que trabalhava como empregada doméstica, foi a penúltima de 18 irmãos. Nasceu em 1935 na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, mas ainda criança mudou-se para o Rio de Janeiro, onde viveu quase a vida inteira.

Vida profissional

Estudou História e Filosofia na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), fez mestrado em Comunicação e doutorado em Antropologia Política, além de aprender a falar fluentemente francês, inglês e espanhol.

Durante 30 anos trabalhou como professora na rede de ensino pública e privada, além de desenvolver diversas obras literárias e artigos com a temática racial, como “Por um feminismo afrolatinoamericano”, “Lugar de Negro”, “Festas Populares do Brasil” , entre outros.

Vida pessoal

Luís Carlos Gonzalez foi o primeiro marido de Lélia. Eles casaram-se em 1964, e em 1965 o rapaz cometeu suicídio. Algumas pessoas apontam a pressão social por ter um relacionamento com uma mulher negra como um dos motivos que o levaram à morte. Sua família, branca e de origem hispânica, consideravam a união inadmissível.

Vendo que seu relacionamento com Luís Carlos foi importante contribuinte para a sua tomada de consciência racial e procura da identidade, Lélia, que até então usava o sobrenome “Almeida”, optou por homenagear o marido, adotando seu sobrenome “Gonzalez”.

Na sua busca por identidade, o candomblé e a psicanálise foram pilares para seu entendimento como mulher negra.

Vida política

Gonzalez foi uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado, o MNU, um dos principais movimentos de resistência negra em nível nacional, que teve sua oficialização na leitura de um manifesto em julho de 1978 em frente ao Teatro Municipal de São Paulo.

Dentro da militância, participou de diversos movimentos, entre eles a fundação do Instituto de Pesquisas da Cultura Negra (IPCN), o Coletivo de Mulheres Negra N’Zinga e presenciou a fundação do Olodum em 1979, ONG do Movimento Negro que surge para ocupar um espaço de expressão cultural africana em Salvador e que até hoje trabalha contra a discriminação racial e estimula o orgulho afro-brasileiro.

Ela também concorreu à Câmara dos Deputados pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 1982, sendo eleita suplente; entre 1985 e 1989 fez parte do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, órgão vinculado ao Ministério da Justiça que visa promover a participação da mulher na política, economia, cultura e a diminuição do preconceito de gênero; em 1986 conquistou a suplência como deputada estadual do Rio de Janeiro, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).

Literatura e conceitos

Lélia foi uma das primeiras mulheres a tratar do feminismo negro latino-americano e suas particularidades, dando ênfase ao duplo preconceito, o racial e de o gênero que as mulheres sofrem, também escreveu a respeito da ideologia do branqueamento e seus efeitos.

Seu primeiro livro publicado foi “Lugar de Negro”, em parceria com Carlos Hasenbalg, no ano de 1982, obra que tratou sobre o negro no Brasil em diversos panoramas, contando ainda com narração da fundação do MNU.

Outra publicação importante foi, “Festas Populares no Brasil”, em 1987, livro que trata sobre as festas em diversas partes do Brasil, revelando a pluralidade cultural nacional, a obra foi premiada na categoria “os mais belos livros do mundo” durante a Feira de Leipzig, realizada na Alemanha Oriental.

No seu texto “Por um Feminismo Afrolatinoamericano”, definiu a ideologia do branqueamento como a maneira mais eficaz de racismo ideológico pois “reproduz e perpetua a crença de que as classificações e os valores da cultura ocidental branca são os únicos verdadeiros e universais. Uma vez estabelecido, o mito da superioridade branca comprova sua eficácia pelos efeitos de estilhaçamento, de fragmentação da identidade étnica por ele produzidos; o desejo de embranquecer, é internalizado com a negação da própria raça, da própria cultura.”

Também deu origem ao termo “amefricanidade”, que teve como objetivo tratar da América de maneira territorial, linguística e ideológica, abrindo novas perspectivas para tratar da América como um todo, trabalhando seu histórico de dinâmica cultural que é afro centrado.

Luta dentro da luta

A autora, que é descrita como uma mulher de risada alta, inteligente e corajosa, também é lembrada por não romantizar o movimento negro e por ser grande repressora de atitudes machistas dentro desses espaços, sempre que as presenciava.

“Quando a maioria das militantes do MNU ainda não tinha uma elaboração mais aprofundada sobre a mulher negra, era Lélia que servia como nossa porta voz contra o sexismo que ameaçava subordinar a participação de mulheres no interior do MNU, e o racismo que impedia nossa inserção plena no movimento de mulheres. Mas através de muitas e longas conversas e dos textos dela, aprendemos como incorporar um certo modo de ser feminista às nossas vidas e à nossa militância, articulamos nossos próprios interesses e criamos condições para valorizar a ação política das mulheres negras.” Trecho retirado do texto “Lembrando Lélia Gonzalez”, de Luiza Bairro.

Morte e legado

Lélia Gonzalez faleceu no dia 10 de julho de 1994 devido à problemas cardíacos, na capital do Rio de Janeiro.

Além de diversas homenagens em exposições e arte e cultura, também foram criados uma escola estadual no Rio de Janeiro, um centro de Referência de Cultura Negra em Goiânia, uma sala na UnB (Universidade de Brasília), e vários coletivos ao longo do Brasil carregando seu nome, entre eles, os Coletivo Feminista Lélia Gonzalez – que é composto por alunas da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP, Coletivo Negro Lélia Gonzalez – organizado por alunos do IBILCE (Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas) da Unesp Rio Preto, Feminismo Negro Interseccional Campinas – Coletivo Lélia Gonzalez, Coletivo Preto Lélia Gonzalez, composto por alunos da UNESA (Universidade Estácio de Sá) de Nova Iguaçu, e Coletivo Negro do Curso de Direito Lélia Gonzalez – LeGon, composto por alunos de direito da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

“Falar da opressão da mulher latino-americana é falar de uma generalidade que oculta, enfatiza, que tira de cena a dura realidade vivida por milhões de mulheres que pagam um preço muito caro pelo fato de não ser brancas.” Trecho retirado do texto “Por um feminismo afrolatinoamericano”, de Lélia Gonzalez, lançado em 1988.

Mais sobre Lélia Gonzalez : http://www.leliagonzalez.org.br/

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