Itaipu reconhece violações contra povo Avá Guarani pela primeira vez

Quase quatro mil indígenas do povo Avá Guarani, no Paraná, lutam para que as suas vozes sejam ouvidas – Leandro Moretti

Por Bruno Soares, para Brasil de Fato. 

“Minha afirmação é categórica. A expectativa é de que nos próximos dias seja publicado, via Decreto Presidencial, a criação do Grupo de Trabalho que definirá quais serão os termos para reparação devida ao povo Avá Guarani”.

Anunciada na última sexta-feira (16) pelo Gestor de Sustentabilidade das Comunidades Indígenas da Usina Hidrelétrica de Itaipu, o professor universitário Paulo Porto, a declaração sem precedentes marca a mudança de paradigma com que a hidrelétrica binacional sempre tratou o conflito indígena instaurado a partir do início de sua construção, em 1975.

“E é fundamental que este GT seja de tiro curto. Com duração de no máximo um ano. É isso que temos tratado junto ao Ministério dos Povos Indígenas. Afinal, não há mais que se falar em novas pesquisas para provar a presença guarani na região antes de Itaipu. Já temos muitos estudos científicos provando que houveram danos e sabemos que existe a necessidade de reparação. Esse GT será para discutir sobre quais termos isso será feito. Esta é a grande novidade”, iniciou Paulo Porto em entrevista exclusiva ao jornal Brasil de Fato Paraná.

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Professor universitário cedido à hidrelétrica pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Paulo Porto atua como indigenista desde o início dos anos 90 junto às comunidades e povos indígenas da região. Segundo o especialista, ao ser chamado por Enio Verri para assumir a função, a primeira questão levantada foi sobre a seriedade do trabalho que precisaria ser feito. “Eu perguntei: ‘É pra ser sério?’. Ele me assegurou que sim. É com este compromisso comum que anuncio, em nome do atual diretor geral de Itaipu, que houve uma virada de chave sobre a questão indígena que envolve o povo Avá Guarani e Itaipu. E com toda certeza isso irá passar pela questão de território”, adiantou Porto.

O Grupo de Trabalho mencionado pelo representante de Itaipu foi anunciado oficialmente pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, no dia 3 de maio passado, em Brasília (DF), durante cerimônia de encerramento do 19º Acampamento Terra Livre. No mesmo dia, em Foz do Iguaçu, Enio Verri recebeu a secretária de Direitos Ambientais e Territoriais do ministério, Eunice Kerexu, para dar início às tratativas de criação do GT. Ao todo, o grupo será constituído por representantes de 11 instituições, entre Ministério dos Povos Indígenas, FUNAI, Itaipu e lideranças Avá Guaranis, Conselho Indigenista Missionário, entre outros.

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Paulo Porto é Gestor de Sustentabilidade das Comunidades Indígenas da Usina Hidrelétrica de Itaipu / Divulgação

“O momento é muito importante e único. Temos um governo sensível à temática e que pela primeira vez na história conta com a presença de indígenas em locais fundamentais à causa. É com base neste combo, com esta conjuntura, que acreditamos que iremos avançar de forma muito positiva com esta reparação necessária”, avalia o indigenista ao destacar a presença de Sonia Guajajara no Ministério dos Povos Indígenas, Joenia Wapichana na direção da Funai, bem como outras lideranças indígenas em cargos estratégicos na estrutura governamental do presidente Lula.

Território

Conversas preliminares à formalização do GT dão conta de que o processo de reparação ao povo Avá Guarani se dará com base em três pilares: Território, Sustentabilidade e Ações Emergenciais. “O primeiro pilar é o territorial. Os guaranis têm uma expressão que diz que sem Tekoha não tem costume. Ou seja, qualquer tipo de ação precisa, fundamentalmente, contemplar a questão de território aos guaranis”, explica.

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Ao final do período de construção da hidrelétrica de Itaipu, concluído em 1982, a usina inundou uma área de 135 mil hectares. Entre indígenas e não indígenas, mais de 40 mil pessoas foram removidas. Estudos indicam que apenas no lado brasileiro, em uma extensão que vai de Foz do Iguaçu à Mundo Novo (MT), cerca de 770 km2 de terra foram alagadas. Somadas, as três reservas legais demarcadas ao povo Avá Guarani possuem 2.236 hectares. Outras 24 aldeias não demarcadas integram a luta dos Avá Guaranis desterrados pela usina, sendo cinco no município de Santa Helena, duas em Itaipulândia e as demais nas cidades de Guaíra e Terra Roxa.

Sustentabilidade e ações emergenciais

Junto da sustentabilidade necessária ao desenvolvimento da etnia Avá Guarani a longo prazo, a adoção de ações emergenciais fundamentam os outros dois pilares que irão sustentar a política de reparação aos indígenas. “Itaipu antes não entrava em aldeias não demarcadas. Agora estamos trabalhando para que a situação de insegurança alimentar e outras vulnerabilidades que muitas destas aldeias estão expostas passem a ser atendidas com as mesmas políticas assistenciais oferecidas as aldeias já demarcadas. Esta é também outra virada de chave muito importante”, avalia.

Para regulamentar a atuação nas aldeias retomadas pelos indígenas, é esperada a presença da ministra Sônia Guajajara a partir da segunda quinzena de agosto. “Nesta oportunidade iremos celebrar o convênio para começar a trabalhar dentro de todas as aldeias com abrangência de Itaipu. Após a celebração deste convênio, e com a formalização GT, queremos dar início a um modelo de reparação que se torne referência no Brasil. Esse é o legado que a atual gestão de Itaipu quer deixar quanto a questão indígena”, finaliza Paulo Porto.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Ana Carolina Caldas

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