Fundações: Um mal necessário?

DESACATO MEC ufsc1

Carta  das Brigadas Populares de Santa Catarina sobre as Fundações Universitárias na UFSC:

1. O que nos motiva a escrever esta carta

Art. 3.º A Universidade tem por finalidade produzir, sistematizar e socializar o saber filosófico, científico, artístico e tecnológico, ampliando e aprofundando a formação do ser humano para o exercício profissional, a reflexão crítica, a solidariedade nacional e internacional, na perspectiva da construção de uma sociedade justa e democrática e na defesa da qualidade da vida (Estatuto da UFSC, de 3 de novembro 1978).

A crítica é o elemento fundamental do saber. É através da crítica que se constrói o verdadeiro conhecimento, conhecimento útil para o desenvolvimento das atividades humanas em sua plenitude; é com ela que saímos do mundo das respostas apriorísticas, dos naturalismos (as coisas são o que são), das concepções ideológicas que deformam e mascaram a realidade tal como ela é. O conhecimento crítico, alinhado com a prática política cotidiana, é a ferramenta essencial para conhecermos a realidade e agirmos sobre ela, a fim de transformá-la. Só assim, poderemos mudar cursos e currículos, adequando-os às demandas internas da universidade e da sociedade que a mantém.

Por isso escrevemos esta carta. Porque a crítica está cada vez menos presente na nossa Universidade. Porque, cada vez mais, esta prática se esvai de nossos campi. Em nossas salas de aulas — onde aprender é ouvir e nada mais –, não discutimos a forma como se transmite o conhecimento ou qual é o fim deste aprendizado.Fundamentalmente, a crítica está ausente da prática politica dos gestores desta Universidade, que, desde os colegiados de curso até a administração central, reproduzem a ideologia de que “isto é muito difícil de mudar…”, “o que eu posso fazer, se as coisas sempre foram assim?” — tornando-se especialistas na nobre ciência doachismus doctorandus (tradução em português, “eu sei por que sou doutor”).

Precisamos questionar se a universidade cumpre sua premissa básica: trabalhar para construção de uma sociedade justa e democrática. Nosso ensino, pesquisa e extensão devem ser analisados profunda e criticamente. Somente com o pensamento crítico podemos construir soluções de forma coerente com a realidade.

2. Problematizando pesquisa, extensão e Fundações

Uma das práticas estabelecidas e pouco questionadas na universidade é a função das fundações de apoio.

Apesar da Constituição de 1988, no seu artigo 207, ter assegurado às universidades a “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”, nunca foram criados mecanismos para que essa autonomia saísse efetivamente do papel. Foi assim que as fundações se fortaleceram, permitindo que as universidades gozassem, ainda que apenas em parte, da autonomia universitária. No contexto dos anos 1990 – a grande arrancada neoliberal no país –, em que as universidades sofriam com sérias restrições orçamentárias, as fundações de apoio ganharam peso como alternativa para captar recursos suficientes para sua manutenção e desenvolvimento. Pelas fundações da UFSC (FAPEU, FEESC, FEPESE e FUNJAB) passaram, em 2011, R$ 463,2 milhões – o equivalente a 38,6% do orçamento da UFSC naquele ano. A quantia é gasta com o objetivo de auxiliar a universidade no cumprimento do seu tripé de pesquisa, ensino e extensão. Mas por que todos esses recursos públicos são repassados às fundações e não são investidos pela própria UFSC? Há um projeto para sucatear o serviço público e fortalecer o setor privado. É ai onde se inserem as fundações. São criadas para se livrar dos “empecilhos burocráticos” que a administração pública possui e, na prática, contribuem para a implantação de um Estado Mínimo.

Com as fundações, a universidade deixa de administrar boa parte de seus recursos públicos. Projetos milionários passam pelas fundações, com coordenação e participação de diversas figuras conhecidas da cena política na Universidade, que, por sua vez, apenas recentemente passou a preocupar-se minimamente com mecanismos de controle. Até agora todos os projetos executados através de fundações estiveram extremamente suscetíveis a desvios e irregularidades.

A matéria de capa da edição de julho de 2012 do jornal Zero, “Os superprofessores”, constatou, com base nos orçamentos de projetos de pesquisa e extensão coordenados por um professor da UFSC, que este poderia estar acumulando rendimentos acima do teto do funcionalismo público. Àquela matéria, se seguiu uma investigação da reitoria, que admitiu, em uma reunião do CUn, estar investigando pelo menos 10 professores da UFSC, que, de fato, excediam o teto constitucional,acumulando bolsas de fundações agregadas aos seus salários.

Por isso, é preciso estabelecer um rígido controle sobre as fundações e seus projetos. A UFSC tem que ser capaz de saber exatamente como os recursos públicos são gastos e impedir a existência de quaisquer irregularidades. Desvios devem ser investigados e os beneficiados, responsabilizados. Para isso, a Universidade deve implantar o sistema de controle que faça o cruzamento entre as bolsas ganhas via fundações pelos professores, pondo fim nos supersalários que extrapolam o limite constitucional.

Fora do controle direto da Universidade, as fundações abrem precedentes paradesvios de sua atividade-fim. É também uma abertura para que interesses privados se sobreponham aos interesses públicos; e para a entrada de um pensamento estritamente mercadológico na UFSC. Mas deve ser para sempre assim? Por que a UFSC se abstém da discussão de fundo: as fundações são realmente necessárias?

A UFSC se exime da aposta política de abrir mão das fundações e tomar para si o papel de captar recursos e executar com autonomia os projetos de pesquisa e extensão. Abre mão, assim, de garantir que o tripé seja cumprido com qualidade, que seja voltado tanto para a comunidade acadêmica quanto para a sociedade, e não apenas parcela dela.

Mas é preciso ir além: a relação com as fundações deve ser repensada, assim como toda a política de pesquisa e extensão. Devemos analisar se, depois de diversos anos de projetos milionários, os resultados são satisfatórios para a Universidade e para o povo.

O povo, que precisa que o conhecimento produzido por esta instituição esteja sempre conectado com os problemas sociais que o afetam e que necessitam de soluções – não as assistencialistas, mas aquelas que vão à raiz dos problemas. O povo precisa fazer parte de todo o processo, desde a aprovação de um projeto até a sua avaliação. Só assim, quando mudarmos a atual estrutura da UFSC, teremos uma Universidade realmente a serviço da sociedade e do interesse público.

Para isso precisamos transformar a estrutura burocrática desta Universidade, exigindo um compromisso de seus gestores, nunca visto nesta instituição, nem com Roses ou com Pratas. O movimento estudantil é o único agente capaz de proporcionar estas transformações, pois nós, diferente de tantos outros Ariovaldos, Elpídios, reitoras e reitores, não temos um vínculo nefasto que amarra e distancia esta Universidade de seu real propósito.

É por isso que convidamos organizações estudantis/políticas, centros acadêmicos, DCE, estudantes, técnicos, professores, todas e todos que compartilham desta reflexão a assinarem esta carta e começarmos a refletir e pensar sobre uma Universidade diferente desta que temos hoje.

Brigada 21 de Junho (Brigadas Populares).

Foto: Reprodução/MEC

 

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