Florianópolis – eleições municipais de 2020
Por Remy J. Fontana.
A prolongada indefinição da chapa majoritária da pretendida frente eleitoral de esquerda em Florianópolis, neste ano de 2020, evidencia já de largada duas ambiguidades:
1 – Indefinição do próprio nome e por conseguinte de sua natureza e do registro semântico com que pretende apresentar-se ao eleitorado, ampliar sua audiência, e por fim obter sufrágios. Designações correntes: Frente de Esquerda, Frente Popular e Frente Progressista que tem sido utilizadas, sem nenhuma impor-se, não são indiferentes quanto à recepção que cada uma teria da massa de votantes.
2 – Novos atores e incapacidade diretiva. Há certamente, como um dado promissor das duas últimas décadas, aproximadamente, a emergência de uma nova geração de militantes, de movimentos, de coletivos e organizações que adensam a força da esquerda em nossa cidade e região. Mas o que intriga, e os impasses de formação e consolidação da Frente estão a demonstrar, é que esta renovada e qualificada emergência destes novos atores não tem tido correspondência na qualificação dos quadros dirigentes partidários, notadamente em termos de capacidade política diretiva para captar esta nova energia e disponibilidade de luta de amplos segmentos e dar-lhes expressão orgânica. Nem se arejaram ou se abriram os processos internos, seja para que os fluxos de vontade política tenham canais adequados de comunicação e participação entre máquina partidária e base social, seja quanto aos mecanismos de deliberação e tomada de decisões internos, como também se vê nas atuais e improdutivas reuniões de constituição da Frente. Não é, pois, casual que para dirimir disputas e impasses na formação da chapa majoritária, burocraticamente se estabeleceram critérios em detrimento de uma análise política consequente e competente. Mesmo estes critérios, já por si equivocados, não tem sido explicitados, nem aplicados, além de incorporarem outras ambiguidades de interpretação. Parece mesmo que critérios respondem aqui e tem servido como pretextos, seja para entronizar alguns ou obstaculizar outros.
Na prática estas duas derrapagens iniciais consomem energias que deveriam estar já aplicadas em tarefas políticas de maior escala e de maior abrangência.
Dano: perde-se o sentido de urgência, diante de um tempo escasso que teremos para estruturar comitês, organizar a campanha, obter recursos, conquistar apoios estratégicos, mobilizar a militância, chegar às comunidades, aos diversos segmentos sociais, elaborar programas, definir seus eixos, exercitar e rotinizar discursos, difundir mensagens, elaborar análises, definir táticas, etc.
A este propósito, a avaliação de expectativas, anseios, atmosferas e contextos, disposições afetivas dos diversos setores e segmentos sociais tem se revelado mais decisivas para o voto do que enunciados programáticos ou discursos de pedagogia política. A esquerda faria bem assumir que nas condições de grande descrédito da democracia eleitoral burguesa, da frustração popular com suas instituições para processar suas demandas, o que tem valido é um discurso em torno destes estados de espírito desiludidos, descrentes, que respondam a seus anseios, seus medos, além de suas justas e críticas demandas.
Articulações, esboços e tentativas de formar a Frente. Sabe-se que tais esforços, contatos, conversas e iniciativas remontam 2 anos, desde as eleições de 2018, e, pasmem, já teria ocorrido 2, 3 ou mesmo 4 dezenas de reuniões para constituí-la. Tudo isto para chegar às vésperas do registro de candidaturas com o grau de impasses que estamos vendo. Esta demora, esta procrastinação é já um indicador da falta de clareza política, ausência de objetividade tática, frouxo comprometimento com a razão última de uma Frente em tal conjuntura, mais do que crítica, quase desesperadora, tudo apontando, já de partida, para seu enfraquecimento.
Entrevistas, notas, pronunciamentos que se tem visto e ouvido nos últimos dois meses, com poucas exceções, demonstram enunciados vazios, fuga das questões cruciais, generalizações batidas e rebatidas em torno de temas e problemas além do que está posto, aqui e agora, isto é, os termos e condições com as quais vamos nos apresentar diante do eleitorado, com qual cara, com quais nomes, com que propostas, com que mensagens.
Parece que falta coragem política destes dirigentes e articuladores para assumir os termos do impasse, que me parece não ser outro do que impedir a presença do PT na chapa majoritária. Em vez desta constatação o que ouço são tergiversações, do tipo, tem que ter uma mulher na chapa; dois professores na mesma cédula não amplia; o PT, ao querer colocar seu vereador na chapa majoritária corre o risco de não eleger ninguém para a Câmara; ou, então, o perfil do pretendente do PT é ótimo, tem uma sólida e respeitável trajetória de esquerda, mas não é um bom candidato puxador de votos.
Só uma análise política pobre ou equivocada, baseada numa estimativa e projeção de votos de eleições passadas, em outra conjuntura, em outra composição de candidaturas, em outras motivações de voto, num outro clima ideológico e disposição das peças do jogo político e eleitoral puderam fazer que da mesa de negociação da Frente saísse o nome de Elson Pereira, como candidato natural à cabeça da chapa, e ao mesmo tempo e no mesmo embalo se colocasse tantos óbices a presença de Lino Peres, como candidato a vice-prefeito. Como se todas as cartas da Frente, toda sua suposta força e perspectiva eleitoral dependesse não de sua inserção social, de sua capacidade política, mas de nomes singulares a ocupar esta ou aquela vaga na chapa majoritária.
O fato de possivelmente contar com 9 ou 10 partidos e organizações a constituí-la, não deveria, em nome de um democratismo deliberativo, embaralhar ou confundir os pesos e responsabilidades políticas dos participantes da Frente. Claro, todos são importantes, todos são bem vindos e necessários, mas há formas distintas de cada um contribuir com sua parte e com sua força, sem que lhes sejam atribuídas capacidades ou competências equivalentes com poder de imposição ou veto.
O que está, por ora, comprometido não é apenas a capacidade de formular os termos de uma ampla coalizão, mas o estabelecimento efetivo de sua própria concretude, de sua própria e efetiva existência enquanto uma entidade política real, vigorosa, capaz de viabilizar-se nas urnas, na melhor das hipóteses, e na pior de continuar, no futuro imediato, de ser uma força política capaz de intervir com eficácia no processo político, na defesa dos interesses das classes e massas populares e de opor resistência vigorosa ao neofascismo.
A conjuntura destes últimos anos, e certamente dos próximos, chega a trovejar diante de tantas ameaças à democracia, a gritar em face de ameaças terríveis à própria existência da esquerda, e o que vemos dos seus dirigentes partidários, de suas lideranças, de seus pré-candidatos é antes o exercício de pequenas disputas intestinas, o prevalecimento dos interesses internos de suas organizações, o cálculo eleitoral de curto prazo em detrimento de uma visão estratégica de convergência de suas forças face a um poderoso adversário, que tem hoje não só enorme potencial eleitoral mas, pior, amplas bases sociais em estratos sociais tão diversos que vão do lumpenproletariado à lumpenburguesia, ancorando-se na vasta e pastosa classe média.
Estando desta forma configurada a situação, fica a esquerda, os grupos e organizações progressistas de nossa cidade desarmados diante das exigências da conjuntura e enfraquecidos em face das urgências da luta política, sem uma resolução decisiva acerca de suas tarefas de combate às oligarquias, ao fisiologismo, ao clientelismo e agora ao fascismo que condenam a grande maioria de nossa terra a permanecer em seu habitat de sub-cidadãos, deserdados de direitos, espoliados na esfera do trabalho, oprimidos e alienados em suas condições gerais de vida.
A questão a ser examinada – e a pergunta a ser respondida-, é: esta Frente possível é a expressão real das forças de esquerda, como uma tradução do adensamento de suas bases sociais, de seus novos ímpetos, de suas novas energias diante da tarefa crucial de resistência ao neofascismo galopante, e ao mesmo tempo em defesa e promoção dos legítimos interesses populares, ou é um arranjo circunstancial, e então meio frouxo, articulado em torno de algumas conquistas eleitorais pontuais, certamente válidas, mas que antes parecem revolver-se a partir de cálculos partidários particulares, em detrimento de conquistas mais substantivas promotoras dos interesses e dos direitos sociais majoritários?
Esta articulação das esquerdas tem finalmente de assumir o que vai prevalecer, se quiser ser um ator político relevante: trata-se de dar vida política e promover uma agenda partidária, uma agenda de Frente, ou uma agenda oculta?
Nas uniões, na unidade de forças, nas Frentes de luta, os destinos são moldados a partir da questão central.
Que esta esteja clara e se imponha a todos, e faça prevalecer suas determinações. Caso contrário a Frente será uma ilusão, uma futilidade, um equívoco, uma nulidade.
21 agosto 2020
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