Por Júlia Vasconcelos e Iyalê Tahyrine.
Em abril deste ano, a artista recifense Flaira Ferro performava seu segundo álbum da carreira como cantora em um show virtual, “Virada na Jiraya”. Mas esta não seria qualquer apresentação: para além de muita música, rock e poesia, seriam arrecadados R$ 18 mil reais para a doação de alimentos distribuídos entre oito cidades de Pernambuco. Com incentivo da Lei Aldir Blanc para toda a banda, a live solidária movimentou a cena musical pernambucana para levar comida a quem tem fome.
Com a situação mais grave no cenário nacional, o Nordeste apresenta 73,1% dos domicílios em situação de algum grau de insegurança alimentar. E em Pernambuco, projetos populares já estavam desde o começo da pandemia na linha de frente com ações solidárias. Nesse embalo, a artista Flaira se juntou a três desses projetos para direcionar as doações; foram elas a campanha Mãos Solidárias, o Afojubá Batuque Recife e o Clube de Mães, da comunidade de Caranguejo Tabaiares.
O Brasil de Fato Pernambuco entrevistou Flaira Ferro para entender como foi a experiência. A artista também tratou sobre a importância do incentivo da Lei Aldir Blanc para trabalhadores da cultura e contou o que tem produzido durante a pandemia.
A doação e a importância da solidariedade
A ação distribuiu 400 cestas básicas com alimentos orgânicos produzidos pelos pequenos agricultores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) PE; mil marmitas para moradores de ruas e de palafitas, além de ter direcionado também cestas básicas para trabalhadores da cultura e mulheres e mães desempregadas.
Flaira reforça que a solidariedade não deve se caracterizar por um ato isolado. “A solidariedade é algo que é uma força motriz, que convoca a gente a estar sempre operando nessa frequência. Não é só fazer uma ação e pronto”. Para ela, é um modo diferente de ver a vida. “É buscar um jeito de ver a vida pela solidariedade, atribuindo confiança entre as pessoas, criando vínculos, laços de amor, de cuidado com o outro. Entendendo que o alimento é um direito humano”, reforça.
Ela conta que, apesar de ter feito algumas participações em lives solidárias e ter feito publicações para divulgar projetos, nunca tinha tido o recurso necessário para fazer a própria live. Foi com o incentivo da Lei Aldir Blanc que isso se tornou possível. “É muito emocionante chegar e ver as pessoas recebendo as cestas. E para além do emocionante, também é muito triste saber que tem tanta gente passando por tanta dificuldade”, conta.
A artista partilha que para ela existia um apelo pessoal que era o de fortalecer a doação para mulheres, mães e trabalhadores da cultura. Através do Clube de Mães, as doações foram direcionadas para mulheres gestantes e mães que estão na zona de risco.
“Já o Mãos Solidárias é um projeto muito grande. Na verdade, é um projeto que abraça várias outras organizações. Então, para ele foi a maior parte das doações”, explica. Através do Mãos Solidárias, Flaira acompanhou o movimento da colheita dos alimentos no assentamento. “Eu queria muito ver como era, até porque isso dá muito mais sustentação para a própria ação”. Ela conta que se envolver com a ação foi algo que, inclusive, a fortaleceu artisticamente. “Saber da dimensão da vida, que vem em todo esse movimento que constrói a solidariedade lá do início, desde quando o alimento é tirado da terra, me dá muito mais força pro meu trabalho, enquanto artista e enquanto ser humano”, relata.
Lei Aldir Blanc
Flaira enfatiza que a Lei Aldir Blanc foi uma conquista da classe artística e que, sem ele, muitos trabalhadores da cultura sequer estariam se alimentando. “Quando se fala de trabalhadores da cultura, muitas vezes se pensa logo no artista [famoso]. Mas existe uma gama de profissionais que trabalham nos bastidores, que são fundamentais e não têm opção de trabalho nesse momento”, e cita como exemplo os técnicos de som, de luz, carregadores, operadores de show, de cena e os artistas de circo.
Para ela, não só essa lei é essencial, como outras devem ser incentivadas para que mais recursos das atividades culturais cheguem na categoria. “Se as atividades culturais das cidades não podem acontecer, como o Carnaval e o São João, esse recurso fica aonde? Não pode ficar parado, porque a vida continua aqui”.
Flaira ainda explica que fala de um lugar de privilégio, mas que muitos artistas ainda estão sem cadastro e sem serem tidos como artistas legitimados diante do poder público. “E sem cultura, o que seria de nós? É isso que está sustentando algum sentimento de esperança na gente”.
Projetos da artista
Quando perguntada sobre estar ou não desenvolvendo outros projetos durante esse período de isolamento e proibição de shows, Flaira não hesita em dizer que para ela, criar vem como uma forma de sobrevivência, e nunca é pontual. “Se eu parar de criar, eu fico muito infeliz. Por uma questão de manter a alegria e o sentimento da vida, estou sempre compondo”.
No momento, dois projetos têm sido seu foco. “Um deles é um disco novo que estou em elaboração junto com outra artista. Não posso dar muitos detalhes, porque é surpresa”. O outro é a entrega do documentário “Dita Curva”, que é um espetáculo idealizado pela cantora e outros dez artistas do Recife e mistura poesia, dança e música para refletir o feminino. Além disso, a cantora segue apresentando o que já criou, como o disco “Virado na Jiraya”.