Nestas últimas semanas, as ruas das capitais europeias vêm sendo ocupadas por milhões de pessoas em aguerridas manifestações de protesto contra os crimes de genocídio que o sionista Estado de Israel está cometendo contra o povo palestino, em especial contra o extermínio de crianças e mulheres na Faixa de Gaza.
Não obstante o mencionado, as autoridades políticas, as esportivas e as do mundo das artes parecem caminhar num sentido diametralmente oposto.
É intrigante constatar que, embora esteja localizado inteiramente fora do espaço geográfico da Europa, o Estado de Israel costuma ser regularmente incluído entre as nações participantes de várias competições esportivas, assim como de eventos artísticos que, teoricamente, são programados e pensados para os países europeus.
Que fatores poderiam justificar que um país localizado no Oriente Médio que não ocupa um quilômetro quadrado sequer do território europeu possa fazer parte de torneios esportivos regionais como a Liga dos Campeões e a Euroleague, ou tenha garantida a presença de seus representantes em festivais musicais idealizados para a participação de artistas daquele continente, como, por exemplo, no caso do Festival Eurovisão?
Existe uma argumentação que busca explicar esta aparente condescendência das autoridades europeias em relação a tudo o que envolve o Estado de Israel em razão do grande sofrimento ao qual o povo judeu foi submetido na Europa por longos séculos, em especial no período do nazismo alemão. Portanto, devido a persistente e atroz perseguição imposta por tanto tempo a essa comunidade nos vários países da Europa onde eles viviam, os líderes políticos europeus se sentiriam moralmente obrigados a oferecer alguma compensação por tantos males que lhes foram causados no passado.
O fato é que, mesmo concordando que a tal perseguição realmente existiu, a conclusão de que ela possa servir como fator de constrangimento moral às classes dominantes da Europa não me convence em absoluto. Primeiramente, porque essas classes dominantes jamais se sensibilizaram com as dores de nenhum povo do mundo ao qual eles impuseram sofrimentos dos mais severos. E quanto a isto, lamento frustrar os propósitos de quem coloca os judeus como os campeões absolutos neste quesito. As atrocidades cometidas contra os povos ameríndios por esses mesmos europeus superam em muito os horrores praticados contra outros grupos europeus até mesmo durante o período das trevas nazista. Não que o nazismo não tenha significado uma monstruosidade, mas não dá para considerar que tenha representado o ápice das atrocidades já cometidas por iniciativa dos “civilizados” europeus contra outros povos desde inícios do século XV, com a expansão do colonialismo.
Quantas de nossas civilizações aborígenes foram exterminadas sem que sobrasse sequer um de seus integrantes, desde que os colonizadores europeus aportaram por aqui? Foram inúmeros os casos em que isto sucedeu, lamentavelmente. Além disso, acho que não nos seria nada difícil encontrar casos semelhantes ao analisarmos a colonização da África e da Ásia. Por isso, não dá para aceitarmos a ideia de que os causantes de tanta maldade a tantos povos em tantos lugares venham a se mostrar vulneráveis a sentimentos de remorsos por terem submetido os judeus a sofrimento.
Sabemos que a perseguição contra os judeus teve lugar na Europa e foi conduzida e praticada por europeus, então, por que o povo palestino teria de arcar com a responsabilidade desse crime? Logicamente, é de fato uma tremenda injustiça tentar compensar alguém pela maldade que lhe fizemos por meio da penalização de outra pessoa que nada teve a ver com o mal que lhe tínhamos impingido. Ou seja, não dá para aceitar essa história de expiar os próprios pecados com o sangue alheio.
Em vista disto, não podemos acreditar que a justificativa dos atuais dirigentes da Europa para sua tolerância em relação a todas as agressões que o Estado de Israel comete contra o povo palestino esteja de verdade ancorada num suposto sentimento de culpa. Se tivessem de verdade sido sensibilizados por suas práticas anteriores, eles poderiam ter buscado maneiras para compensar os judeus pelo sofrimento que lhes causaram e oferecido aos mesmos condições para que pudessem continuar vivendo por ali com dignidade.
Por outro lado, não é uma novidade e nem tampouco uma exclusividade relativa aos judeus que um grupo de perseguidos na Europa tenha sido forçado a sair em busca de outras regiões para escapar das perseguições enfrentadas em suas terras originais. A colonização da América do Norte é um bom exemplo disto. Como sabemos, foram os puritanos ingleses o primeiro grupo significativo de colonizadores daquele território que, depois, viria a constituir o que hoje são os Estados Unidos. Sabemos também que a motivação principal da saída dos puritanos da Inglaterra em procura de outros ambientes onde reedificar suas vidas era a feroz repressão que estavam sofrendo, o que lhes impossibilitava continuar vivendo naquele país.
Porém, apesar de terem sido forçados a partir por se sentirem violentados em suas aspirações, ao se transferirem para o continente americano, passaram a servir como os principais defensores dos interesses de sua metrópole de origem naquela região.
Já no caso dos sionistas que saíram da Europa para colonizar a Palestina, o panorama se mostra muito mais claro desde antes do processo ser consumado. A confluência dos interesses que uniram os colonizadores sionistas com os centros de onde provinham não se deu de modo involuntário como no caso citado dos puritanos na América do Norte. Os dirigentes sionistas que trabalhavam para convencer integrantes das comunidades judaicas da Europa a se transferirem para a região da Palestina o faziam em plena sintonia e entendimento com as elites dirigentes dos países europeus. Havia uma comunhão de interesses.
Para a burguesia judaica, que bancava o movimento sionista, a constituição do Estado de Israel sob sua inteira batuta significaria um instrumento de enorme valor em sua busca por espaços nas permanentes disputas interburguesas. Por sua vez, as demais burguesias dos centros capitalistas ocidentais poderiam ter no novo estado sionista um bastião constituído em pleno coração de uma região de enorme importância geoestratégica. Ao fincar ali suas bandeiras, os sionistas fincavam também as bases de sustentação dos interesses das grandes potências capitalistas.
Voltando agora ao início de nossa reflexão, o que leva as autoridades dos países capitalistas europeus a serem bastante condescendentes com os abusos praticados pelo Estado de Israel contra o povo palestino e a tratá-lo como se fosse um dos seus é a profunda identificação existente entre o projeto colonialista do estado sionista e os interesses geopolíticos do imperialismo ao qual os países capitalistas europeus estão subordinados. Não tem absolutamente nada a ver com sentimentalismo! No vídeo a seguir temos um curto, mas eloquente, resumo desta questão.
Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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