Especialista pede que cardeal denuncie práticas da Monsanto em discurso de premiação

monsanto_cumbre_socialEm artigo publicado pela National Catholic Reporter, o integrante do Comitê sobre a segurança alimentar mundial da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), David Andrews pede que o cardeal Peter Turkson denuncie as práticas nocivas da Monsanto contra o meio ambiente e a produção de alimentos saudáveis no discurso que fará na entrega do Prêmio Mundial de Alimentação (World Food Prize 2013 Borlaug Dialogue), em Des Moines, Iowa (EUA). O prêmio deste ano tem entre seus vencedores um executivo da Monsanto e fundador da Syngenta.

Segundo Andrews, Turkson deveria aproveitar esta oportunidade para falar a verdade sobre a Monsanto, bem como sobre a mudança climática, a fome no mundo e a nutrição. “A empresa acabou com muitos de seus concorrentes nos mercados de sementes, portanto, análises sobre capitalismo feitos pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz teriam uma relevância particular e merecem ser aplicados nesta instância”, explica.

Além disso, ele denuncia a tentativa da transnacional de manipular o Vaticano. De acordo com Andrews, houve duas conferências em Roma sobre biotecnologia promovidas pela Santa Sé e patrocinadas, em parte, pela Monsanto. “A Monsanto promoveu as reuniões como se tivesse o endosso do Vaticano sobre biotecnologia. Tenha em mente que a Monsanto gastou milhões de dólares, proclamando-se nas rádios, na televisão, em cartazes e anúncios, como sendo um exemplo de agricultura sustentável”, ressalta.

Confira o artigo.

Monsanto, Syngenta e o discurso do Cardeal Turkson

David Andrews,

National Catholic Reporter

O Cardeal Peter Turkson, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz do Vaticano, fará um discurso na entrega do World Food Prize 2013 Borlaug Dialogue, em Des Moines, Iowa (EUA), que acontece de 16 a 18 de outubro. O evento incluirá uma cerimônia em homenagem aos vencedores do prêmio deste ano: três cientistas (entre eles, um executivo da Monsanto e fundador da Syngenta) responsáveis por descobertas na área dos OGMs, ou Organismos Geneticamente Modificados.

Talvez seja melhor que eu deixe claro minha opinião sincera em relação a esse assunto. Morei em Iowa por 13 anos e trabalho com questões da vida rural, alimentos e política de fazendas há 40 anos. Fui diretor-executivo da Conferência Nacional da Vida Rural Católica em Des Moines. Eu servi na Comissão de Política Interna da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos e fui consultor do Pontifício Conselho Justiça e Paz no Vaticano durante a presidência do falecido Cardeal Van Thuan. Servi como consultor em política alimentar nas Nações Unidas. No momento, sirvo como ponto focal para a América do Norte no Comitê sobre a segurança alimentar mundial da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO, em Roma. Não sou novato no assunto. Venho acompanhando essas questões com certa profundidade há muitos anos.

Houve duas grandes conferências em Roma sobre biotecnologia organizadas pela Igreja Católica e patrocinadas, em parte, pela Monsanto. A primeira, em 2004, foi na Pontifícia Universidade Gregoriana, e a segunda, organizada pela Pontifícia Academia das Ciências, foi em 2008. Nenhum dos casos envolveu a política ou o ensino oficial da Igreja. Após a segunda conferência, que foi completamente parcial, a publicação que se seguiu foi identificada como produto dos participantes, não da Academia. No entanto, tais nuances foram perdidas entre o público, que não faz distinção de quem fala para quem na Santa Sé.

A Monsanto promoveu as reuniões como se tivesse o endosso do Vaticano sobre biotecnologia. Tenha em mente que a Monsanto gastou milhões de dólares, proclamando-se nas rádios, na televisão, em cartazes e anúncios, como sendo um exemplo de agricultura sustentável.

Turkson deveria aproveitar esta oportunidade para falar a verdade sobre a Monsanto, bem como sobre a mudança climática, a fome no mundo e a nutrição. A empresa acabou com muitos de seus concorrentes nos mercados de sementes, portanto, análises sobre capitalismo feitos pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz teriam uma relevância particular e merecem ser aplicados nesta instância.

Como um líder da África e do Sínodo da África, Turkson bem saberá o que os agricultores africanos preferem, em termos de tecnologia agrícola. Estou em contato constante e frequente com pequenos agricultores e suas organizações da África, e eles falam claramente sobre o que querem – e não é biotecnologia.

Infelizmente, o governo dos Estados Unidos fala como se concordasse com a Monsanto sobre esta questão. Quando me encontrei com representantes dos Estados Unidos em Roma, eles tenderam a defender a biotecnologia.

Quando a Avaliação Internacional do Conhecimento, da Ciência e da Tecnologia Agrícola para o Desenvolvimento (IAASTD) foi publicada, em 2008, clamava pelo uso da agroecologia, e não preconizava a biotecnologia. A Monsanto e a Syngenta retiraram seu apoio, bem como os Estados Unidos. Esse relatório saiu depois de 400 participantes, alguns anos de estudo e US$12 milhões em despesas. Isso resultou na afirmação de que não é mais possível fazer negócios como antigamente, e chamou a atenção para uma mudança nas práticas da agricultura.

Turkson deve chamar a atenção para o fato de que as condições políticas e econômicas, e não a ciência ou os benefícios agrícolas, permeiam os planos da Monsanto. Esta é uma empresa que passou décadas processando os agricultores e gastou milhões na luta contra a transparência na rotulagem. Turkson deve reprisar o forte apoio da Igreja ao direito ao alimento, o direito à água e o direito às sementes.

Outro fator é o impacto que tem o produto promovido pela Monsanto, sua semente, sobre o meio ambiente. Ao mesmo tempo que a força da semente cria resistência contra as pragas ou ervas daninhas, ela também danifica o solo e soma ao impacto tóxico que tem sobre o meio ambiente.

O problema com a produção agrícola hoje como defendida pelos EUA e pela Monsanto é seu foco no cultivo de alimentos para animais e de biocombustíveis, que não alimentam pessoas. Eles usam a necessidade de alimentar 9 bilhões de pessoas como desculpa para produzir mais grãos para o gado e para os biocombustíveis. Na época em que o Papa Francisco era arcebispo de Buenos Aires, defensores das fazendas encontraram-se com ele para explicar como a biotecnologia tinha arruinado e mudado a agricultura na Argentina, tornando-a uma monocultura de milho ou soja em enormes fazendas, mudando, assim, a tradição das fazendas de famílias.

Recentemente, um grupo argentino chamado Grupo de Reflexión Rural compartilhou comigo uma carta escrita ao Papa pedindo que Turkson reconhecesse a devastação causada pela biotecnologia na Argentina e no mundo. “Nos últimos anos, disseminamos o conceito de Ecoteologia através de reuniões ecumênicas e da Internet, para incentivar os católicos a recuperar seus valores de cuidar da criação e a buscar inspiração espiritual na natureza e no meio ambiente”, disse o grupo na carta.

Como outros, os argentinos reconhecem o papel importante de Turkson ao falar no Borlaug Dialogue, onde a Monsanto será homenageada, e gostariam de compartilhar algo que falou ao L’Osservatore Romano, no dia 5 de janeiro de 2011: Agricultores africanos não teriam necessidade alguma de sementes geneticamente modificadas se tivessem acesso a terras aráveis, que “não estivessem destruídas, devastadas ou envenenadas pelo armazenamento de resíduos tóxicos”. Forçar os agricultores a comprar sementes patenteadas reproduz “o habitual jogo de dependência econômica,” que, de alguma forma, é “uma nova forma de escravidão”, disse Turkson. Esta declaração reflete com precisão o ponto de vista da sociedade civil e de milhões de pequenos agricultores.

Uma nova forma de colonialismo está sendo espalhada ao redor do mundo e a Monsanto é uma de suas portadoras principal. Não estou apenas fazendo menção a uma resistência ludita às novas tecnologias; eu vi essas novas tecnologias em ação por tempo suficiente para avisar Turkson para que não transmitisse a mensagem errada em Des Moines. Ele precisa ser claro e direto ao falar a verdade ao poder.

David Andrews é representante sênior da Food & Water Watch em Washington – D.C.

Tradução por Ana Carolina Azevedo.

Reproduzido no Brasil pela página Unisinos.

Foto: Cumbre Social

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