É um equívoco dividir os partidos de direita em “civilizados” e “não civilizados”, ou dizer que uma parte da direita é democrática e a outra não é. Essa divisão pode servir apenas para a demagogia eleitoral, mas ela não faz sentido na disputa política real no Brasil. A tal da burguesia “civilizada” não só apoia toda a destruição do Brasil que Bolsonaro vem promovendo, como defende ainda mais profundamente do que o atual governo, a destruição das condições de vida da população brasileira.
Um exemplo disso: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32/2020, que trata da reforma administrativa, foi aprovada na última quinta-feira (23) na comissão especial da Câmara dos Deputados. Praticamente todos os partidos da direita tradicional, votaram juntamente com a extrema direita, pela aprovação da PEC, ou seja, contra a população brasileira. O objetivo indisfarçável da PEC é destruir os serviços públicos: vai causar perda de autonomia por parte dos estados e municípios, irá restringir ainda mais o acesso dos cidadãos ao serviço público, e abre possibilidades de ampla terceirização, com tudo que isso representa. Trabalhadores de estatais, da mesma forma, serão prejudicados pelo projeto.
A redução da estabilidade, o fim da irredutibilidade salarial, a retirada de direitos, e a ampliação da precarização pelo uso de contratos temporários e entidades privadas para prestar serviços públicos, são objetivos evidentes do Projeto. É difícil saber com precisão, mas há estimativas de que a reforma administrativa vai impactar, de saída, quase 2 milhões de servidores públicos federais, reduzindo seus salários e direitos.
A maioria do povo, ocupado com a própria sobrevivência, quando vê as notícias relativas à Reforma Administrativa, nem compreende direito o que está acontecendo. Mesmo porque, governo e grande mídia, estão mais preocupados em esconder do que revelar os verdadeiros objetivos da PEC. Um aspecto é muito evidente: o significado maior desse ataque contra o funcionalismo é o de ser um ataque dos golpistas de 2016, contra todo o povo trabalhador. Não se trata de uma medida corporativa, nem uma investida apenas contra um segmento dos trabalhadores. É um ataque daqueles que tomaram o poder à força em 2016, e que fraudaram as eleições de 2018, contra o povo brasileiro, para destruir os serviços públicos tal como hoje os conhecemos.
Os servidores públicos terão boa parte de suas rendas confiscadas, num momento em que a classe trabalhadora sofre o processo mais dramático de empobrecimento da história. Uma parte dos servidores são razoavelmente bem pagos, especialmente os federais. No entanto, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), metade dos funcionários públicos brasileiros ganhava em 2018 até 3 salários mínimos, R$ 3 mil, enquanto apenas 3% ganhavam acima de 20 salários mínimos, R$ 20 mil. A PEC não foi feita para corrigir distorção nenhuma e sim destruir os serviços públicos. Por isso que aqueles que recebem salários acima do teto constitucional, permanecem ilesos: procuradores, promotores, juízes, deputados, senadores, consultores legislativos e militares estão fora da PEC nº 32.
Sem uma grande reação dos trabalhadores, haverá um gigantesco confisco de salários, que irá empobrecer muito os servidores públicos. Como mostra o IPEA, 50% ganha até três salários mínimos, que mal dá para sustentar uma família. O arrocho salarial desse setor de classe média, tende a pressionar a escala salarial para baixo e a miséria vai aumentar ainda na última camada da pirâmide social.
A reforma administrativa, após destruir o rendimento do funcionalismo público federal, deverá baixar suas medidas para os outros níveis dos trabalhadores públicos, nos estados e municípios. Para uma grande parte deste funcionalismo, a luta pela sobrevivência é parecida com a dos trabalhadores do setor privado, ou seja, o rendimento médio auferido mal cobre as despesas regulares da família. Os trabalhadores dos setores públicos e privados não tem conseguido repor nem mesmo a inflação em suas datas base. E a elevação inflacionária atual não é qualquer uma, ela é forte e concentrada em alimentos, o que compromete diretamente a renda da maioria da população. Os preços dos produtos básicos estão aumentando num momento em que a classe trabalhadora brasileira atravessa o seu pior ciclo de empobrecimento da história.
Democracia e miséria são que nem água e óleo: não se misturam. Para os crescentes segmentos da população que estão passando fome, a palavra democracia é completamente destituída de significado, é um conceito vazio. Portanto não existe a possibilidade de determinado partido, ao mesmo tempo votar a favor do conjunto de políticas que estão levando o país à destruição e o povo para a fome, e ser democrático.
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José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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