Contradições judiciais e da mídia exigem debate sobre liberdade de expressão

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No momento em que se debate em todo o mundo a liberdade de expressão, dois acontecimentos observados nos últimos dias no Brasil chamaram a atenção para questões como censura e condenação a jornalistas e despertaram uma discussão maior sobre a necessidade de democratização da mídia e da liberdade de expressão.

Um dos fatos foi a condenação imposta ao jornalista Luis Nassif. A Justiça do Rio de Janeiro determina que ele pague indenização ao diretor de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel. O outro, a chegada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), também esta semana, de recurso dos proprietários do blog Falha de S. Paulo. Desde 2010 o blog está impedido de funcionar devido a decisão judicial impetrada pelo jornal Folha de São Paulo.

No caso da decisão favorável a Kamel, Nassif foi condenado a pagar uma indenização de R$ 50 mil porque, conforme o entendimento da juíza Larissa Schueler, os textos do responsável pelo portal GGN teriam “extrapolado o direito à informação, utilizando termos que certamente denigrem a imagem da parte autora”. O diretor da TV Globo o processou por danos morais por ter escrito, entre outras coisas, que Kamel “engana seu público, faz armações e deturpa fatos”.

Em relação ao blog Falha de S.Paulo, espaço na blogosfera que fazia sátira ao jornal Folha de S.Paulo, os trabalhos foram retirados do ar pela Justiça em 2010, apenas 17 dias após o início do funcionamento do blog. O argumento utilizado foi de que o leitor da Folha poderia confundir o blog com o jornal, além de considerar que teria havido uso indevido da marca. O caso foi julgado em 1ª e 2ª instâncias em São Paulo, e agora, é alvo de agravo interposto pelos donos do site ao Superior Tribunal de Justiça, ainda sem previsão de data para o julgamento.

‘Processo inédito’

Na avaliação do jornalista Lino Bocchini, criador do Falha de S.Paulo, juntamente com o programador e designer Mário Bocchini, seu irmão, trata-se de um processo inédito no Brasil. “É a primeira vez que uma grande empresa de comunicação, com seu poder econômico, consegue censurar um outro veículo que a critica. Sendo assim, o que for decidido em Brasília balizará casos futuros”, alerta.

O mesmo pensam os advogados Luis Borreli e Eduardo Loureiro, autores do agravo impetrado ao tribunal pelos dois irmãos. “O conteúdo da decisão extrapola os limites subjetivos da causa, podendo atingir outros órgãos de imprensa, humoristas e artistas que utilizem a paródia como meio de crítica. A ameaça ao direito fundamental da liberdade de expressão é notória”, destacaram, no texto interposto ao STJ.

O blog Desculpem a Nossa Falha, que mantém informações a respeito do processo, assinala que nesta última sexta-feira (16/01), o Falha de S.Paulo está há “quatro anos, três meses e 18 dias sob censura” e ilustra uma contradição que marca tanto a conduta do Justiça quando do próprio jornal em relação a seu entendimento sobre humor e liberdade de expressão. E destaca uma frase da advogada Taís Gasparian, que defende o Grupo Folha em processo movido pela atriz Juliana Paes contra o colunista do jornal José Simão: “Tratar o humor como ilícito, no fim das contas, é o mesmo que censura”.

Os casos chamam a atenção de pessoas que defendem que Brasil aprofunde o debate sobre a democratização da mídia. Os “ofendidos” são representantes de dois grandes veículos de imprensa – Organizações Globo e Grupo Folha –, que vivem fazendo reportagens e editoriais contrários à regulação da mídia como o argumento de que seria um risco à liberdade de expressão.

Chamam a atenção, ainda, as várias posições divergentes observadas no Poder Judiciário, que tem julgado de forma desigual assuntos correlacionados, conforme acusaram parlamentares e jornalistas.

Ao escrever sobre o caso “Kamel x Nassif”, o jornalista Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, critica da postura parcial do Judiciário em relação ao tema. “Da Justiça se espera ao menos uma coisa: que seja coerente nas decisões. É a única forma que os cidadãos têm de medir eventuais consequências jurídicas de suas ações”, afirma.

Nogueira se refere ao fato de, recentemente, o jornalista Augusto Nunes, da revista Veja, pertencente ao Grupo Abril, ter sido réu em uma ação ajuizada pelo senador Fernando Collor (PTB-AL) por tê-lo chamado de “farsante, escorraçado da Presidência”.

Collor perdeu a ação porque a juíza que relatou o processo, Andrea Ferraz, considerou que “em um Estado democrático, um jornalista tem o direito de exercer a crítica, ainda que de forma contundente”. Posição completamente diferente da observada em relação à que favoreceu Ali Kamel.

“Regular a mídia é, também, estabelecer parâmetros objetivos para críticas e acusações feitas por jornalistas. Quando você tem sentenças tão opostas, é porque reinam o caos e a subjetividade. A única coisa que une o desfecho dos dois casos é que jornalistas de grandes empresas de mídia se deram muito bem. Isso é bom para eles e as empresas nas quais trabalham. Para a sociedade, é uma lástima”, acentua Nogueira.

Defensora da democratização da mídia, a deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), também observa desequilíbrio em relação a esses casos.

‘Muito mais grave’

“Vejo precedente muito mais grave do que a proibição de um blog em si, porque pode permitir que grandes grupos econômicos passem a pedir a censura de críticas recebidas na internet também. Considero importante não tratar o tema apenas como censura a um blog, mas clamar para que os outros grupos de comunicação digam se o seu peso vale mais. Censura é censura a qualquer um. E liberdade de expressão e de sátira precisa valer para qualquer um da mesma forma”, afirma.

O deputado Ivan Valente (Psol-SP) disse considerar o caso da censura aos irmãos Bocchinni “de reprimenda e repressão da liberdade de imprensa”. Valente enfatizou que a discussão sobre a democratização da mídia precisa abordar a situação dos meios de comunicação em todas as suas esferas, pública e privada.

“Existe uma liberdade de imprensa neste país que precisa ser aprofundada, descrita, esclarecida e descortinada. Uma coisa é liberdade de imprensa e outra é a estrutura das empresas. A estrutura de imprensa que temos no Brasil é ruim para a democracia”, defende.

Dificuldades no Congresso

A deputada Jandira Feghali, autora de um projeto referente à regionalização da produção jornalística, cultural e artística de rádio, lembrou a importância de se começar a insistir na defesa do tema. O projeto de Jandira tramita desde 1991 no Congresso e ainda não chegou ao final.

“É um assunto difícil de ser tratado no Parlamento porque traz a possibilidade de gerar consciência política e protagonismo social, interferindo nos interesses daqueles que de fato exercitam o poder no Brasil. No Congresso, há muitos detentores de meios de comunicação, como deputados e senadores”, diz. De acordo com a deputada, assim como a reforma política é urgente, também a do marco regulatório da comunicação torna-se imprescindível na legislatura que se inicia em fevereiro.

A questão foi abordada esta semana, ainda, pela jornalista Renata Mielli, integrante do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação. Em entrevista à Rádio Câmara, Renata acusa o Congresso Nacional de, ao longo dos últimos 25 anos, ter se omitido de regulamentar artigos da Constituição que tratam da comunicação.

“É explícita na Constituição a necessidade de haver regras para o setor, principalmente, um setor que explora a concessão pública. Portanto, esse processo também precisa ser público e transparente, com participação social”, disse. Ela lembra, inclusive, que existe uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), apresentada pelo jurista Fábio Konder Comparato, acusando o Congresso de tal omissão.

Foto: Reprodução/SUL 21

Fonte: SUL 21

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