Cientistas brasileiros buscam vacina contra coronavírus

Em laboratório da USP, pesquisadores recorrem a método pouco usual para desenvolver vacina contra o Sars-Cov-2. Apesar dos esforços, dificilmente haverá algo disponível ao público em menos de um ano, prevê virologista.

Imagem de Willfried Wende por Pixabay.

Desde que começou a explodir o número de casos de covid-19, a busca por uma vacina eficaz contra o novo coronavírus se tornou uma espécie de Santo Graal para cientistas de laboratórios de várias partes do mundo. Desenvolver uma vacina contra um vírus até então desconhecido, no caso o Sars-Cov-2, envolve muitas pesquisas – e o caminho para que o produto seja disponibilizado para o público é longo.

No Brasil, também há cientistas e laboratórios tentando compreender o funcionamento do vírus e desenvolver uma vacina eficiente. É o caso do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Conforme explicou à DW Brasil o médico Jorge Elias Kalil, coordenador do projeto da USP, o diferencial da ideia brasileira é o método.

“Enquanto os estudos mais avançados da Alemanha e dos Estados Unidos são baseados em vacinas de ácido nucleico, ou seja, você injeta no organismo do indivíduo o RNA e essa codificação que está nele vai produzir uma proteína que fará o indivíduo produzir anticorpos, estamos trabalhando numa técnica chamada VLP”, explica.

Ou seja, o “uso de partículas semelhantes a vírus” – a sigla, em inglês, significa “virus-like particles”. “É um simulacro do vírus, uma forma segura e não infecciosa”, ressalta Kalil, um dos seis pesquisadores que trabalham no projeto.

Kalil explica que, depois de desenvolvida a vacina, o que mais demora são os testes. “É um processo muito longo. Depois de testar em roedores, normalmente a gente precisa testar em primatas e, se tudo der certo, aí tem de ver como fazer isso de forma que seja industrializável. Tudo precisa de tempo”, afirma.

“Esses ensaios clínicos servem para saber quantas doses são necessárias, qual seria o intervalo entre as doses, qual o conteúdo proteico em cada dose, o melhor adjuvante e se há efeito colaterais”, complementa o médico infectologista Celso Granato, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Se todo esse processo for bem-sucedido, então o projeto chegará ao teste com humanos – geralmente em um grupo pequeno, de 20 a 100 indivíduos. “No que a gente chama de fase 1, o objetivo é mostrar que a vacina não causa nenhum problema”, explica Kalil. “Na fase 2, testamos a resposta imunológica em diferentes doses, o que demora de três a seis meses.”

A terceira e última fase é a aplicação em grandes grupos – comparando os resultados com o placebo. “Como se trata de uma urgência mundial, [no caso do novo coronavírus] a vacina pode ser liberada [nesta fase]”, comenta ele. No Brasil, de acordo com as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o pedido de registro de um novo produto só pode ser feito após a conclusão das três fases.

Kalil enfatiza, contudo, que ao longo de todo esse processo é preciso pensar na capacidade de produção “em larga escala da vacina, ou criando novas fábricas ou adaptando as que já existem”. “Tudo isso vai levar mais de um ano”, diz ele. “Por isso eu digo: na atual epidemia, a vacina não vai ser a solução. Estamos testando para o futuro.”

Vacina em tempo recorde?

Especialistas ouvidos pela Deutsche Welle alertam: mesmo que eles estejam em busca da vacina, na atual crise tudo o que devemos fazer é seguir as recomendações para evitar a propagação. Lavar sempre muito bem as mãos e evitar sair de casa sem necessidade.

Isto porque há uma série de protocolos a ser seguidos. E mesmo que seja descoberta uma vacina eficiente hoje, esta só estaria disponível à população geral daqui a meses – no mais otimista dos cenários.

“Estamos vivenciando alterações em padrões de tempo. Antigamente, eram 15 anos até uma vacina nova chegar ao mercado. Hoje alguns institutos falam em um ano, um ano e meio, que é um tempo recorde”, diz o o virologista Flávio Guimarães da Fonseca, pesquisador do Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“A conceitualização da vacina não é tão difícil, mas vem a fase de testes, em animais e em humanos, e tem todo um protocolo básico a ser seguido – que não pode ser feito em menos de um ano. Minha expectativa é [que a vacina esteja disponível no] final do ano que vem ou início de 2022”, prevê.

O Sars-Cov-2 tem um aspecto que, segundo os pesquisadores, torna mais fácil o desenvolvimento da vacina: é um vírus considerado “fácil”.

“Nós, virologistas, temos discutido isso. Claro que toda vacina tem suas dificuldades, mas esta não parece que vai ser uma tecnicamente difícil”, comenta Fonseca. “O vírus tem uma taxa de mutação considerável, mas não é hipermutante, como o HIV. E mesmo que ele sofra mutações, como no caso do vírus da gripe, é possível coordenar alterações sazonais para que ela siga eficiente.”

Corrida internacional

Vêm sendo notícia nos últimos dias as tentativas de desenvolver uma vacina mundo afora. “Existe um consórcio anglo-australiano que já vinha trabalhando em uma  vacina contra o vírus da Sars e que recebeu um forte empurrão com a chegada do novo coronavírus”, exemplifica Granato. “Até onde eu sei, eles já estavam bem adiantados há um mês e estimavam que dentro de mais dois meses terão um protótipo para ser colocado em ensaio clínico.”

As pesquisas australianas estão se destacando. Nesta terça, a revista científica Nature Medicine publicou um estudo desenvolvido pelo Instituto Peter Doherty de Infecção e Imunidade em Melbourne que mostra como o sistema imunológico combate o novo coronavírus. Em janeiro, o instituto já havia ganhado os holofotes por ser o primeiro laboratório fora da China a recriar o vírus. Os estudos ali desenvolvidos podem conter a chave para o desenvolvimento de uma vacina eficiente.

Na Alemanha, os estudos mais avançados são da empresa CureVac, que trabalha na fabricação da vacina em colaboração com o Instituto Paul Ehrlich, vinculado ao Ministério da Saúde da Alemanha. Eles estimam desenvolver a versão experimental do produto até o meio do ano.

O Instituto de Pesquisas da Galileia (Migal), de Israel, trabalha numa versão oral de vacina. Os cientistas declararam à imprensa israelense que os estudos já estão bastante avançados e os testes devem ser iniciados dentro de dois meses.

Nesta segunda-feira (16/03), autoridades de saúde dos Estados Unidos anunciaram o primeiro teste em humanos de uma vacina contra o novo coronavírus. O produto vem sendo desenvolvido pela empresa Moderna, em parceria com o Instituto Nacional de Saúde americano (NIH). O método empregado é o baseado no RNA. Mas esta primeira bateria de testes, da qual devem participar 45 adultos voluntários saudáveis, entre 18 e 55 anos de idade, serve apenas para verificar se a vacina apresenta ou não efeitos colaterais.

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