Caso de mortes não esclarecidas de jovens da favela São Remo vai parar na ONU

Montagem fotos SÃO REMO

Por Gilmar Júnior. 

Seis de setembro de 2014, o dia em que quatro famílias choraram juntas a morte de quatro jovens negros moradores da favela São Remo, próxima à USP (Universidade de São Paulo). Welinson (16), Jonas (17) , Luan (18) e Paulo (21). Segundo a polícia, o caso se tratava de uma perseguição a um carro roubado que iniciou sua suposta fuga no Rio Pequeno e seguiu por 10 km até chegar ao município de Cotia, onde a versão policial indica que os ocupantes da frente do carro – Paulo e Luan – dispararam contra os oficias, que revidaram matando os quatro. No dia seguinte, os familiares receberam as fotos dos corpos dos entes alvejados e duvidaram da versão da PM. A Defensoria Pública de São Paulo, também acredita que o caso merece mais explicações e, por isso, enviou um apelo à ONU (Organização das Nações Unidas) para que esse e outros casos semelhantes que ocorrem diariamente nas periferias sejam melhor esclarecidos.

O documento pede também a intervenção internacional para que as autoridades brasileiras tomem medidas preventivas contra execuções perpetradas por policiais e relatem seus achados ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. O texto é endereçado a Christof Heyns, Relator Especial do órgão sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, e assinado pelos Defensores Públicos Samuel Friedman, Coordenador da Regional Infância e Juventude; Letícia Marquez Avelar, Fernanda Penteado Balera e Rafael Lessa Vieira de Sá Menezes, Coordenador do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos.
Balera explica que episódios como o da São Remo são recorrentes nas periferias de São Paulo, mas que na maioria das vezes os confrontos de informações só apresentam duas vertentes: versão da família x posicionamento da polícia. Entretanto, as fotos dos corpos denunciam um novo elemento para a discussão:

“Entendemos desde o começo que esse caso é emblemático. As imagens apontam que a história da polícia não aconteceu. O número de tiros que os jovens tomaram e as fotos deixam claro que foi uma execução”, diz Fernanda Balera.

A intenção da Defensoria é que o apelo provoque pressão internacional e faça com que as investigações sejam mais imparciais em assuntos que envolvam violência policial. Balera conta que a Defensoria segue acompanhado o caso em todas as instâncias junto à Polícia Civil e Corregedoria ainda mais de perto. O documento enviado à ONU afirma que foi aberto, pela PM, um procedimento interno segundo o qual três dos policiais envolvidos haviam aparecido várias vezes em procedimentos anteriores sobre mortes de civis.

O destino das balas

De acordo com a nova medida, os quatro jovens receberam ao todo 30 tiros. Várias cápsulas de balas vazias foram encontradas perto das viaturas da PM, mas só duas perto da traseira do carro das vítimas, em posição inconsistente com a versão oficial do tiroteio. O jovem Luan Miguel da Silva foi o mais alvejado. Segundo Alan da Silva, responsável pelo reconhecimento do corpo do irmão no IML (Instituto Médico Legal), o garoto foi alvo de 13 tiros, contando com o “colar de balas” que envolviam o seu pescoço e as outras perfurações no abdômen, conforme mostram as fotos vazadas nas redes sociais. No dia do velório, o filho mais velho de uma família de sete irmãos, relata que uma das irmãs notou que o corpo de Luan continha escoriações que ainda não tinham sido vistas: ferimentos no peito feitos com algum objeto cortante, dedo anelar de uma das mãos dividido ao meio e dentes inferiores da boca quebrados ou ausentes.

Segundo Silva, muitas dúvidas ainda não foram esclarecidas, como por exemplo, a autoria das fotos:

“Tiraram fotos do meu irmão de dentro do IML. Eu vi. Impossível que não seja a polícia que tenha feito isso, porque lá não pode tirar foto. E outra, nas imagens dos meninos mortos no carro, mexeram em muita coisa. Numa foto o Paulinho estava no banco de trás do carro, em outra, na frente. Esse carro eu nunca vi, nem antes e nem depois da morte do meu irmão. Não deixaram que eu ou minha mãe víssemos o carro e nem pegar o celular do Luan que está apreendido até hoje, talvez tenha mais informações lá, mas não nos deixam pegar.”

Os defensores públicos apontam ainda outras inconsistências, como o grande número de marcas de tiro no parabrisas do carro onde supostamente os jovens estavam, o que torna contraditória a versão de que eles teriam saído do carro para trocar tiros com os policiais. Também é questionado o elevado número de marcas de tiro em áreas vitais do corpo das vítimas, a ausência de ferimentos nos policiais e de danos às viaturas.

Aviso prévio

No dia em a morte do filho mais velho completava quatro anos, Teresa Alves Pinheiros recebeu a notícia de que Paulinho, outro filho, havia morrido. Paulo Alves da Silva tinha 21 anos, era pai – assim como Luan, que deixou um filho de um ano – e segundo a mãe, era constantemente abordado pela polícia, que costumeiramente o comunicava de sua “sorte”. “Meu filho me contava que todas às vezes que ele era enquadrado os policiais diziam que ele tinha sorte porque ou ele estava acompanhado ou tinha gente vendo. Na sexta-feira antes dele morrer, um carro de polícia passou por ele e fez um gesto, como se fosse o ameaçando”, diz a operadora de máquina que viu o número de filhos reduzir de cinco para três.

Já Silva afirma que após a morte do irmão notou carros suspeitos circularem na rua onde mora. Ele diz que logo após o ocorrido com Luan, a irmã saía de casa quando uma viatura da polícia passou pela menina, deu ré, olhou para o rosto dela e depois foi embora. “Depois desse acontecimento, deu uma parada nisso, mas agora que o caso está voltando… Vai saber, né?”, comenta.

Outro lado

Procurada pela reportagem da Ponte na sexta-feira (14/11), a assessoria de imprensa da Polícia Militar de São Paulo não respondeu ao pedido de posicionamento até a publicação desta matéria.

Os questionamentos se deram sobre as supostas rondas da PM na região como forma de intimidação aos moradores; posicionamento sobre as fotos dos jovens mortos e o “colar de balas” no pescoço de um dos mortos; as fotos que foram parar nas redes sociais endereçadas aos familiares dos jovens, já que os policiais da operação são apontados como os responsáveis pela divulgação; e se a polícia havia encontrado algum erro na investigação do caso até o momento.

Fonte: Geledés

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