Foi selado na manhã desta quinta-feira (4), no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em Belo Horizonte, o acordo entre a mineradora Vale S.A., governo de Minas Gerais e instituições da Justiça, de reparação pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, ocorrida em janeiro de 2019, enquanto do lado de fora as pessoas atingidas pelo crime manifestavam-se contra a negociação. O acordo teve o valor final de R$ 37,6 bilhões.
Segundo o governador Romeu Zema (NOVO), dá-se assim por encerrada o débito que a mineradora tem com o Estado de Minas Gerais, pelos prejuízos sociais e econômicos do rompimento, exceto se um novo prejuízo venha a aparecer, como problemas de saúde ainda não identificados.
O governo mineiro tem comemorado o acordo como inédito – “o maior conjunto de medidas de reparação da América Latina” – pela sua complexidade e pelo seu valor. O documento foi celebrado pela Vale, Estado de Minas Gerais, Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais e os Ministérios Públicos Federal e Estadual.
Ausência de atingidos marcou todo o processo
Porém, os atingidos, que protestaram inúmeras vezes à porta do Tribunal de Justiça em Belo Horizonte, asseguram que o acordo não leva as suas necessidades em consideração, visto que eles foram excluídos como parte na negociação. Esse é o principal motivo pelo qual o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) pretende questionar o acordo no Supremo Tribunal Federal.
“Foi um bom acordo para o governo do Estado e um péssimo acordo para os atingidos. Fica claro que o Estado alcançou seu objetivo, de conseguir quase R$ 27 bilhões, em troca de apenas R$ 9 bilhões aos atingidos. Isso descontando o pagamento emergencial já feito durante esses dois anos, o que é um absurdo”, declara Joceli Andrioli, da direção do MAB.
Foi um bom acordo para o governo do Estado e um péssimo acordo para os atingidos
“Isso mostra claramente que foi impedida a participação dos atingidos porque eles foram prejudicados com esse tipo de negociação. O acordo viola os direitos da população atingida”, diz Joceli. O MAB afirma que estudará a melhor forma de recorrer ao Supremo pedindo a nulidade do acordo.
O bispo dom Vicente, que integra o Grupo de Trabalho sobre mineração da CNBB e é bispo auxiliar da Arquidiocese de BH, divulgou um vídeo lamentando o pacto. “Causa muita indignação ver tanta gente comemorando como um acordo histórico, bilionário. Nós que acompanhamos as comunidades atingidas vemos os testemunhos das comunidades de que os atingidos e atingidas não participaram desse acordo”, indigna-se.
O mesmo é referendado pela assessoria técnica Aedas, que relata que as comissões de atingidos só ficaram sabendo da existência do acordo em outubro de 2020, e solicitaram o apoio das assessorias técnicas para compreender o processo e reivindicar a participação. Segundo a assessoria, até hoje (04) os atingidos não puderam acessar os documentos da negociação.
26 prefeituras devem receber R$ 4,7 bilhões em projetos
“A pressa em fechar um acordo, com a alegação de iniciar a reparação, sem que a dimensão dos danos seja medida, pode também prejudicar que a justiça seja feita”, avalia a advogada Ísis Táboas, coordenadora institucional da Aedas na região de Brumadinho. “Além disso, existem dispositivos jurídicos que também podem acelerar a reparação, o acordo não era o único caminho”.
Onde serão gastos os R$ 37 bilhões
Outro forte questionamento se refere a projetos apresentados pelo governo de Minas Gerais para o uso de R$ 9 bilhões em obras e melhorias que não possuem relação direta com Brumadinho ou a Bacia do Paraopeba.
Cerca de R$ 5 bilhões serão destinados à mobilidade, como a construção do Rodoanel e melhorias no metrô em Belo Horizonte, assim como a recuperação de estradas e pontes, em local não identificado. Outros R$ 4,3 bilhões irão para melhorias nos serviços públicos na área da saúde, combate à dengue, atendimento hospitalar em hospitais de Belo Horizonte, e modernização dos Bombeiros, Defesa Civil e Polícias.
Acordo não deve influenciar na tramitação das ações individuais e das ações criminais na Justiça
Marcelo Barbosa, integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e morador de Brumadinho, opina que Vale e governo de Minas se beneficiaram da celebração. “Com a entrada de recursos, o governador vai fazer uma série de obras no estado, já pensando no próximo pleito eleitoral. E quem saem prejudicadas são as comunidades atingidas”.
O planejamento das obras será, agora, enviado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais para receber a aprovação ou não dos deputados mineiros.
Demais pontos do acordo
O pagamento do auxílio emergencial aos atingidos deve continuar, incluído no tópico “Transferência de Renda e demanda dos atingidos”, que ficou com R$ 9,17 bilhões. O auxílio como existe hoje será pago por mais três meses, e à frente será elaborado um novo programa, com regras ainda não definidas. Serão descontados desse valor R$ 1,7 bilhão já pago pela Vale em auxílios.
As prefeituras, sendo Brumadinho e outros 25 municípios, devem receber R$ 4,7 bilhões em projetos como reforma de escolas, conclusão de obras de postos de saúde, fortalecimento da rede de atenção psicossocial e incentivo à geração de emprego. Outros R$ 6,5 bilhões devem ser investidos em reparação socioambiental, R$ 2 bilhões em segurança hídrica e R$ 5,9 bilhões em reparações já iniciadas.
O documento apresentado pelo governo de Minas garante que o acordo não irá influenciar na tramitação das ações individuais e das ações criminais na Justiça.