Amazônia: entre a perfumaria e a revolução. Por Elaine Tavares

Se os países amazônicos não levarem em conta o processo de desenvolvimento desigual que impacta as populações, bem como a destruição desigual imposta pelos países ricos, as propostas caem no vazio.

Amazônia: entre a perfumaria e a revolução

Foto: Ricardo Stuckert – Presidência da República

Representantes de governos dos oito países que compartilham a região amazônica se encontraram em Belém do Pará, Brasil, para uma reunião na qual discutiram a questão ambiental e a sistemática destruição da floresta. Encerraram com uma proposta de aliança regional para a proteção do território que nos últimos anos tem sofrido grande devastação por parte de fazendeiros, madeireiros e mineradores. Sempre bom frisar que é no chamado “pulmão do mundo” que se concentram cerca de 10% de toda a biodiversidade do planeta. Na ocasião foi lembrado que desde a criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, há 14 anos, em 1995, os oito países que dela fazem parte se encontraram apenas três vezes e que, agora, mais do que nunca, diante da crise ambiental, é necessária a cooperação.

A reunião chamada pelo presidente Lula se coloca dentro do que já conhecemos como “ações ritualísticas” que, ao fim e ao cabo, não se constitui verdadeiramente numa mudança de rumo na relação com a floresta. Afinal, todos os países estão prisioneiros da lógica capitalista e mais cedo ou mais tarde acabam cedendo aos apelos do lucro. A região amazônica é rica em minerais, terras raras e atualmente vem se convertendo num campo de exploração do lítio, mineral estratégico para a sustentação das novas tecnologias.

Também vale destacar que esta região pode vir a se tornar um espaço de disputa entre as grandes potências justamente por conta destas grandes reservas de lítio. O presidente da Bolívia, Luis Arce, deixou isso bem claro quando lembrou Laura Richardson, a comandante do Comando Sul dos Estados Unidos, que volta e meia fala sobre a Amazônia e sobre a necessidade de sua “proteção das mãos dos russos e chineses”. Enquanto isso, os EUA seguem infiltrando seus agentes por toda a região seja no campo religioso ou das organizações sociais, isso sem contar no campo militar, com os acordos reiteradamente mantidos com os governos.

Como sempre acontece em encontros dessa natureza surgem muitas propostas que a sua vez são como uma espécie de eterno retorno. Cada vez que mudam os governos, voltam as velhas propostas que nunca saíram do papel. Gustavo Petro, da Colômbia, sugeriu a criação de um tribunal para julgar crimes ambientais e a troca de dívidas por ações climáticas. Dina Boluarte, a usurpadora do Peru, apontou a necessidade de frear a mineração ilegal. Praticamente todos os governantes destacaram a necessidade da participação das comunidades indígenas na proteção do território. Esta mesmo é uma proposta que normalmente não encontra amparo na realidade, vide a criação de Belo Monte, entregue durante o governo de Dilma Roussef ou a proposta de uma estrada cortando um Parque Nacional na Bolívia, durante o governo de Evo Morales. Há muito que avançar nesse caminho.

O ponto central do encontro foi a necessidade de união dos países para atuar na proteção da floresta, mas também para questionar o sistema financeiro mundial. Nada se ouviu sobre a questão principal que é a natureza do capitalismo, ou seja, a necessidade de avanço permanente carregando com ele a destruição sistemática. A vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, destacou a necessidade da soberania dos países na relação com as grandes potências. E esse foi um tópico que passou batido.

Apesar de Gustavo Petro ter falado sobre a contradição que há entre a fala de proteção e a exploração petroleira e mineral que segue sendo permitida pelos países envolvidos, ele não deixou claro aquilo que o doutorando em Economia e membro do Iela, Maicon Cláudio da Silva, aponta como fundamental: a discussão sobre a destruição desigual. Os países ricos cobram ações de proteção dos países periféricos, mas são eles mesmos os que promovem a destruição. E o que fazem – muito bem feito – é proteger seus ambientes regionais, deixando para a periferia do mundo o ônus da destruição. Ora, trocar por créditos de carbono ou perdão da dívida, não resolve a situação dos países que se encontram tomados por multinacionais explorando minérios, madeira ou energia, matando espaços e gentes.

Ao falar de soberania, Delcy Rodríguez buscou apontar o exemplo da Venezuela que nacionalizou a PDVSA, hoje estatal do petróleo. Ainda que siga apostando no petróleo, os lucros da empresa se prestam a fomentar o desenvolvimento nacional, quebrando assim a fórmula da destruição desigual. Hoje, no modo de produção capitalista, as grandes empresas vinculadas às grandes potências levam as riquezas e deixam o caos. Simplesmente assim. E é algo que acontece desde a invasão em 1492. A América Latina segue sendo exportadora de matérias primas que se extraem sob o comando da destruição. “Se no contexto do capitalismo os países precisam explorar as riquezas para fomentar o desenvolvimento, haveria que se pensar no uso nacional desses lucros, como fez a Venezuela”, insiste Maicon. Assim sendo, ainda haveria ônus, mas haveria também benesses para a maioria da população e aí sim se poderia pensar em uma política de redução de danos. Agora, querer reduzir danos sem estancar a sangria é conversinha fiada e segue-se alimentando o monstro do capital.

Um exemplo concreto do que poderia ser feito na Amazônia já foi apresentado por Chico Mendes, nos anos 1980, quando da sua proposta de um desenvolvimento endógeno e sustentável com a participação ativa dos povos indígenas, ribeirinhos, trabalhadores. A floresta se presta à exploração racional, mas isso significaria mudar também o modo de produção, afinal, como lembrava Mendes, ecologia sem política é jardinagem.

Vai daí que encontros como esse que aconteceu em Belém e a carta de intenções tirada pelos governantes é, obviamente, algo válido e importante. Mas, se os países amazônicos não levarem em conta o processo de desenvolvimento desigual que impacta as populações, bem como a destruição desigual imposta pelos países ricos, as propostas caem no vazio. As mudanças climáticas afetarão a toda gente, com certeza, mas não de desigual também. Os ricos sempre encontram formas de garantir conforto, enquanto os empobrecidos pelo sistema são engolidos.

O modo capitalista de produção é o ponto central. Avançar para outra forma de organizar a vida é a chave. Revolução. O demais é perfumaria.

Elaine Tavares é jornalista do IELA/UFSC, fundadora da revista Pobres & Nojentas e radialista na Rádio Comunitária Campeche.

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