Agrotóxicos ou pesticidas?

Trocaram o nome de agrotóxico para pesticida. Tentaram dourar a pílula venenosa, mas se esqueceram que o sufixo cida ou cídio vem do Latim caedere, que quer dizer “matar, imolar, derrubar”

Avião lança agrotóxicos sobre plantação em Riachão das Neves. Esta região é conhecida como “Anel da Soja”, e reúne diversas fazendas, processadoras e centros de distribuição de soja e corta os municípios de Luís Eduardo Magalhães, Riachão das Neves, Formosa do Rio Preto e Barreiras, no Cerrado do oeste baiano. Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace

E a besta do apocalipse continua solta por estas bandas. Cada dia surge uma novidade assustadora, parida da mente fértil (ou seria fertilizada?) desse “pralamento” brasileiro. Já se pariu de tudo um pouco, sempre algo para lamentar. Só um exemplo catastrófico para o povo brasileiro – as Emendas do Relator – já é suficiente para sentirmos um frio na espinha, daqueles frios gélidos que alguém deve sentir pela morte iminente.

Eis que agora, mais uma cria dessa apocalíptica onagra que campeia pelos arredores do Planalto Central – o PL 6299/02, cunhado pelos ambientalistas como o “PL do Veneno” foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Pelos exemplos oferecidos, não é difícil perceber que ela está trabalhando contra a vida do povo brasileiro. Aqui e ali, emitem um som quase agradável, certamente para amaciar as nossas costas para, em seguida, receber a próxima pancada.

“Premiaram” o Brasil com uma mudança de “peso”; trocaram o nome de agrotóxico para pesticida. Tentaram dourar a pílula venenosa, edulcoraram os herbicidas, os fungicidas e os inseticidas, mas se esqueceram que o sufixo cida ou cídio vem do Latim caedere, que quer dizer “matar, imolar, derrubar”.

Na sanha despudorada de ludibriar o povo brasileiro com esses deslizamentos semânticos, não conseguem enganar nem mesmo a eles próprios, pois o relator, um contabilista, defende que essa lei garantirá alimentos seguros para o povo. Certamente a única segurança dele deve ser o salário que recebe no final do mês, extraído de nosso bolso, o seu muito bem fertilizado salário. E ainda tem a desfaçatez de afirmar que ele gostaria que o País só consumisse alimentos orgânicos, mas que o mercado para isso ainda era muito pequeno. “Se fosse só alimento orgânico, seria melhor, mas ele é só 1% do mercado”. Deputado, faça um grande favor, comece dosando a presença de veneno no sangue de seus familiares todos os meses. Daqui a um ano, compare os resultados. Ou será que o senhor só come alimentos orgânicos? E o resto dos brasileiros, podem se envenenar, como a Câmara dos Deputados deseja?

Para piorar, o que já é péssimo no pré-parto desse monstrengo, prevalece a ameaça de intoxicação que irá se perenizar daqui para frente, ao transferir para o Ministério da Agricultura a prerrogativa de dar a palavra final, mesmo se a Anvisa (um dos poucos órgãos que se salva atualmente), o Ministério da Saúde (atualmente de doença) e o Ministério do que resta do Ambiente decidirem o contrário.

Há, também, uma pérola engastada nessa espada de Dâmocles, no caso de pesticidas cancerígenos, seu uso será permitido até o limite de tolerância estipulado pela Anvisa. Será que esses deputados terão coragem de se alimentar de produtos pulverizados com esses venenos? Será que lá no interior de Mato Grosso haverá um laboratório para analisar periodicamente o sangue de quem trabalha com isso, ou se fará uma investigação por amostragem em quem consome tais pratos envenenados?

Se, no caso da pandemia, onde o coronavírus campeou solto, livre e incentivado pelo governo, não houve testagem na dimensão que a epidemiologia preconiza, com cobrança do mundo inteiro, alguém acredita que isso acontecerá no caso dos agrotóxicos?

Ainda mais em um governo que não sustenta de pé o que acabou de afirmar sentado? Isso me faz lembra da Velhinha de Taubaté, personagem de Luis Fernando Veríssimo, que era a única pessoa no Brasil que acreditava no que o Presidente Figueiredo dizia. Precisamos ressuscitar essa agradável figura. Certamente, hoje, nem ela acreditaria.

A Câmara dos Deputados, especialmente o seu presidente, deveria se informar como é a morte de uma pessoa intoxicada por herbicida. Terrível, é a palavra mais próxima do adequado, uma morte lenta, uma asfixia lenta e gradativa por incapacidade de o pulmão proceder a hematose, a troca de gás carbônico por oxigênio.

Para esses senhores engravatados, a única coisa que interessa é garantir votos para a próxima eleição. Utilizam uma palavra prismática, pragmatismo, que reflete cores de muitos matizes, serve ao uso de quaisquer circunstâncias e atende a todos os desideratos. Dizem que, em política, há que ser pragmático, o que quer dizer a mesma coisa que ouvi de muitos políticos – a única coisa errada em política é perder eleição. Isso é verdade, porque o restante todo já foi perdido, o caráter, a dignidade, a vergonha e o pudor. Penso que é esse pragmatismo indecoroso que tomou posse no Congresso Nacional, como “encosto” na linguagem de um espiritualismo canhestro.

Evidente que existem parlamentares comprometidos com o bem estar do povo. Mas são raros, próximos do mico-leão-dourado, precisam ser cuidados, incentivados, alimentados com sugestões e apoios. Penso que são quase massacrados pelas tropelias da massa amorfa que tem argola no nariz para serem facilmente conduzidos, como os bois de cangalha de antigamente. A diferença é que a argola de agora é feita de ouro, cravejada de diamantes e acondiçoada em caixas de algum banco qualquer.

A Câmara dos Deputados conspira contra o povo ao aprovar a disseminação desenfreada de venenos na agricultura, mesmo tendo um órgão de respeito em pesquisas agropecuárias, como a Embrapa. Mas esta não é ouvida, sequer consultada. As idiossincrasias são germinadas a partir de interesses escatológicos de maus empresários rurais. Os bons existem, mas ainda são esquecidos pelos criadores de projetos de lei carimbados.

Que tristeza, Brasil! Seus filhos, os brasileiros, massacrados pela Covid 19, ainda não se recuperaram de tantas mortes, de tantos sofrimentos, de tantas desventuras. A começar pelas dúvidas com as vacinas, dúvidas plantadas adredemente para atender aos desígnios presidenciais e de seus bonecos de ventríloquo, que repetem ad nauseam as maldades lançadas pelas áspides do governo.

Talvez a palavra mais sentida atualmente pelas pessoas que sonham com uma Pátria não armada, bem amada, seja indignação. É o que estou sentindo agora, aliás, já há algum tempo, desde que as aves agourentas pousaram no Planalto Central.

A Caixa de Pandora continua aberta. Resta lá no fundo o último elemento ali colocado por Zeus, a esperança. É o que resta, além das próximas eleições, claro!

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