Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
O município de Porto Seguro precisa deixar de ser vendido pela indústria do turismo como um pacote-objeto a ser consumido, pois este imaginário se entrelaça com semióticas político-econômicas coloniais devastadoras que não dialogam com os pressupostos e diretrizes para o desenvolvimento sustentável necessário para o século XXI.
O turismo pode e deve ser visto como oportunidade de negócio sustentável não somente em Porto Seguro como em toda a região, mas, para que isso aconteça, outras mentalidades econômicas e culturais organizacionais deverão ser construídas, tanto na vertente pública quanto privada.
Já que mencionei o turismo como negócio sustentável, vejamos como isso é viável e, para tanto, para fundamentar a discussão e abrir espaços dialógicos de análise e reflexão, recorro a Catharina Cavalcante de Macedo, em material produzido para o SEBRAE-Brasília, para entender que negócios sustentáveis fazem parte de um novo modelo empresarial, em que produtos e serviços buscam a incorporação, de forma integrada, dos aspectos sociais, econômicos e ambientais, além de estratégias que ultrapassem a mera tecnologia, abrangendo todo o ciclo de vida do produto da matéria prima à eliminação.
Os/as agentes empresariais e políticos/as na cidade e em todo o município que lucram com o turismo não podem mais se arvorar em modelos insustentáveis, ao contrário, devem desconstrui-los, pois estes alimentam tentáculos que, direta e/ou indiretamente, potencializam problemas como especulação imobiliária e, com ela, a degradação de espaços naturais com a retirada de cobertura vegetal e, consequentemente, redesenho da paisagem. Ademais, cabe destacar que, a cada ano, a cultura do condomínio, a ampliação dos complexos turísticos com a rede hoteleira, a construção de barracas para lazer na orla, muitas vezes, em desarmonia com o meio ambiente, contribuem para a perda de biodiversidade e enfraquecimento das possibilidades de uso dos espaços naturais para a prática do turismo.
A indústria do turismo, com o apoio público local, há anos vende o paraíso sem se preocupar com o amanhã, com o desenvolvimento pleno do município. Essa imagética, sem dúvida, atrai não somente turistas, mas, também, outros brasileiros de diversas cidades da região e de outros pontos do país, na esperança da fatia do paraíso, o que contribui para o inchaço populacional, crescimento desordenado, processos de gentrificação por parte da elite do atraso, egoísta, isolada em seus casulos e ilhas de fantasia com muros ou trânsito controlado pelos espaços que, visivelmente, são de exclusão, e tudo isso faz parte de uma rede que desencadeia injustiças sociais e violências em larga escala espacial e longo alcance temporal.
Ano após ano, o fluxo turístico e populacional aumenta e, consequentemente, crescem as pegadas ecológicas das atividades turísticas na cidade. Nessa linha, além dos problemas já levantados, chamo a atenção para o fato de que o crescimento urbanístico a partir dos muitos condomínios em construção na cidade tem alcançado áreas próximas a aldeias e reservas indígenas, e isso acarreta prejuízos que, na conjuntura em que estamos imersos, a partir dos processos alienantes da semântica equivocada de progresso como crescimento da cidade, não são percebidos por muitos/as, em um primeiro momento, mas que, nem por isso, deixam de ser reais e latentes.
A urbanização tem se dado de forma rápida, fator que impressiona, dado que os licenciamentos ambientais, quando exigidos, demandam tempo, mas, em decorrência da velocidade com que a cidade cresce, parece que eles se dão na mesma rapidez com que a mancha urbana se alarga. Essa rapidez ocorre devido à eficiência, competência e comprometimento dos órgãos ambientais? Essa é uma pergunta que toda a sociedade deveria se fazer em busca das respostas para os problemas que estão em gestação há décadas, em especial, na conjuntura vigente.
Diante do exposto, vale salientar que é chegada a hora da mudança e nós como atores/atrizes sociais críticos/as temos a obrigação de exigir desses/as empresários/as e representantes do poder público municipal outra agenda para o turismo, que leve em consideração a necessidade de uso dos espaços para o desenvolvimento, local e territorial, por meio de eixos integrais que incorporem os três pilares da sustentabilidade: o social, o econômico e o ambiental.
É óbvio que outra forma de turismo no município e região é viável-urgente e ela poderá ser construída baseada na justiça socioambiental e nos valores que norteiam a sustentabilidade, sem a exploração predatória dos espaços, nem dos/as atores/atrizes sociais que veem nas empresas hoteleiras e ou em outros complexos de lazer a oportunidade para crescimento e melhoria de vida, mas que são explorados/as, em sua maioria, com baixos salários e outras desvalorizações profissionais.
Para que outro turismo se estabeleça, os imaginários sobre o município como um paraíso ancorado em visões simplistas coloniais dos séculos anteriores ao XXI precisam ser descosturados/desfeitos para outra racionalidade, outras ações, sustentáveis na base, pois a lógica predatória que alimenta-fomenta as práticas do turismo na cidade inviabilizará a continuidade, nos mesmo moldes de lucro, da atividade na região. Por que digo isso? Porque a visão de paraíso não se sustentará nos imaginários construídos na mídia pela indústria do turismo com as degradações em curso, basta analisar o quadro de estresse ambiental pelo qual passa o município e isso é preocupante, dado que esta atividade é o principal eixo na matriz de produção de geração de emprego e renda para a população local.
Por último, coloco em discussão que, para conceber por que outro turismo é imprescindível, é fundamental um passeio histórico para a visualização de parte dos impactos deixados pelas atividades na cidade e na região. Para isso, sugiro que, de forma ativa, faça uma busca em sites e fontes confiáveis, pincipalmente na mídia independente e em trabalhos científicos publicados sobre o problema, para mapear quais espaços, historicamente, foram e seguem sendo usados para a prática turística, como isso se fez e se faz e, principalmente, o que pode ser feito daqui em diante para que a principal matriz de geração de riquezas se remodele como um negócio sustentável.
Referências
Macedo, Catharina Cavalcante. Oficina empreender com sustentabilidade: como tornar o seu negócio sustentável: manual do participante / Consultora conteudista: Catharina Cavalcante de Macedo, Consultora educacional: Claudete Motta Rossignole. Brasília: SEBRAE, 2015.
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Elissandro Santana é Professor da faculdade Nossa Senhora de Lourdes, mestrando em Conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável, pela ESCAS – IPÊ, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.
A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
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Parabéns! Sempre eloquente e racional! Fantástico!
Rosiane, tentando fazer com que o povo reflita comigo!
Marta, sinto-me inquieto em relação às questões socioambientais na cidade e região e fico feliz que você também esteja nessa linha! Grande abraço!
O Professor Elissandro Santana, sempre nos prestigiando e representando com suas ricas contribuições e observações acerca das questões socias/política/ambientais.
Parabéns progessor.
Gratidão pela preocupação.