A cúpula dos BRICS

Brics 2

 Por Elaine Tavares.

O processo de integração latino-americana que teve profundo levante durante  a ascensão do presidente Hugo Chávez na Venezuela está cada vez mais roto. Todas as ideias de união dos países da Pátria Grande, com a criação da Telesur, para a disseminação da cultura que nos une, até a criação do Banco do Sul, que deveria ser a alternativa dos países para a lógica do FMI, estão em franco declínio. Já não sopram mais ventos revolucionários da parte norte da América do Sul. A Venezuela, sem Chávez, se esfacela, o Equador busca articulações com a comunidade europeia,a Bolívia segue seu caminho em solidão e Cuba tenta sobreviver nas revoltas águas de uma economia que não tem muito por onde avançar. Assim que o núcleo duro das mudanças que incendiaram a América Latina no início do século XX já não está mais acenando com a possibilidade de uma integração própria, abyayálica.

O mundo de hoje está apresentando novas configurações de poder. O bloco formado pela Europa e Estados Unidos (na verdade empresas de capital europeu e estadunidense), um bloco formado em torno do mundo árabe/muçulmano – ainda pequeno, mas bem articulado – e outro capitaneado por Rússia e China, que cresce em força. Dois deles, o primeiro e o terceiro, querem o domínio econômico e o do meio (muçulmanos) busca ampliar o espaço religioso, embora o econômico caminhe em sintonia. Na América Latina pode-se perceber o movimento do bloco sino-russo, com possibilidades concretas de trabalho conjunto.

Nessa semana o presidente russo Vladimir Putin esteve em Cuba onde prometeu perdão de dívidas e apoio para a quebra do bloqueio que os Estados Unidos tem imposto ao país desde há 60 anos. Também esteve na Nicarágua, onde firmou acordos, na Argentina, onde hipotecou possibilidades de alianças estratégicas e agora está no Brasil para a sexta reunião de cúpula dos “famosos” BRICS, países em desenvolvimento que buscam alternativas fora das grandes potência, do qual participam Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Nessa reunião também esteve presente a Argentina, que tem o apoio da China e da Rússia para entrar no novo grupo.

O ponto central do encontro dos BRICS é a criação de um banco de desenvolvimento e um fundo de socorro, com a injeção de mais de 100 bilhões de dólares para investimentos nos países e apoio emergencial, fugindo assim dos tradicionais bancos como o FMI e Banco Mundial, que estão sob o controle do bloco estadunidense/europeu. No discurso, o que os representantes desses países afirmam é que a união de todos num projeto de banco de fomento significa autonomia para atuar com outro modelo de desenvolvimento, que alie crescimento econômico com sustentabilidade e inclusão.

Para o professor de economia e presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos, Nildo Ouriques, essa é uma ideia que não encontra respaldo na realidade. “O que são os Brics? Iniciais de alguns países com pesos distintos e projetos distintos. Na verdade, só existe um país que tem uma estratégia firmada de hegemonia no mundo, que é a China. Só ela tem um projeto de transformação no interior, no estado nacional, e em escala global. Os demais são co-autores de um roteiro que não dominam bem, países que sequer têm um projeto nacional de desenvolvimento”.

Nildo avalia que desde o primeiro mandato do presidente Lula a proposta de uma união latino-americana não foi assumida efetivamente pelo Brasil. Havia um ativismo diplomático pró integração, mas a ideia de um Banco do Sul foi sistematicamente sabotada na prática. O apoio sempre foi retórico, nunca contou com depósito efetivo nem com estrutura. Agora, esse novo banco dos BRICS é praticamente uma oposição aberta ao Banco do Sul. O banco proposto pela Venezuela, com Chávez, ainda que seja uma relação dentro do mundo capitalista e favoreça em primeira instância as multinacionais, tem uma proposta mais generosa de integração. Basta que se observe a ação do Banco do Sul na região do Caribe, único espaço onde esse trabalho já foi provado, com ajuda efetiva aos países, sem regras leoninas. Para Nildo, a aceitação de um banco dos BRICS é a subalternização da integração latino-americana em nome de um projeto que é chinês.

O professor avalia que até agora não se pode ver um projeto claro dos BRICS, não há propostas divergentes das do mundo capitalista. É só um bloco tentando fugir de um determinado centro de poder. O que se percebe é que há um projeto da China ao qual a Rússia se une, e do qual não pode haver grandes ganhos para os demais. Não muda o essencial, que é a manutenção do subdesenvolvimento e da dependência. “O Banco do Sul, que seria uma proposta latino-americana, é uma ideia extraordinária que poderia gerar graus de autonomia em áreas importantes como ciência, tecnologia e cultura. Renunciar a isso é seguir a dependência”.

Há uma certa fabricação de consenso, diz Ouriques, para que a sociedade acredite que essa união será importante para o crescimento econômico do país. O que pode haver, de fato, é a melhoria de algum setor específico, de alguma empresa. Mas, sem a discussão de outro modelo de desenvolvimento não há, no horizonte, nenhuma possibilidade de mudança concreta que signifique vantagens reais para a maioria da população. A promessa de um “crescimento com sustentabilidade e inclusão” não pode ser cumprida dentro do capitalismo porque esse sistema, é, na essência, destruição e exclusão.

A Rússia, por exemplo, que hoje cresce a 7% ao ano, efetivamente mostra um avanço significativo na modernização de sua indústria e no aumento do consumo, com a ascensão de uma classe média com poder aquisitivo. Mas, por outro lado, esse “progresso e modernização” que pode ser visto a olho nu nas grandes cidades, encontra sua outra face no campo, por exemplo, onde os agricultores empobrecem e perdem as terras por não ter condição de produzir em terrenos difíceis que precisariam de muito investimento. Não é sem razão que a população rural decai ano a ano. No último censo, de 2010, era de apenas 26% . Agora, com a volta do capitalismo, os camponeses também retornam ao seu antigo lugar na sociedade russa, considerados como “insignificantes e inúteis”, ainda que sejam os que garantem a comida e a mão de obra que migra para a cidade.

Outro elemento que pode ser considerado como outra face do progresso é a superexploração dos trabalhadores urbanos. A maioria não está regida por leis trabalhistas, tem seus contratos renovados ano a ano, não possui férias remuneradas e vive a mercê da boa vontade do empregador. Assim, se esse for o desenvolvimento que os BRICS chamam de “sustentável e includente” há que se pensar se vale a pena incorporar-se a esse projeto.

O fato é que há uma grande dose de otimismo com a ascensão dos BRICS, uma “fabricação de consenso”, como anuncia Nildo Ouriques. Mas, com uma olhada mais atenta pode-se perceber apenas a tentativa de expansão do capital, que tem como ideologia a possibilidade concreta da fruição. Com a explosão do consumo – ainda que à custa de endividamento – as pessoas podem comprar toda a sorte de parafernálias eletrônicas e outros bens que são produzidos à exaustão para que alguns acumulem lucros. O trabalhador sabe que é explorado, mas se pode consumir, tudo bem. É a incrível capacidade que o sistema capitalista tem de se renovar e se recompor, sempre apresentando novas promessas.

Imagem tomada de: www2.planalto.gov.br

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