O grande capital e a saga do desenvolvimento industrial do Brasil. Por José Álvaro Cardoso

A indústria brasileira, ainda é a indústria mais diversificada da América Latina, apesar de todas as ações para destruí-la, principalmente nas últimas décadas.

 

Imagem: La República.net

Por José Álvaro Cardoso.

A revista Fortune Global publica anualmente a listagem das 500
empresas mais lucrativas do mundo, informações que sempre nos
impressionam. Segundo os dados que a revista publicou em 2022, que traz as
maiores empresas do mundo pelo critério de faturamento, durante o ano fiscal
de 2021, a China continental (incluindo Hong Kong), possui o maior número de
empresas na lista, 136. Quando inclui Taiwan (Grande China), o número
alcança 145. Em segundo lugar vem os EUA com 124; Japão em terceiro lugar,
com 47 empresas entre as 500.

Segundo o editorial da Fortune Global os lucros agregados das
empresas listadas atingiram níveis recordes no ano fiscal de 2021, gerando
receitas de 37,8 trilhões de dólares, que equivale a mais de um terço do
Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Os lucros cresceram 19% em relação ao
ano anterior, assinalando a maior taxa de crescimento anual nos 33 anos de
história da revista.

As empresas que compõem a lista de 2022 têm 69,6 milhões de
empregados em todo o mundo e estão sediadas em 229 cidades e 33 países
(são 193 países no total). O Brasil possui apenas 7 empresas no ranking das
quinhentas maiores: Petrobras (28ª posição), Banco do Brasil (125ª), Itaú
Unibanco (138ª), Banco Bradesco (203ª), Vale (218ª), JBS (251ª) e Ultrapar
Holding (430ª), sendo a primeira delas a Petrobras, que é a maior empresa
brasileira há muitos anos. Considerando as condições raras do Brasil (PIB
expressivo, recursos naturais abundantes, população grande e território
imenso), o baixíssimo número de companhias entre as quinhentas maiores,
revela o domínio internacional do imperialismo e a hegemonia econômica dos
países que têm projeto de desenvolvimento.

Os dados são também um indicador importante das razões pela quais o
imperialismo norte-americano, que há algumas décadas dominava a
mencionada lista, está travando uma luta de vida ou morte contra os países
que compõem o BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul). A
começar pela Rússia, fustigada pelos norte-americanos com uma guerra por procuração, na qual os ucranianos são usados como verdadeira bucha de
canhão.

Mostra também o peso fundamental que tem o petróleo na economia
internacional e porque a Petrobrás foi um dos principais alvos do golpe de
2016. Já apontamos aqui, em outros artigos que a renda petrolífera no Brasil,
não está ao serviço da população, mas serve aos interesses dos
especuladores e outros espertalhões, detentores de capital. O país é o 10º
produtor do mundo, o maior da América Latina, acima da Venezuela e do
México. Como se sabe, o petróleo é “ouro negro”, pois não tem substituto a
curto prazo como matéria-prima e fonte de energia. Mas a parte do leão da
renda petroleira fica com as multinacionais privadas, os bancos, que financiam
o negócio e querem a maior margem de juros possível. Se apropriam também
da renda petroleira as empresas estatais estrangeiras, que visam preservar a
segurança energética de seus países. Preferem inclusive transportar o óleo
bruto para refinar em seus países, agregando valor e gerando emprego
qualificado na riquíssima cadeia do petróleo. E a renda petrolífera é apropriada
também pelos especuladores da bolsa, seja aqui, seja em Nova Iorque.

A análise da lista da Fortune é sempre muito instrutiva e desfaz ilusões
acerca de como funciona o mundo das grandes transnacionais que dominam a
economia, seja através dos mecanismos de mercado, comandado pelos
grandes monopólios, seja através dos mecanismos políticos, como participação
e financiamento de candidatos nos países onde atuam, de participação em
golpes de Estado etc. Claro, e pelo mecanismo das guerras, especialidade dos
EUA, cujo orçamento militar é superior aos 10 países que vem em seguida no
ranking dos maiores orçamentos militares do planeta. O fato é que o poder
inigualável dessas corporações que centralizam a economia, é uma das
principais expressões da dominação imperialista mundial, que foi forjada,
literalmente, à ferro e fogo.

Apesar do processo de desindustrialização que vive o Brasil desde
meados da década de 1980, o país é ainda o mais industrializado da América
Latina. Além de inúmeros casos semelhantes no Brasil e em outros países
subdesenvolvidos, é propositalmente desconhecido da maioria dos brasileiros o
da empresa brasileira ENGESA (Engenheiros Especializados S/A), criada em 1958 por José Luiz Whitaker Ribeiro. Já relatei esse caso em outro artigo. Em
1958, a ENGESA (Engenheiros Especializados S/A) foi criada, produzindo
inicialmente componentes para a exploração de petróleo, para a Petrobrás. No
começo dos anos 1970, estavam em desenvolvimento no Parque Regional de
Moto-mecanização, da 2ª Região Militar, os blindados S/R Cascavel e Urutu.
Convidada pelos militares para participar do empreendimento, em 1974, a
empresa começou a vender para a Líbia o blindado Cascavel, equipado com
canhão de 90 milímetros. A empresa vendeu esse equipamento para 18
países, do Oriente Médio, África, América do Sul e Mediterrâneo.

Nos anos de 1980, a empresa desenvolveu um projeto de carro de
combate, o Osório, armado de canhão de 120 milímetros. O projeto era
brasileiro, mas absorvia os melhores componentes existentes no mercado
mundial, visto que esse tipo de produto requer alta tecnologia, de forma a
poder competir com os concorrentes mais modernos, que se localizam em
alguns poucos países do mundo. Naquela época, quando a indústria tinha
ainda um maior peso no PIB brasileiro, a taxa de importação era comum nos
armamentos brasileiros, em função da alta tecnologia necessária. A ENGESA
teve que fazer uma verdadeira peregrinação para localizar os detentores das
melhores tecnologias, inclusive pelas retaliações sofridas. Por exemplo, a
empresa G.L.S., subsidiária da Krauss-Maffei, convenceu outras empresas
fornecedoras a não colaborar com o projeto do Osório.

Em 1985, a Arábia Saudita, interessada na compra, chamou Alemanha,
Brasil, EUA, França, Grã-Bretanha e Rússia a levarem seus carros de combate
para demonstração in loco. A ENGESA participou com o carro Osório. Em
1987, a Arábia Saudita chamou para uma segunda avaliação, os carros de
combate que tinham ido melhor na primeira: o Abrams norte-americano, o AMX
40 francês, o Challenger britânico e o Osório brasileiro. Tudo indica que a
ENGESA venceu a disputa, tanto que assinou com o governo da Arábia
Saudita um pré-contrato no valor de US$ 2,2 bilhões, para a fabricação de 316
carros de combate.

Nessa altura dos acontecimentos, entrou em campo a mão pesada da
maior força da terra que impediu a continuação do negócio. O Departamento
de Estado e o Departamento de Defesa norte-americanos movimentaram suas forças, forçando o governo da Arábia Saudita a comprar o Abrams, apesar da
preferência desse governo pelo Osório. Não se sabe que “argumentos” os
norte-americanos utilizaram com os sauditas, mas o negócio com a ENGESA
foi cancelado.

A empresa brasileira, que havia contraído empréstimos para direcionar seus
esforços no sentido da construção do carro, pediu concordata em 1990.
Depois de muitas tentativas frustradas de saneamento da empresa, num
período no qual o Brasil já tinha ingressado na onda neoliberal, decretou-se a
falência da empresa em 1995. Todo o material do acervo tecnológico da
ENGESA foi transferido para a fábrica de Piquete (em São Paulo), com
exceção dos projetos do Osório, que curiosamente, não foram encontrados em
lugar nenhum. Em 2005 a fábrica de São José dos Campos foi vendida para a
EMBRAER. Por falta de projeto nacional de desenvolvimento o Brasil perdeu
uma companhia fundamental para o país obter autonomia em muitos itens de
emprego militar, fundamentais inclusive para a própria soberania territorial do
país. Até hoje não se sabe o destino do acervo tecnológico que estava na
fábrica. Incluindo os projetos do carro de combate, Osório.

A indústria brasileira, ainda é a indústria mais diversificada da América
Latina, apesar de todas as ações para destruí-la, principalmente nas últimas
décadas. A Petrobrás é expressão disso. Se o Brasil tivesse independência
política dos países imperialistas, seria um dos mais industrializados do mundo.
A industrialização do país, no período 1930/1980, é uma história grandiosa no
processo de edificação da nação brasileira. O problema é fundamentalmente
político. Se o país tivesse uma política econômica soberana, com projeto
nacional de desenvolvimento, teria aqui muitas empresas de primeira linha,
com capacidade de disputar mercados mundiais. O problema central para o
país se desenvolver é romper com as amarras neocoloniais.

 

José Álvaro de Lima Cardoso é economista, coordenador do DIEESE/SC e colunista no Portal Desacato.

 

 

 

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