Empresa estadunidense oferece pela internet turismo ilegal em Terra Indígena na Amazônia

Rio Mapuera, no Pará, onde, segundo o MPF, seriam desenvolvidas atividades ilegais. Foto: Ixamna Mapuera

Por Cristiane Prizibisczki.

A empresa estadunidense Acute Angling é alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF) por atividade ilegal de turismo e pesca esportiva na porção paraense do Território Indígena Wayamu. Seus parceiros brasileiros se tornaram réus em ação já instaurada pelo órgão. Segundo o MPF, as atividades ofertadas pela empresa não contaram com consulta prévia aos indígenas e não possuem autorização da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). A multa mínima pedida é de R$ 3 milhões.

Auto-intitulada “Proprietário/Operador das viagens mais produtivas do Brasil”, a Acute Angling oferece em seu site sete diferentes pacotes de viagens para a Amazônia. A atividade central das viagens é a pesca esportiva, mas, nos pacotes, também estão incluídas visitas a aldeias indígenas e incursões exploratórias.

Segundo o MPF, um desses pacotes, chamado “Viagem de Pesca Exploratória de Múltiplas Espécies”, inclui atividades no Rio Mapuera, na Terra Indígena Nhanmundá-Mapuera, além de visitas ao que dizem ser uma “reserva indígena exclusiva”. O Ministério Público também denuncia a construção de estruturas ilegais dentro da TI, como uma pousada de pesca esportiva.

O Território Indígena Wayamu é formado por ao menos três Terras Indígenas: Nhamundá-Mapuera, Trombetas-Mapuera e Kaxuyana-Tunayana, além de outras ainda não reconhecidas. As TIs são contíguas e configuram uma grande área no noroeste do Pará – onde está sua maior porção –, norte do Amazonas e leste de Roraima.

“Por mais vasta que seja a Amazônia, restam pouquíssimos lugares como este…intocados, desabitados, não pescados”, diz a propaganda do pacote de viagens alvo da ação.

Mais adiante, ao descrever o rio – que a empresa chamou de Rio Bateria, apesar de este ser o nome de uma das aldeias no Rio Mapuera – o site diz: “lançamos linha [de pesca] apenas em uma pequena parte dessas águas e temos muito a aprender. Mas uma coisa nós já sabemos…Há uma abundância incrível de peixes aqui e eles são estúpidos…eles nunca viram uma isca”.

O valor do pacote chega a R$ 36 mil por pessoa (U$ 6.995,00). Ao analisar os pacotes vendidos pela internet, o MPF constatou que o faturamento total para somente a temporada de pesca que iria de outubro de 2022 a janeiro de 2023 seria de R$ 3,6 milhões.

Mapa: Plano de Gestão Territorial e Ambiental do Território Wayamu

A ação do MPF tem como réus os parceiros brasileiros da Acute Angling: Wellington Araújo Melo e Ronaldo Gumiero. Eles são sócios na empresa Amazon Peacock Bass Pesca Esportiva LDTA, sediada no Brasil. Melo também tem uma micro empresa cujo nome fantasia é Acute Angling.

A ((o))eco, Wellington Melo negou qualquer ilegalidade nas operações realizadas pela Acute Angling. Segundo ele, tanto a empresa americana quanto as suas empresas no Brasil, responsáveis por executar os pacotes de viagens, seguem as normas previstas na FUNAI e IBAMA.

“Qualquer atitude da empresa Acute Angling é baseada e fundamentada em fatos legais. É uma empresa séria, que já há 27 está no mercado de trabalho, é conhecedora de todas as regras, sofreu muito no passado por problemas dessa questão indígena por não ter uma normativa na qual a gente seguisse, mas hoje em dia nós somos conhecedores da Normativa 03 da FUNAI, de 2015, a qual contempla a legalidade no turismo de Terras Indígenas […] A empresa tem toda a estrutura inicial, do protocolo, do Plano de Visitação da Normativa 03, protocolada na FUNAI, a empresa não tem nada irregular, mas estamos abertos a qualquer investigação”, disse, em entrevista por telefone.

A normativa que Melo cita é a Instrução Normativa da Funai IN 003/2015, que autoriza a realização da prática de turismo em terras indígenas, desde que de acordo com as regras estabelecidas pela FUNAI e com autorização do Ibama, a depender de estudos de impacto ambiental.

A norma, no entanto, diz que as atividades só podem ser requeridas e realizadas pelas próprias comunidades indígenas, no chamado “turismo de base comunitária”, no qual toda renda é revertida para os moradores.

A Acute Angling nos Estados Unidos é comandada por Paul Reiss e Garry Reiss, cujos nomes estão indicados como contatos no site da empresa. Segundo um vídeo promocional publicado há cerca de três meses, a empresa já opera na Amazônia há cerca de 25 anos, sempre oferecendo pacotes de pesca esportiva. O vídeo é intitulado “A Grande Aventura na Amazônia 2022”.

Apesar de os donos da empresa americana não serem citados no processo do MPF, ((o))eco também tentou contato, via e-mail e telefone, com Paul Reiss, mas até o momento não obteve retorno. O espaço segue em aberto.

“Os réus invadiram o território indígena, instalaram e funcionaram pousada de pesca esportiva sem consulta prévia, livre e informada aos indígenas do Rio Mapuera; não obtiveram autorização válida da Funai para a atividade turística na Terra Indígena Nhamundá-Mapuera; e tampouco detêm licenciamento ambiental do Ibama”, resume a ação judicial.

De acordo com o MPF, as atividades prejudicam a proteção de todos os territórios, pelo trânsito sem controle de pessoas de fora e provoca conflitos entre as comunidades. Além disso, o órgão destaca um agravante: na região há registro de grupos indígenas isolados, que correm risco de vida com a presença irregular e descontrolada de turistas.

“Lideranças compradas”

Para viabilizar as atividades, a Acute Angling e seus parceiros são acusados de cooptar lideranças indígenas da região, pagando a eles valores irrisórios, que iam de R$ 1 mil a R$ 5 mil, diz o MPF. Ao descobrirem quanto os empresários estavam faturando com as atividades irregulares, os próprios indígenas denunciaram a situação ao órgão.

“Estão sendo ofertados o total de 12 expedições exploratórias/pacotes no período de 2022 e 2023. Cada pacote conta com 8 pescadores pagando U$ 6.995,00 por pessoa”, diz a ação do MPF.

A cooptação de indígenas desrespeita o direito de consulta prévia, livre e informada previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os protocolos de consulta que os moradores do Território Wayamu elaboraram após anos de discussões. O protocolo foi publicado em 2021.

Segundo Wellington Melo, a acusação é inverídica. “A empresa é usada como modelo para o turismo de pesca esportiva porque não existe na Amazônia nem no Brasil nenhuma outra que consegue captar turistas na quantidade e consegue remunerar a questão dos indígenas melhor do que a gente, não só nas Terras Indígenas, mas para todos os parceiros […] A gente trabalha de uma forma legal e nosso intuito é realmente o de praticar um turismo de qualidade, seguro e que toda sociedade, inclusive a sociedade indígena, seja beneficiada de forma justa”, disse.

Parceiros brasileiros e reincidência

Segundo o MPF, Wellington Melo é reincidente na prática de invadir terras indígenas sem autorização. De acordo com investigações do órgão, ele teria sido anteriormente expulso de aldeias indígenas na região do Alto Rio Negro, no Amazonas, onde também explorava o turismo sem consulta aos povos, sem autorização da Funai ou do Ibama.

Por esse motivo, um dos pedidos urgentes da ação judicial é para que a Justiça proíba o acusado de entrar na terra Nhamundá-Mapuera ou qualquer outra área do território Wayamu sem autorização da Funai e das lideranças indígenas.

A ação também pede indenização mínima de R$ 3 milhões e que a empresa e seus parceiros sejam obrigados a paralisar as atividades irregulares, cancelar qualquer expedição prevista para os próximos meses e sejam proibidos de realizar qualquer atividade turística irregular dentro do Território Indigena Wayamu, na região dos rios Cachorro, Trombetas, Nhamundá e Mapuera, no noroeste do Pará.

Segundo apurou ((o))eco, a ação foi protocolada na última segunda-feira (19) e os réus brasileiros ainda não foram notificados.

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