“No Brasil, existe um plano de extermínio de povos indígenas livres ou isolados”, denuncia Cimi ao Fórum Permanente da ONU sobre questões indígenas

Gilderlan Rodrigues, da Equipe de Apoio à Povos Livres do Cimi, deu voz às denúncias durante a 21ª sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas para as Questões Indígenas

Foto: Guilherme Gnipper

Por Adi Spezia, Assessoria de Comunicação do CIMI.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) torna aos espaços das organizações das nações Unidas para denunciar o extermínio programado dos povos indígenas livres ou em isolamento voluntário no Brasil. Gilderlan Rodrigues, da Equipe de Apoio à Povos Livres (Eapil) da entidade, denunciou existir “um plano de extermínio de povos indígenas livres ou isolados”, em declaração escrita entregue a 21ª sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas para as Questões Indígenas (UNPFII 21), nesta quinta-feira, 28 de abril. O evento está sendo realizado de 25 de abril a 6 de maio deste ano.

O desmatamento, os incêndios, as invasões de terras indígenas e das Unidades de Conservação aumentaram de forma assustadora e impune na Amazônia, em sua grande maioria, incentivadas pela ação e omissão do Governo Federal, que tem como objetivo favorecer a exploração predatória dos bens naturais da região.

“Existe um plano de extermínio de povos indígenas livres ou isolados”

21ª sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas para as Questões Indígenas (UNPFII). Foto: Flávio Vicente Machado/Cimi.

“Este é o pior cenário possível para a sobrevivência de povos indígenas livres ou isolados”, destacou o representante do Cimi, comparando a situação de grave ameaça ao período da ditadura militar, quando muitos povos foram exterminados ou sofreram uma redução drástica de sua população, reforça.

Leia mais: Ataque aos povos Guarani e Kaingang em Santa Catarina 

No entendimento do Cimi, a política anti-indígena adotada pelo atual Governo Federal significa uma sentença de morte para esses povos, pois estão à mercê dos invasores de suas terras e ameaçados pela disseminação de doenças, principalmente no contexto da pandemia de Covid-19.

De acordo com os dados levantados pelo Cimi sobre a violência praticada contra os povos indígenas em 2019, um total de 24 terras indígenas onde há registros da presença de 48 povos isolados foram invadidas, seja por madeireiros, garimpeiros, caçadores, pescadores ou grileiros. E as terras com a presença desses povos isolados, mas que não há demarcação administrativa e medida de proteção, não são consideradas aqui, revela Gilderlan.

“Este é o pior cenário possível para a sobrevivência de povos indígenas livres ou isolados”

Gilderlan Rodrigues, com delegação indígena em evento na ONU, em 2019. Foto: Arquivo Pessoal

O Cimi tem dados sobre a existência de 116 povos indígenas isolados no Brasil, a Fundação Nacional do Índio (Funai) confirma a existência de apenas 28 povos livres ou em isolamento voluntário.

Na oportunidade, o representante do Cimi listou situações bastante complexas, ao Fórum Permanente da ONU, que mostram a existência de um plano de genocídio contra essas populações.

A mineração ilegal atinge regiões habitadas por indígenas isolados nas terras indígenas Yanomami e Vale do Javari. “No caso da terra indígena Yanomami, a organização Hutukara da Associação Yanomami publicou recentemente o Relatório “Yanomami sob Ataque”, que traz informações sensíveis, precisas e dramáticas sobre o impacto do garimpo neste território, onde existem grupos isolados”, destacou Gilderlan.

“Em 2021, o garimpo ilegal na TI Yanomami avançou 46% em comparação com 2020, segundo relatório Yanomami Sob Ataque”

Segundo o relatório “Yanomami Sob Ataque: Garimpo Ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo”, o número de comunidades afetadas diretamente pelo garimpo ilegal, no território Yanomami soma 273, abrangendo mais de 16 mil pessoas, 56% da população. Em 2021, o garimpo ilegal avançou 46% em comparação com 2020. No ano passado, já havia sido registrado um aumento de 30% em relação ao período anterior. O estudo também denuncia que, de 2016 a 2020, o garimpo na Terra Indígena cresceu 3.350%.

Não diferente, no Vale do Javari, a presença de garimpeiros tem gerado tensões e apreensão à comunidade indígena, inclusive aos povos isolados. A invasão do território ocupado pelo povo Pirititi avançou com a abertura de uma estrada ilegal dentro da terra indígena. “Por outro lado, [houve também] o assassinato de Paulo Paulino Guajajara, do grupo Guardiões da Selva, e a ameaça a outros guardiões dentro da Terra Indígena Araribóia, onde também vivem os povos Tenetehara, Guajajara e Awa Libres”, completa o representante do Cimi.

“O estudo também denuncia que, de 2016 a 2020, o garimpo na Terra Indígena cresceu 3.350%”

Registro da abertura do Fórum Permanente da ONU sobre questões indígenas, em 25 de abril de 2022. Foto: UN DESA/Predrag Vasi?

O caso de Decretos de Restrição de Uso emitidos pelo Governo para os territórios que contam com a presença de grupos isolados, que são prorrogados por períodos de apenas seis meses, também foram levados à ONU. Como caso da Terra Indígena Ituna-Itatá, no Pará, “onde há registros da presença de povos isolados desde a década de 1970 e cujo Decreto só foi expedido por decisão judicial”, denuncia Gilderlan. Que destacou ainda haver outros casos, onde os Decretos de Restrição de Uso sequer foram renovados, como é o caso da Terra Indígena Jacareúba, Katawixi.

Ao conclui a contribuição, diante do grave cenário denunciando pelo Cimi, Gilderlan fez um apelo ao UNFII 21, “para que todos unam forças e exijam que o Estado brasileiro proteja esses territórios, com a expressa proibição de toda e qualquer atividade econômica e ou comercial nesses territórios, bem como a regularização e proteção das terras habitadas por indígenas isolados e seus bens naturais”.

“O Estado brasileiro deve regularizar e proteção as terras habitadas por indígenas isolados e seus bens naturais”

Maloca de povos isolados. Foto: Gleilson Miranda/CGIIRC/Funai

Maloca de povos isolados. Foto: Gleilson Miranda/CGIIRC/Funai

Sobre UNPFII 21

A 21ª sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas para as Questões Indígenas (UNPFII 21), está sendo realizada na sede do órgão em Nova York, Estados Unidos, de 25 de abril a 6 de maio, deste ano. Com o tema “Povos indígenas, negócios, autonomia e os princípios de direitos humanos da devida diligência, incluindo o consentimento livre, prévio e informado”, a sessão de 2022 do Fórum Permanente está aberta à participação presencial e online, com transmissão ao vivo pelos canais oficiais (webtv.un.org).

Lideranças indígenas e organizações indigenistas, entre elas a Aty Guasu Kaiowá e Guarani, a Associação do Povo Karipuna, representante da Organização das Mulheres Indígenas Mura, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Rede Iglesias e Mineria e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) retornam, presencial e por videoconferência, ao Fórum Permanente para política anti-indígena do atual governo brasileiro. 

“O UNPFII 21, tem como tema ‘Povos indígenas, negócios, autonomia e os princípios de direitos humanos da devida diligência, incluindo o consentimento livre, prévio e informado’”

Foto: Evan Schneider/ONU

Foto: Evan Schneider/ONU

Confira a denúncia de Gilderlan Rodrigues na íntegra:

Senhoras e senhores membros do Fórum Permanente das Nações Unidas para Assuntos Indígenas

No Brasil, existe um plano de extermínio de povos indígenas livres ou isolados. Esses grupos estão em situação de grave ameaça, apenas se comparado ao período da ditadura militar, quando muitos povos foram exterminados ou sofreram uma redução drástica de sua população.

O desmatamento, os incêndios, as invasões de terras indígenas e das Unidade de Conservação aumentaram de forma assustadora e impune na Amazônia, incentivadas pela ação e omissão do Governo Federal que tem como objetivo favorecer a exploração predatória dos bens naturais da região. Este é o pior cenário possível para a sobrevivência de povos indígenas livres ou isolados.

A ação sistemática contra os povos indígenas e o fracasso do governo federal em implementar medidas de proteção significam uma sentença de morte para esses povos. Eles estão à mercê do que possa acontecer devido à invasão de suas terras e ameaçados pela disseminação de doenças, principalmente no contexto da pandemia de Covid-19.

De acordo com os dados levantados pelo Cimi sobre a violência praticada contra os povos indígenas em 2019, um total de 24 terras indígenas onde há registros da presença de 48 povos isolados foram invadidas, seja por madeireiros, garimpeiros, caçadores, pescadores ou grileiros. E as terras com a presença desses povos isolados e que não há demarcação administrativa e medida de proteção não são consideradas aqui. O Cimi tem dados sobre a existência de 116 povos indígenas isolados no Brasil. A FUNAI apenas confirma a existência de 28.

Neste momento, queremos destacar aqui algumas das situações mais críticas em que ameaças a povos indígenas isolados mostram a existência de um plano de genocídio contra eles. A mineração ilegal atinge regiões habitadas por indígenas isolados nas terras indígenas Yanomami e Vale do Javari. No caso da terra indígena Yanomami, a organização Hutukara Associação Yanomami publicou recentemente o Relatório “Yanomami sob Ataque”, que traz informações sensíveis, precisas e dramáticas sobre o impacto do garimpo neste território, onde existem grupos isolados. No Vale do Javari, a situação nos últimos dias tem sido muito tensa e a presença dos garimpeiros pode agravar ainda mais a situação das cidades livres. A ocupação ilegal de terras públicas por terceiros no território ocupado pelo isolado povo Pirititi avançou com a abertura de uma estrada ilegal dentro da terra indígena. Por outro lado, o assassinato de Paulo Paulino Guajajara, do grupo Guardiões da Selva, e a ameaça a outros guardiões dentro da terra indígena Araribóia, onde também vivem os povos Tenetehara, Guajajara e Awa Libres.

Outra situação bastante preocupante no momento refere-se aos Decretos de Restrição de Uso emitidos pelo Governo para os territórios que contam com a presença de grupos isolados. Esses Decretos são prorrogados por períodos de apenas seis meses, como é o caso da Terra Indígena Ituna-Itatá, no estado do Pará, onde há registros da presença de povos isolados desde a década de 1970 e cujo Decreto só foi expedido por decisão judicial. Em outros casos, os Decretos de Restrição de Uso sequer foram renovados, como é o caso da Terra Indígena Jacareúba/Katawixi.

Portanto, diante de um cenário tão grave, apelamos a todos que unam forças e exija que o Estado brasileiro proteja esses territórios, com a expressa proibição de toda e qualquer atividade econômica e/ou comercial nesses territórios, bem como a regularização e proteção das terras habitadas por indígenas isolados e seus bens naturais.

Gilderlan Rodrigues

Equipe de Apoio à Povos Livres – EAPIL/CIMI

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