Por Moisés Mendes.
A história dessa mulher, que já foi recontada em todo o mundo, aciona um questionamento histórico e sempre controverso: o esforço pela reconciliação política, depois de desfeito um golpe, como ocorreu agora na Bolívia, deve poupar autores de violências como essa?
Maria Patricia Arce Guzman, a prefeita de Vinto, em Cochabamba, teria o direito de pedir e conceder perdão aos seus algozes?
A Bolívia pode abrir mão de novo da reparação por atos cruéis cometidos pelos que se achavam vitoriosos, depois do golpe que derrubou Evo Morales em novembro do ano passado?
Quem sabe se pode ou não pode são eles. Mas esse é o momento para renovar uma advertência que os bolivianos conhecem bem, pois eles também viveram 18 anos sob ditadura: a euforia pela vitória de Luis Arce para a presidência e de Maria Patricia, agora eleita senadora, não pode levá-los à armadilha do perdão.
Um dos grandes erros das esquerdas, depois de reverterem situações em que foram massacradas, é oferecer a generosidade republicana que a direita nunca oferece.
No dia 6 de novembro do ano passado, quatro dias antes de Morales renunciar para não preso, Maria Patricia foi humilhada e torturada pela turba de milicianos apoiadores do golpe, que passaram a perseguir, torturar e matar, como se fossem donos do país.
Fizeram com que ela andasse pelas ruas com os pés descalços, pintaram seu corpo de vermelho, rasparam seu cabelo e a espancaram. Maria Patricia foi exposta à execração pública. Como a inquisição fazia com as bruxas.
Era uma bruxa comunista, do Movimento ao Socialismo, e havia sido derrotada pelo golpe. Este ano, atacaram de novo e invadiram sua casa. A polícia prendeu toda a família, sob acusação de que ela e os filhos promoviam aglomeração. Patricia ficou encarcerada por dois dias.
Os agressores que a torturaram e a humilharam na rua nunca foram identificados e investigados. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) solicitou proteção à prefeita, mas nem a Justiça e nem o governo do golpe tomaram providências.
Só que agora ela é senadora eleita. Em nome da conciliação, que já começa a contagiar a Bolívia, é possível que a própria direita induza os aliados de Morales a perdoar golpistas e seus cúmplices.
É quase certo que, ainda em meio às comemorações, o Movimento ao Socialismo busque reaproximações em nome da governabilidade. Mas os torturadores de Maria Patricia podem ficar impunes?
Serão perdoados os autores de massacres, como os de Senkata e Sakaba, quando milicianos e soldados do Exército e da polícia militar assassinariam 35 pessoas?
Na Bolívia e no Brasil, os torturadores das ditaduras nunca foram punidos. Deu no que deu. Hoje, aqui eles são elogiados pelo presidente e pelo vice-presidente como heróis nacionais.
Não há conciliação com quem tortura. A Bolívia não precisa correr o risco de constatar mais adiante, e mais uma vez, que a extrema direita nunca se arrepende do que faz, porque está sempre pronta a fazer tudo de novo.
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