É cedo para comemorar avanço anunciado pelo governo na busca por remédio para a Covid-19, dizem pesquisadores

Foto: GETTY Images

Por André Shalders.

Na manhã desta quarta-feira (15/04), o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, anunciou o início dos testes clínicos com um medicamento que teria sido capaz de reduzir em 94% a carga viral do novo coronavírus numa cultura de células in vitro.

Mas, segundo médicos e cientistas ouvidos pela BBC News Brasil, ainda é muito cedo para comemorar: só os testes clínicos permitirão dizer se a substância é de fato eficaz contra a doença.

Segundo Pontes, o ministério fará um teste deste tipo com 500 pacientes infectados pelo vírus SARS-CoV-2, distribuídos por sete hospitais do país (cinco no Rio, um em São Paulo e outro no Distrito Federal).

Os pacientes receberão a droga por cinco dias, e permanecerão outros 9 sob observação médica, totalizando 14 dias de teste. O ministro prometeu resultados “para as próximas semanas”.

Se a droga funcionar, disse ele, um protocolo poderá estar disponível “entre 30 e 45 dias”. O prazo é considerado exíguo pelos pesquisadores ouvidos pela reportagem.

Os pesquisadores não vão revelar o nome do medicamento até que testes clínicos em pacientes com covid-19 comprovem a eficácia – segundo o ministro, a ideia é evitar que aconteça uma corrida pela substância, que já está disponível nas farmácias brasileiras e é usada em outros contextos.

Segundo o ministério, trata-se de uma droga de baixo custo e que tem a vantagem de não possuir efeitos colaterais graves, como a hidroxicloroquina, a outra droga cujo uso está sendo estudado para o tratamento da covid-19.

Os pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil concordam que ainda é muito cedo para comemorar. Mas divergem a respeito do quão promissora é a droga apresentada por Marcos Pontes.

Para a bióloga Natalia Pasternak, o fato de a droga ter eliminado o vírus numa cultura de células não significa “absolutamente nada”.

“Não representa nada, nada mesmo. Esses 94% de eficácia são in vitro. In vitro, ou seja, em cultura de células, em laboratório. Nesse ponto tem um monte de substâncias que funcionam. E que depois, quando você passa para os testes em animais e em humanos, deixam de funcionar”, diz ela, que é pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Instituto Questão de Ciência.

“Normalmente, só 7% dos medicamentos testados é que conseguem chegar no mercado. O restante é descartado no meio do caminho”, diz a pesquisadora.

“A cloroquina também funcionou muito bem in vitro, da mesma forma que esse medicamento que o ministro está anunciando. A cloroquina se mostrou muito promissora in vitro, e matou uns 95% da carga viral. Só que ela não fez isso só com o SARS-CoV-2 (o vírus causador da doença covid-19. In vitro, ela também foi extremamente bem sucedida para outras viroses (no passado), como dengue, zika, HIV, chikungunya, a própria Sars (causada por outro tipo de coronavírus) e o ebola. Para todas essas viroses, a cloroquina funcionou super bem, em células de cultura”, diz a pesquisadora.

“Mas daí, quando foram fazer os testes em animais, não deu certo. Para nenhuma dessas doenças. Inclusive para a Sars. Foi testada em camundongos e não funcionou. Além disso, para você ver como é imprevisível, e como não dá para confiar no resultado in vitro: a cloroquina, quando foi testada em animais para ebola e para chikungunya, ela aumentou a carga viral dos animais”, explica ela.

Outros pesquisadores, que estão envolvidos em pesquisas sobre a covid-19, dizem que a redução da carga viral in vitro é um “indício” de que a droga pode ter uma função contra a doença na vida real.

“O que eu posso te dizer de maneira ampla, mas não ligado à fala dele (Pontes), é que quando você tem um benefício mecanístico, (de redução da) carga viral, é uma sugestão de que pode funcionar. Você precisa sempre ter a confirmação clínica, por meio de desfechos clínicos, mas é um bom indício. Se teve essa redução da carga viral, é um indício promissor”, disse à BBC News Brasil o dr. Álvaro Avezum, diretor do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

“Agora, como o ministro disse, é preciso aguardar o teste clínico. Várias coisas são promissoras, e a gente torce para que muitas delas se consagrem com a eficácia, para a gente reduzir o ônus da covid-19”, disse ele. Avezum ressaltou que estava comentando em tese, pois não assistiu a toda a entrevista de Marcos Pontes.

“A redução da carga viral é um belo de um indício. Mas o teste clínico, a etapa posterior, é que vai confirmar isto. Todo medicamento deve passar por esse teste, antes de declarar a eficácia e a segurança”, disse.

“Quando você coloca essas outras drogas, elas potencialmente são candidatas? Sim. Mas elas terão de passar por estes mesmos testes que a hidroxicloroquina está passando. Então, potencialmente, se a hidroxicloroquina for mesmo eficaz, ela está um passo à frente dessas outras. Todas as outras precisarão passar pelo mesmo caminho”, diz o dr. Roberto Amazonas, que é diretor médico-científico do laboratório farmacêutico EMS.

“Se é uma droga que já existe no mercado, então talvez seja possível pular algumas etapas, acelerando o processo. Mas não é possível evitar o estudo com pacientes portadores de covid, para avaliar a eficácia nessa população”, frisa ele.

‘Garimpo de substâncias’

O anúncio feito por Marcos Pontes no Palácio do Planalto é fruto de uma pesquisa de cientistas do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP).

Segundo Pontes, os pesquisadores chegaram ao medicamento após analisarem mais de 2 mil remédios já em uso no Brasil. Dentro deste conjunto, eles selecionaram seis compostos que tiveram potencial para reduzir a reprodução do vírus causador da covid-19.

Os pesquisadores do centro de pesquisa localizado em Campinas, no interior de São Paulo, usaram técnicas de biologia molecular e estrutural, computação científica, quimioinformática, inteligência artificial e informações da literatura científica para avaliar as moléculas de medicamentos que já são usados para tratar outras doenças.

O próximo passo dos cientistas, depois dos testes clínicos com a droga, é buscar outros medicamentos para compor um coquetel que possa aumentar ainda mais a eficácia do tratamento.

De acordo com os pesquisadores do CNPEM, a cloroquina, recomendada como tratamento já na fase inicial da covid-19 pelo presidente Jair Bolsonaro, foi usada como referência, mas não está entre as drogas testadas.

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