Por Hélène Chauveau, para Desacato. info.
Bonjour!
Eu sou Hélène Chauveau, sou pesquisadora, geógrafa, apaixonada por cultura e meio rural. Também sou francesa e eu fiz meu doutorado alguns anos na UFSC, em Florianópolis, com trabalho de campo no Extremo Oeste, no Planalto Catarinense e no Centro Serra (RS). Por isso eu conheço um pouco e eu me preocupo muito com o Brasil, mesmo morando agora na França.
Hoje eu quero falar de Deus, ou melhor, de como acreditar nele acrescenta à vontade de lutar por um mundo melhor para todos e todas. Isso foi talvez a maior aprendizagem da minha estadia no Brasil (além do fato de que é possível comer o coração das galinhas). Ser cristão não é incompatível com querer mudar o mundo em uma direção mais social e justa. Talvez para você isso pareça uma evidência, mas para mim, francesa criada num ambiente militante anticlerical, foi uma grande descoberta. Para uma francesa da classe média, nascida na década das 1990, num meio rural nada especial, a “norma” era ser ateu.
Eu fui criada assim por pais desconfiando muito das igrejas. A escola nos leva a cultivar a ideia de que não tem raciocínio mais legítimo do das “Luzes” (os filósofos racionais do século XVIII); e finalmente como jovem militante eu tinha feito uma amalgama entre ser crente e não ter opinião própria, ser manipulado na sua visão do mundo. Para mim, ser cristão, ou de qualquer outra religião era uma preguiça do espírito, que pegava férias do trabalho crítico necessário a todo cientista, militante, e todo jovem moderno (especialmente quando mulher).
E então eu cheguei no Brasil. Quando eu falava que era ateia eu não entendia porque as pessoas ficavam chocadas ou até pareciam tristes comigo, ou através de muitos debates tentavam me convencer que religião era necessária. Eu conheci religiões que eu nunca tinha ouvido falar (Kardecismo, por exemplo) e eu fiquei surpresa de ver que alguns jovens, tão parecidos comigo, eram tão crentes. Ainda mais incrível para mim foi quando encontrei a teologia da libertação e como movimentos sociais podem ter raízes ou pelo menos se alimentar de práticas religiosas.
Eu realmente não tinha ideia disso, especialmente porque na França, no meu meio social, as práticas religiosas mais presentes no espaço público, midiático e social são práticas mais conservadoras, opressoras de mulheres e minorias, intolerantes e contra qualquer progresso social e político. Gostei muito de conhecer no Brasil grupos de jovens militantes que retiram energia e vontade de fazer em textos religiosos milenários, jovens que ligam teorias políticas com espiritualidade, e que consideram Jesus como um revolucionário defensor dos povos. Isso não mudou minha própria crença, mas mudou muito minha relação com luta política, com espiritualidade, e com as pessoas religiosas.
Quando voltei na França, o MRJC (Movimento Rural de Juventude Cristão) entrou em contato comigo (um pouco por acaso), e, mesmo que eu desconfiava, eu me lembrei da Pastoral da Juventude Rural (PJR) e aceitei a proposta que eles me fizeram de trabalhar com eles. Com eles, eu conheci o universo do catolicismo social, que ainda existe na França, mesmo que ele tem dificuldade de sobreviver aos ataques das partes mais conservadoras da Igreja num lado, e ao desinteresse dos jovens militantes pelas questões espirituais do outro lado. Eu encontrei padres incríveis, comprometidos com as comunidades, que respeitam os indivíduos, que são poços de conhecimento e gostam muito de debater e refletir com outros.
Esse ambiente me proporcionou conversas raras sobre sentido da vida, senti muita bondade e consideração, como talvez seja raro no ambiente militante. Eu sei que eles não são todos assim, que tem muitos reacionários também e que a Igreja enquanto instituição ainda faz parte, a maior parte do tempo, das forças que ficam do lado dos poderes. Mas hoje eu sei também que é possível encontrar na religião enquanto pensamento, um olhar crítico e que os crentes enquanto cidadãos fazem parte da faixa mais comprometida na sociedade. Para esses, não é possível se dizer cristão se você não se compromete nas lutas sociais cujo objetivo é uma sociedade justa, tolerante e amante. Esses também tem uma energia rara que eles retiram da sua fé, e eles confessam que sem essa fé, eles provavelmente teriam abandonado a luta, porque ela é difícil, desgastante, decepcionante muitas vezes. Aqui que eu comecei a ter ciúmes deles porque é verdade, sem essa fé que eu não tenho, é difícil à luta, é fácil perder coragem.
Talvez você leitor e leitora não tenha nenhum interesse em ler essa história que é de uma tomada de consciência minha, resultado de uma viagem tanto geográfica quanto social. Mas quero te agradecer se você faz parte dessa parte dos religiosos comprometidos. Se você faz parte dos cidadãos que não gostam de religião por questões políticas ou pessoais quero te incentivar a abrir seu pensamento a essa realidade frágil e até ajudar a que ela continue existindo. Porque finalmente, se você faz parte dessa faixa dos crentes que não se mexem ou que se mexem contra o progresso social, por favor, reflita, leia os textos do Papa Francisco, se pergunte o que Jesus teria feito num mundo como o nosso mundo atual.
Enfim, parabéns aos movimentos sociais que ousam se reivindicar do catolicismo social. Estamos construindo para 2020 um projeto de intercâmbio com grupo do MRJC com um grupo da PJR e estamos muito felizes com esse projeto que vai levar em agosto o grupo de jovens felizes e comprometidos que está na foto de capa desse texto. O projeto é trocar experiências sobre agroecologia e sobre gênero no mundo rural, trocar conversas, momentos, pedaços de vida, na esperança de que isso poderá aproximar esses que acreditam em alguma coisa e que usam essa fé para ter a energia de melhorar nosso mundo.
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Hélène Chauveau nasceu em 1989 numa zona rural do oeste da França e foi estudar geografia rural em Lyon. Em 2014 ela initiou um trabalho de pesquisa sobre cultura e juventudes rurais e camponesas no Brasil e na França. Ela defendeu seu doutorado na UFSC e na Université Lumière Lyon 2 em 2017. Desde entao ela continua pesquisando com estudos rurais e tambem trabalha em movimentos de educacao popular franceses.
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