“Política antiambiental” de Bolsonaro ameaça o Fundo Amazônia; entenda

Imagem: Reprodução Pixabay.

Por Lu Sudré.

O maior projeto de cooperação internacional para a preservação da floresta amazônica pode estar com os dias contados. Isso porque Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente do governo de Jair Bolsonaro (PSL), quer alterar regras para o uso de recursos do Fundo Amazônia, mantido com doações dos governos da Noruega e Alemanha. Na contramão dos objetivos da iniciativa, criada em 2008 para financiar projetos de redução do desmatamento, o governo deseja usar a verba para pagar indenizações a proprietários rurais com terras em unidades de conservação. A proposta foi rechaçada pelos governos dos países doadores, o que colocou em xeque a continuidade do Fundo.

Após se reunirem com Salles no início deste mês, os embaixadores europeus admitiram que a descontinuidade do Fundo é uma possibilidade já que discordam de forma veemente das mudanças nas normas de aplicação dos recursos. Diante do impasse, o governo da Alemanha decidiu reter uma remessa de 35 milhões de euros, o equivalente a mais de R$ 151 milhões, para o Fundo Amazônia.

A verba será bloqueada até que o governo deixe claro o que pretende fazer com o programa, que nos últimos dez anos recebeu mais de R$ 3,1 bilhões em doações.  Em comunicado oficial, o governo da Noruega, responsável por 93,3% dos recursos, também demonstrou preocupação com o futuro da iniciativa e com o aumento do desmatamento na região. Dados recentes do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), indicam que o desmatamento na Amazônia em junho deste ano foi 88% maior queno mesmo período de 2018.

“Do ponto de vista da Noruega, o fundo da Amazônia funcionou bem até agora. Seria um revés para fundo, que tem sido uma importante inspiração para outros países de florestas tropicais. Embarcar em uma forma de cooperação com o Brasil que enfraqueça a base da nossa parceria não é uma opção”, disse Ola Elvestuen, ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, em nota enviada à BBC News.

“Não poderíamos endossar soluções que prejudiquem os bons resultados que já alcançamos ou comprometer os princípios da Noruega em relação à ajuda ao desenvolvimento”, frisou Elvestuen, defendendo que as negociações com o governo brasileiro continuem.

O coordenador de políticas públicas do Greenpeace, Márcio Astrini, lamenta que as mudanças propostas pelo ministro Salles possam significar o fim do Fundo. “Ele [o governo] quer retirar dinheiro da proteção ambiental e começar a destinar esse dinheiro pro pagamento de proprietários de terra que são de seu interesse, o que inclui grileiros inclusive. Gente que grilou terra pública e que passaria a ser indenizada agora porque nos critérios do governo eles estão certos”, critica.

Para Astrini, o governo privilegia seus negócios políticos em detrimento da proteção ambiental: “estamos correndo o riscos de perder bilhões porque o governo prefere não ter bilhões do que investir bilhões no meio ambiente. O governo quer tirar o dinheiro da proteção ambiental para pagar os seus, àqueles que ele tem interesse em beneficiar”.

Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Políticas e Direitos Socioambientais do Instituto Socioambiental (ISA), compartilha da mesma opinião.

“Considerando as propostas que o Ministro tem sinalizado, já sabemos que ele gostaria de engajar o setor privado, seja como proponente de projetos, seja como beneficiário, como o anunciado pagamento de indenizações para regularização fundiária de unidades de conservação”, explica.

Ramos destaca que o Fundo Amazônia é, atualmente, a única fonte de recursos financeiros para ações de valorização do uso sustentável da florestal e de controle e fiscalização, bem como para a gestão ambiental como um todo. “O fim da parceria significaria o esvaziamento dessas iniciativas e do combate aos desmatamentos. Considerando que a dinâmica de desmatamento aponta para uma tendência de crescimento, isso significaria perder as condições de enfrentamento desse desafio”, avalia.

Esvaziamento

No primeiro semestre, Ricardo Salles argumentou que seriam necessárias mudanças no funcionamento do Fundo afirmando ter identificado “problemas como concentração de recursos em pagamento de pessoal, gestão, viagens e treinamento”. Porém, além desse uso da verba não ser considerado irregular, em 2018, o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou uma auditoria no fundo e concluiu que seus recursos estão sendo utilizados de maneira adequada, fazendo com que a iniciativa concretize seu objetivo.

Atualmente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é a entidade responsável pelos repasses do Fundo Amazônia a estados, municípios e organizações não-governamentais (ONGs). Outra mudança defendida há meses pelo governo Bolsonaro é a redução do números de membros do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), que decide o destino dos recursos, visando dar mais peso para a representação do Executivo. No entanto, o comitê foi extinto sem conhecimento dos países doadores pelo decreto presidencial 9.759/2019. Assinada em abril, a determinação extinguiu, além do Cofa, centenas de órgãos colegiados ligados à administração pública. Segundo Astrini, essa movimentação faz parte de uma “política antiambiental” adotada pela gestão de Bolsonaro.

“Tudo isso é um pacote só. Temos um governo que persegue quem promove a fiscalização do crime ambiental, que move ações contra servidores públicos que trabalham na fiscalização de campo. Que cria uma instância para poder anistiar multas ambientais, que ameaça a todo momento desfazer as unidades de conservação e terras indígenas. Que vai pra fora do país prometendo que vai ser possível fazer mineração e agropecuária de larga escala em áreas protegidas, que libera agrotóxicos em tempo recorde, que tenta acabar com o Fundo Amazônia”, elenca o coordenador do Greenpeace.

“O aumento do desmatamento é consequência disso tudo. É um governo que planta desmatamento e que colhe destruição da floresta”, ressalta. De acordo com ele, 60% dos recursos utilizados na última década pela iniciativa, foram destinados para a União e para os estados implementarem as normas do Código Florestal e para fazerem projetos que beneficiem comunidades locais na Amazônia e região.

Bolsonaro e a destruição ambiental

Desde sua indicação para ocupar o Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ricardo Salles é alvo de críticas contundentes. Fundador da organização Endireita Brasil e ex-diretor da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Salles foi condenado por improbidade administrativa e por descumprir leis ambientais ao alterar, de maneira ilegal, o plano de manejo de uma área de proteção ambiental na Várzea do Tietê para beneficiar empresários ligados à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O crime foi cometido quando Salles atuava enquanto secretário da área no governador de São Paulo, na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB). Márcio Astrini relembra que Bolsonaro queria acabar com o MMA, e só não o fez justamente por conta das articulações políticas que agora, com Salles como ministro, são beneficiadas. Ele reforça a análise de que a descontinuidade do Fundo Amazônia cumpriria o mesmo objetivo.

“Na Amazônia, esse governo tem seus criminosos de estimação e os estimula a continuar a cometendo seus crimes. O Fundo Amazônia atrapalha os planos do governo porque é um dinheiro que o governo não tem gerência direta. Tem que passar por uma série de regras que evita que esse dinheiro vá para beneficiar as pessoas para quem o governo governa”, analisa Astrini.

Para Adriana Ramos, a perspectiva para o meio ambiente sob esse governo é negativa.  “O Ministério do Meio Ambiente não apresentou nenhum plano ou proposta que nos permita dizer que existe uma política para o Meio Ambiente no governo. Na política ambiental vale a frase que o Presidente falou na ocasião de sua visita à Washington: ‘O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa’”, cita a representante do Instituto Socioambiental.

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