Stanislaw Ignacy Witkiewicz: um polaco louco pacas

Imagem: Reprodução.

Stanis?aw Ignacy Witkiewicz (1885-1939).

É difícil definir alguém que criou para si uma enorme quantidade de apelidos (eram, seguramente, mais de cem). É difícil definir o que era Stanislaw Ignacy Witkiewicz: romancista, dramaturgo, filósofo, pintor?

Mas prossigamos com esta tentativa vã.

Romancista: como romancista, Witkacy (apenas o mais usado de seus numerosos apelidos) teve três obras publicadas em vida e uma póstuma. Infelizmente, nenhuma delas foi traduzida para português. Mas vejamos que saborosos os títulos:

– 622 decadências de Bunga, ou a mulher diabólica (1911);

– A despedida do outono (1927);

– Insaciabilidade (1930);

– A única saída (póstumo, publicado apenas em 1968).

Em Insaciabilidade, conheceremos a história do general Murti Bing, que invade a Europa e cria uma estranha pílula que privava as pessoas da capacidade de pensar e de resistir mentalmente. Resultado: ficavam todas felizes. Marca característica de Witkacy, sua prosa mistura profundas reflexões filosóficas a um cenário nonsense e, muitas vezes, para além do absurdo.

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Dramaturgo: Witkacy era um dramaturgo profícuo. Escreveu inúmeras peças, desde a infância. Para nosso gáudio, contamos com duas traduções: A mãe, publicada em Portugal, uma tradução indireta, via francês. A segunda tradução foi pensada para encenação no Brasil: trata-se de Uma casinha no campo, que contou com tradução direta da lavra de Marcelo Paiva de Souza (UFPR).

Este ‘polaco loco pacas’ conseguiu grande inserção no cenário cultural polonês do pré-guerra, escreveu críticas, resenhas e tem uma produção epistolar vastíssima.

Em A mãe, teremos uma história ainda mais grotesca. Um filho filósofo vive às custas da mãe. Seu pai, curiosamente, fora condenado à forca no Brasil (numa cidade anônima do Paraná, inclusive). A pobre mãe sustenta o filho costurando para fora. Cenas insanas se sucedem até o final, digno da palavra absurdo: após uma orgia (gastronômica), regada à cocaína, descem seres metálicos do céu (não robôs, pois essa palavra foi inventada apenas depois), matam todos e estabelecem a ordem, uma ordem sem seres vivos.

Filósofo: sua obra fundamental é Conceitos e Afirmações implicadas pelo Conceito de Existência. Outra ideia-chave de sua lavra, já no campo da estética, é a Teoria da Pura Forma. Tal teoria implicava uma obra de arte, especialmente uma dramaturgia, que recusa a sequência lógica dos acontecimentos, recusa o tema, recusa a narrativa, uma grande recusa que seria o meio de se gerar uma “experiência metafísica” no espectador. Citemos o próprio Witkacy: “trato de uma fantasia sem lé nem cré, para que no palco a pessoa possa cometer suicídio por encher demais um copo d’água, a mesma criatura que cinco minutos antes dançara de alegria por conta da morte de sua amada mãe”.

Retrato de Maria Nawrocka
Retrato de Maria Nawrocka. Imagem: Reprodução.

Pintor: Witkacy pintou muito. Tinha uma companhia de retratos e regras extremamente rígidas para pintar. As regras de sua companhia de retratos dariam, por si mesmas, um texto à parte. Fica para a próxima. Dado mais curioso: Witkacy pintava sob efeito de narcóticos (título de um de seus ensaios mais interessantes) e os retratados não tinham permissão de reclamar do resultado final.

Witkacy. Autorretrato com cigarro. Anos 30.
Witkacy. Autorretrato com cigarro. Anos 30. Imagem: Reprodução.

Ademais, Witkacy era grande entusiasta da fotografia e, num dos momentos mais estranhamente interessantes de sua biografia, acompanhou o grandíssimo antropólogo polonês Bronis?aw Malinowski em sua viagem pelo Pacífico.

Agora, um pouco de sua vida e morte.

Sua vida foi marcada por um grande conflito com o pai, um importantíssimo arquiteto – tinham o mesmo nome e, assim, podemos supor que os tantos apelidos fossem um meio de tentar fugir disso. E conseguiu. Mesmo textos poloneses mais técnicos o tratam por seu apelido mais famoso: Witkacy.

Este “polaco loco pacas” (empresto a expressão de Paulo Leminski) conseguiu grande inserção no cenário cultural polonês do pré-guerra, escreveu críticas, resenhas e tem uma produção epistolar vastíssima – inclusive com Bruno Schulz, já um habitué da Escotilha.

Sua morte se deu no fatídico setembro de 1939. A Polônia, lembremos, foi invadida por nazistas (no dia 01) e por soviéticos (no dia 17). Witkacy suicidou-se no dia 18 daquele mesmo mês, numa cidade então polonesa, mas que agora localiza-se em território ucraniano.

O espírito zombeteiro de Witkacy manifestou-se, até mesmo, muitos anos depois de sua morte, quando seu corpo foi transladado para a Polônia. Exumou-se o corpo e descobriu-se que, no túmulo em que deveria jazer Witkacy, jazia uma mulher.

Provavelmente esta foi a última brincadeira de Witkacy. Mas apenas provavelmente.

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