Zapatistas sofrem emboscada; um morre e 15 ficam feridos

DesacatoiiNo último dia 2 de maio, em um dos cinco caracóis do território zapatis­ta, o caracol 1 – da Realidade, o guardião e professor da escuelita José Luis So­lís López, o “Sargento Galeano”, foi as­sassinado com um tiro à queima-roupa. No atentado, outros 15 zapatistas das ba­ses de apoio foram feridos com pedras e facões e os agressores destruíram ainda uma clínica, uma escola e um veículo de transporte autônomo.

Enquanto a imprensa local afirma que as agressões foram fruto de um enfren­tamento entre zapatistas e o grupo para­militar Central Independiente de Obre­ros Agrícolas y Campesinos Histórico (CIAOC-H), a realidade é outra. Nas pa­lavras do Subcomandante Insurgente Marcos, tratou-se de uma agressão pla­nejada e detalhada, uma emboscada.

O atentado fez com que o Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN) cancelasse alguns eventos que acontece­riam em território rebelde, como a reu­nião que manteriam através do Con­gresso Nacional Indígena – com mais de 30 povos originários do país – nos dias 26 a 30 de maio; a homenagem ao filó­sofo Luis Villoro Toranzo (1922/2014) prevista para o dia 1º de junho no ca­racol Oventik e sua participação no se­minário “Ética frente ao despojo”, que aconteceria de 2 a 8 do mesmo mês – e que contaria com a presença de mais de 60 convidados nacionais e estrangeiros.

Também foi suspenso, por tempo inde­finido, o processo da escuelita zapatista, em seus próximos níveis.

Por conta das agressões, uma série de debates e fóruns nacionais e internacio­nais que exigem o fim da guerra contra as comunidades zapatistas vem sendo realizada.

Um grupo de intelectuais e organiza­ções tanto nacionais quanto internacio­nais publicou uma carta na qual não só repudia o assassinato de Galeano como também questiona o presidente Enrique Peña Nieto e o governador de Chiapas, Manuel Velasco Coello, do Partido Ver­de Ecologista do México (PVEM). “O que se pode entender com esta agressão pa­ramilitar que chegou ao centro da Reali­dade?”, questionam os intelectuais.

“Como ler esta provocação relaciona­da com a volta do governo do PRI se o PRI não voltou? O que vemos, na ver­dade, é a continuação e a coalizão instá­vel de máfias, que se unem para propósi­tos pontuais, mas se mantêm em contí­nua tensão em suas disputas de interes­ses. Isso é o que propicia o clima de vio­lência e instabilidade que caracteriza a trágica situação que o país vive”, ressalta em conversa com o Brasil de Fato, um dos signatários do documento o ativista social Gustavo Esteva.

“O assassinato do companheiro Gale­ano significa que os governos estão dis­postos a tudo para seguir em frente com suas iniciativas. Trata-se de um crime de Estado, com premeditação, traição e vantagem. Significa também que os go­vernos reconhecem a importância do zapatismo em resistência diante do des­pojo”, prossegue Esteva. Sobre os modos e mecanismos da guerra contrainsur­gente, Esteva diz que uma das vertentes principais é “o uso assustador e obsceno de programas sociais para cooptar gen­te, a fim de debilitar os zapatistas e criar tensões com quem quer se colocar nas mãos do governo, com quem eles cha­mam de seus irmãos confundidos”.

Atenco e Acteal

É importante recordar que o presiden­te Enrique Peña Nieto é um dos respon­sáveis pela violência ocorrida em Atenco (estado do México), quando era governa­dor do estado, em maio de 2006, quando duas pessoas foram mortas e mais de 40 mulheres foram violentadas.

Oito anos depois, ainda não foi fei­ta justiça. O atual secretário de edu­cação de Peña Nieto, Emilio Chuayffet foi, durante o governo de Ernesto Ze­dillo (1994-2000), secretário de gover­no e também um dos responsáveis pe­lo massacre de Acteal, ocorrido em 22 de dezembro de 1997, no município de Chenalhó (Chiapas). Na ocasião foram assassinados 45 indígenas tzotziles – tanto crianças quanto mulheres grávi­das – que estavam rezando dentro de uma igreja.

Uma das primeiras provocações do go­verno do presidente Peña Nieto às co­munidades zapatistas ocorreu em 21 de janeiro de 2013, quando lançou oficial­mente o programa “Campanha Nacional contra a Fome”, em um dos estados mais pobres do país, na porta das comunida­des zapatistas, em um município simbó­lico que foi tomado em 1994 pelo EZLN, “Las Margaritas”, que abarca parte da Selva Lacandona.

O evento aconteceu um mês depois da marcha silenciosa, quando mais de 40 mil indígenas que compõem bases de apoio zapatistas ocuparam simbolica­mente algumas cidades do estado. Seu comunicado “Escutaram?”, mostrava ao governo que os zapatistas continuam presentes e organizados.

A guerra de baixa intensidade ou de contrainsurgência se mantém presente ao longo destes 20 anos de luta, seja com planos, programas ou políticas assisten­cialistas, com o suborno de lideranças lo­cais e regionais, seja por pressões de or­ganizações como a CIOAC-H ou a Orga­nização para a Defesa dos Direitos Indí­genas e Camponeses (OPDDIC), meca­nismos que pretendem fragmentar, isolar e romper com o processo da construção da autonomia territorial, um processo in­tegral que abarca tanto educação, saúde, agroecologia, justiça e democracia.

Quando os zapatistas falam de um mundo onde caibam muitos mundos, não estão falando de um futuro próximo. Sua utopia já é prática nas suas comuni­dades em resistência.

Tradução: Ana Paula Gomes.

Foto: Reprodução/Brasil de Fato.

Fonte: Brasil de Fato.

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