Ray Bradbury e o cinema

Ray Bradbury

 

Por Rodolfo Santovenia.*

Havana (Prensa Latina) Relevante criador de relatos de ficção científica, escritor fecundo, Ray Bradbury (1920-2012) foi autor de meio milhar de contos, trinta romances, verdadeiro número de poemas, obras de teatro e um que outro roteiro para o cinema e a televisão.

Seu passo pelo cinema foi esporádico e de relativo sucesso. Iniciou-se com O monstro do mar, de Eugene Lourie, um cenógrafo francês que tinha trabalhado com o diretor Jean Renoir antes de ir a Hollywood ao estourar a guerra na Europa. Um modestíssimo filme de ficção científica, mas de relevante importância histórica ao inaugurar um novo ramo do gênero na tela.

Conjuntura que, como se sabe, a indústria cinematográfica japonesa se apressou a explorar até o cansaço, com espantalhos do talante de Godzilla, a extravagância amamentada pelo realizador nipônico Inoshiro Honda, da qual se cria toda uma série.

Baseado em um conto, o filme possuía um libreto de pouca monta e uma realização bastante medíocre. No entanto, as fugazes aparições do monstro, atacando um batiscafo sob o mar ou tomando um farol por um parente próximo, apaixonaram os ingênuos espectadores, não obstante só contar com os efeitos especiais de Ray Harryhausen, criador do método Superdynamation, e seus monstros de borracha animados.

Ante o alvoroço formado, nesse mesmo ano, 1953, rodou-se Chegaram do outro mundo, de Jack Arnold, no qual uns extraterrestres caem no proverbial povoado localizado no correspondente deserto por causa do habitual problema mecânico.

Depois de um início que costuma ser bastante usual hoje em dia (os celestes forasteiros suplantam a personalidade de vários moradores), a história dá um giro quando aqueles contatam o protagonista e lhe pedem unicamente que lhes deixem consertar o avariado veículo para prosseguir sua viagem, depois de devolver a normalidade aos “sequestrados”.

Rodada com fotografia estereoscópica quando a febre do 3D, o filme foi um precursor do decisivo Mortos vivos, de Dom Sieguel, onde se prolongou, até suas últimas consequências, a mesma ideia da usurpação do corpo humano.

Desta maneira, o filme de Arnold afastou-se do cinema de horror para oferecer uma história de extraterrestres completamente desprovida de toda tentação apocalíptica e convertida, pelo contrário, em uma aberta denúncia da xenofobia e da intolerância frente ao desconhecido.

De acordo com declarações do realizador, Bradbury escreveu seu relato pouco antes de Fahrenheit 451 e surgiu, por tanto, sob a influência da “caça às bruxas” do senador McCarthy.

Já que, de fato, se o filme do bombeiro Montag pode ser considerado como uma requisitória contra a censura intelectual, o dos alienígenas vindos do espaço exterior não é outra coisa que um alegado contra o medo à diferença.

E daí a ênfase que se pôs em tratar de identificar o máximo possível aos visitantes com aparência humana, levando a ambiguidade até o limite de sugerir que o protagonista poderia ser, também, um “invasor” emboscado.

“No momento do macartismo, tínhamos medo de tudo e o importante era não ser suspeito de comunismo. Estas eram as duas coisas mais importantes que queríamos expressar. A Universal opunha-se. Mas pudemos sacá-las adiante porque tratava-se de um filme cheio de fantasia que nada tinha a ver com o que ocorria na nação”.

Para Francois Truffaut, diretor de Fahrenheit 451, o tema do filme era o amor pelos livros. E em um nível menos íntimo e individual, o assunto interessava-lhe porque era uma realidade a queima de livros, a perseguição das ideias e o terror a novos conceitos, elementos que regressam uma e outra vez na história da humanidade.

Para o cineasta galo, a rodagem resultou um empenho arriscado e difícil. Pela primeira vez trabalhava em uma produção estrangeira de muito maior orçamento do que estava até então acostumado, em um idioma que não dominava (o inglês) e dentro de um gênero (a ficção científica) que estava muito distante de seu fazer quotidiano.

Truffaut leu a novela de Bradbury e imediatamente decidiu levar ao cinema esta fábula apaixonante na qual o espírito humano, como uma nova ave Fénix, renasce de suas cinzas. Mas o filme resultou um fracasso comercial e crítico.

Segundo alguns especialistas, fracassou porque o filme nunca encontrou seu caminho. O roteiro exigiu o tempo todo ser plano, explícito, um padrão predestinado que não permite que apareça o subtil ou o inesperado. E parte do problema é que, pela primeira vez, o ponto de partida de Truffaut não era uma pessoa ou uma relação. Senão um conceito abstrato, uma oposição de ideias.

Outros críticos foram mais diretos: “O romance de Bradbury, como o Alphaville, de Jean-Luc Godard, está profundamente arraigado na política. E o filme de Truffaut ignora-a”.

De outras obras de Bradbury adaptadas ao cinema há pouco a dizer. Tais são os casos do homem tatuado, de Jack Smight, e de Algo malvado se acerca, de Jack Clayton, com roteiro do próprio escritor. Possuem alguns bons momentos. E nada mais.

*Historiador e crítico cubano de cinema. Colaborador da Prensa Latina.

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