Política de educação especial de Bolsonaro tem por trás ‘disputa de recursos por escolas’

Crítica às classes especializadas é da psicóloga Isabel Rodrigues. Movimentos de pessoas com deficiência se articulam pela revogação de decreto

Escolas devem “proporcionar a aprendizagem das crianças com deficiência com as crianças sem deficiência no mesmo espaço”, afirma Isabel. Foto: Dênio Simões/Ag. Brasília

Para a psicóloga, pedagoga e doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Isabel Rodrigues, a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE), apresentada pelo governo Jair Bolsonaro para estudantes com deficiência, tem por trás “uma disputa por recursos” entre “instituições segregadoras que são nomeadas como escolas especiais”. Publicada em decreto (nº 10.502) no final de setembro, a medida é vista como uma ameaça à educação inclusiva, prevista em lei desde 2009.

Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, Isabel, que é também assessora do Instituto Vladimir Herzog (IVH), destaca que a nova política extingue a ideia de educação inclusiva ao propor que classes especializadas conduzam a aprendizagem de estudantes com deficiência. O que, na prática, são espaços institucionais à parte da escola regular, onde essas pessoas não vão ter seus direitos garantidos.

“Não tenho dúvida de que uma das intenções seja destinar parte dos recursos a instituições que antes recebiam pela via da saúde, da assistência social e da educação os recursos para existirem. E a partir de 2008, com a proposta da educação inclusiva, elas perderam grande parte do recurso da educação. Desde então há algum tipo de pressão para se retornar a um nível de financiamento”, afirma a psicóloga e pedagoga.

Articulação

Conforme reportado pela RBA, desde que foi anunciada pelo presidente, a medida é alvo de inúmeras críticas de entidades e movimentos das pessoas com deficiência. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, há ao menos seis projetos de decreto legislativo (PDL) que pedem sua suspensão. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) também apresentou o PDL 437 no Legislativo para sustar os efeitos do decreto.

Em paralelo, os ministérios públicos de São Paulo e Paraná também destacam que a nova PNEE é inconstitucional. E representa um retrocesso do ponto de vista legal. Isso porque há uma “confusão” entre a oferta do direito à educação com a oferta do direito à educação especializada. O que reduz a participação das pessoas com deficiência na educação. Na prática, a medida de Bolsonaro está longe de garantir o acesso à educação regular ao propor como modalidade de ensino as chamadas classes especializadas.

De acordo com Isabel, devido à pressão contrária ao decreto, movimentos e entidades já conseguiram um requerimento de urgência para votação na Câmara. “Agora é necessário que o (presidente da Câmara) Rodrigo Maia paute e o decreto seja revogado”, comenta. Pelas redes sociais, apoiadores também emplacam hashtag #EscolaEspecialNãoÉInclusiva.

Contra as barreiras

“A gente sabe pelo histórico dessas instituições que as características que elas desenvolvem estão mais localizadas no campo da saúde do que da educação. Essas instituições tiveram seu papel histórico na época em que não existiam políticas públicas de acesso e garantia de direitos dessa população”, observa a psicóloga e pedagoga sobre o período anterior ao decreto 6.949 de 2009. A medida foi a que deu força de lei à Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, assinada por 160 países dois anos antes.

“A partir de convenção, ratificada no Brasil com status constitucional desde 2009, ela procura garantir uma mudança de perspectiva de um modelo médico, que localizava a deficiência no corpo da pessoa, para um modelo social. Então deficiência não é algo que a pessoa sofre ou porta. Ela está localizada no encontro da pessoa com a sociedade. A sociedade promove barreiras para essas pessoas. A pessoa que é usuária de cadeiras de rodas e não encontra rampas pela cidade, ela vai estar mais excluída do que uma pessoa que mora numa cidade em que a acessibilidade está garantida em todos os prédios. Da mesma forma é a escola”, compara Isabel, reforçando a importância da inclusão na escola regular.

“Ofertar a produção de recursos de acessibilidade, romper com barreiras que possam existir e proporcionar a aprendizagem dessas crianças com deficiência com as crianças sem deficiência no mesmo espaço”, finaliza.

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