Os gêneros tradicionais dos indígenas norte-americanos vão além do masculino e feminino

Nascida em 1849, We'Wa, do povo zuni, era uma ceramista e líder espiritual de gênero biológico masculino e identidade feminina
Nascida em 1849, We’Wa, do povo zuni, era uma ceramista e líder espiritual de gênero biológico masculino e identidade feminina

Por André Cabette Fábio.

Antes de serem atacados por europeus, grupos que viviam na América do Norte não adotavam dois, mas entre três e cinco gêneros bem definidos, afirma o site Indian Country Today, mantido por povos indígenas.

Essa diversidade foi reprimida pelos europeus que chegaram ao continente em 1492, mas vem sendo resgatada com mais vigor desde a década de 1990 por indígenas LGBT do Canadá e dos Estados Unidos.

A cultura Navajo, localizada próxima à fronteira com o México, concebia, por exemplo, quatro categorias de gênero:

  • Mulher
  • Mulher masculina
  • Homem masculino
  • Homem feminino

De acordo com o Indian County Today, algumas culturas incluíam também uma identidade transgênera.

Inicialmente, sociólogos e antropólogos buscaram enquadrar essas identidades dentro de conceitos como os de gays e bissexuais. Mais recentemente, tem-se argumentado, no entanto, que essa leitura é excessivamente ocidental.

Críticos defendem que é necessário buscar ler as identidads de gênero indígenas a partir do ponto de vista desses povos.

Uma lenda Siouan, povo tradicional que se distribuía originalmente pelo centro dos Estados Unidos, afirma que antes de uma criança nascer, essa escolhe entre duas ofertas do criador: arcos e flechas – correspondentes ao papel masculino – ou um cesto – correspondente ao feminino.

O criador pode, no entanto, trocar o objeto de mãos no meio da escolha, impactando na identidade da criança. Esse é apenas um exemplo. Cada cultura tem histórias, costumes e nomes particulares para explicar e definir suas identidades.

Entre os Dakota, originários do centro-norte dos Estados Unidos, usa-se tradicionalmente o termo Winté para determinar alguém do sexo masculino que se comporta como mulher. Para os Ojibwe, povo que se distribuía originalmente ao redor da região dos Grandes Lagos, sudoeste do Canadá, o termo é Hemaneh (metade homem, metade mulher).

Como essas identidades se encaixavam no cotidiano dos povos indígenas

Duane Brayboy, membro da Nação Tuscarora, localizada no norte dos Estados Unidos, afirma que, ao invés de isolar, os grupos indígenas acolhiam essas identidades de gênero.

‘Em vez de estarem em um beco social sem saída, como ocorre na cultura euroamericana hoje em dia, a essas pessoas era permitido participar plenamente das estruturas sociais desses povos’

Duane Brayboy

Membro da Nação Tuscarora, localizada no norte dos Estados Unidos

ROUPAS NEUTRAS

Em muitos dos grupos, pais não buscavam interferir na identidade das crianças, que usavam roupas neutras – não identificadas com o gênero masculino ou feminino – até que formassem sua identidade.

SORTE

Era comum que pessoas que escapavam da ideia binária de gênero fossem reverenciadas. Suas famílias eram consideradas sortudas.

OCUPAÇÕES

Essas pessoas tinham posições de respeito. Indivíduos do sexo masculino que se identificavam com o gênero feminino podiam exercer os papéis de xamãs, visionárias, portadores da cultura oral, artesãs, artistas e enfermeiras durante guerras.

Pessoas nascidas com o sexo feminino, mas identificadas com o gênero masculino podiam exercer o papel de caçadores e guerreiros.

RESPEITO

Entre membros do povo Dakota, era altamente ofensivo pedir que uma pessoa agisse de acordo com o gênero com o qual não se identificava.

Repressão e resistência

A opressão aos indígenas que não se encaixavam nas ideias europeias de gênero ocorreu assim que o contato com os europeus teve início. Membros do governo ou de instituições religiosas obrigavam esses indígenas a se adaptarem a papéis padronizados de gênero.

Casamentos entre pessoas do mesmo gênero biológico foram desfeitos e muitos indígenas cometeram suicídio. A aceitação dessas identidades dentro das próprias comunidades indígenas diminuiu.

A partir da década de 60 do século 20, militantes indígenas norte-americanos voltam a valorizar essa tradição, um movimento que se intensificou na década de 90.

Dois espíritos

A leitura de alguns dos povos da América do Norte é de que essas pessoas nascem com espíritos dos dois gêneros e os incorporam ao mesmo tempo.

Por isso, membros da comunidade LGBT indígena da América do Norte decidiram em 1990, em um congresso na cidade de Winnipeg, no Canadá, adotar o termo “dois espíritos” como um guarda-chuva comum usado pelos vários grupos indígenas do país para indígenas que não se encaixam nas identidades de gênero masculina ou feminina.

Ferida ainda está aberta

A questão da identidade sexual e de gênero não está, no entanto, resolvida. Um estudo de 2014 publicado no “American Journal of Public Health” mostra que a prevalência de suicídios entre LGBT indígenas nos Estados Unidos é maior do que entre outras minorias, como negros ou asiáticos.

Zachary Pullin é um aayahkwew, nome tradicionalmente dado pelo povo cree para “nem homem, nem mulher”. Ele é diretor de comunicações e educação da Pride Foundation, em Seattle.

Foto: Adrien Collier/Reprodução

Fonte: Nexo Jornal.

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