Os Ascomannis e a árvore Yggdrasil

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Por Samuel da Costa.

Leif Eriksson Van Peter relembrou, das longas conversas com seu velho pai, sobre saga dos Ascomanni, os homens madeiras e as velozes Drakkars, com as suas cabeças míticas de animal, esculpidas na proa. Eram tempos gloriosos aqueles, dizia o velho pai de Leif, naqueles tempos remotos e de doçura, de uma infância feliz, a beira do velho Mare Germanicum. O avô, de Leif, fumava um pequeno cachimbo de madeira com um cabo de marfim alvíssimo, ficava quieto observando impassível o pai de Leif repassar as lendas, de seu povo ancestral. Dava a impressão de nunca estar ali, tal era o mutismo do velho pescador e marinheiro.

Leif não gostava de ficar na cidade, preferindo a pureza e quietude do campo, antes de partir rumo ao mar e terras distantes. Ficava na cidade, pelo menos uma semana antes do embarque. Até isso acabava ficando difícil com todas aquelas movimentações das tropas, pessoas sendo revistadas, recrutadas e mobilizadas pelo mantra patriótico de um líder absoluto e infalível. Aquele prelúdio marcial, tão comum em tempos de guerra, fez Van Peter se lembrar de uma data em especial, o ano de 793 DC. Foi quando os Ascomanni saquearam o famoso mosteiro insular de Lindisfarne, na costa Leste da Inglaterra. Saquearam o mosteiro, mataram os monges que resistiram, carregaram seus navios e retornaram à Escandinávia, cheios de glórias, roubos e histórias para contar. Eram perturbadoras, as imagens que se formavam na cabeça de Van Peter. Como os Ascomanni saquearam cidades importantes como Hamburgo, Utrecht e Rouen. Também não se esqueceu da figura do rei Canuto, que reinou toda Inglaterra até 1066 e governava a Dinamarca e a Noruega simultaneamente. As crônicas que viam na cabeça do homem do mar, vieram junto com muitas certezas. Uma deles foi que já tinha passado da hora de partir, para quem sabe nunca mais voltar.

Levando o bico do narguilé à boca, tragando o fumo do Marrocos sem presa alguma, fumo mentolado entorpeceu a mente de Leif Eriksson, pouco acostumado às esses prazeres mundanos. Então, o velho mito teutônico se repetiria enfim, mas como uma ópera bufa de Wagner, uma versão tosca. Um tanto surreal para os tempos modernos. O fato que terem um dia terem conquistado a maior parte da Irlanda e grandes partes da Inglaterra, viajando pelos rios da França, Portugal, Espanha e ganhando o controle de parte da Rússia e na costa do Mar Báltico. Para depois invadir no Mediterrâneo e no leste do Mar Cáspio. Eram mesmo tempos gloriosos, mas era coisa do passado. Na atualidade era uma tentativa grotesca, pelo menos era assim que Van Petter pensava, naquela hora extrema e em meio a devaneios entorpecidos.

Tudo levava à efêmera e lendária colônia Vinland, no novo mundo. Toda essa movimentação e arrogância, não iam levar para lugar algum, somente em dor e desgraça para todos. Era assim que Van Peter encara a realidade que vivia. Leif Eriksson Van Peter que navegou pelos rios Elba em Cuxhaven, o Weser em Bremerhaven, o Ems em Emden, o Reno e o Mosa em Roterdã, o Schelde em Flushing, o Tâmisa na Inglaterra e toda a intenção navegável do Danúbio. Van Petter conheceu e conhecia bem essas porções de água europeia e toda sua gente diversa, que em dias remotos, seus velhos descendentes levaram a guerra. Hoje as coisas mudaram, os povos, um dia dominados por Odin, já não eram mais os mesmos. Skoll e Hati, os filhos de Fenrir, dessa vez voltariam para casa e voltaram derrotados. Não haveria no arco-íris, a ponte Bifrost, Heimdall não estaria posto lá em guarda. Estavam distantes os dias, em que a Deusa-Sol, passava todo dia com sua carruagem, puxada pelos cavalos Asvid e Arvak. Os deuses Odin, Thor e Njord, não seriam mais venerados, como no passado. Enfim parte da humanidade não mais se regozijaria embaixo da árvore Yggdrasil. Perdido em sim mesmo, com imagens do passado outras se projetar no futuro. Cidades em chamas e o mundo submerso pelas trevas, abaixo da Asgard. Um Midgard onde Hel, era o todo soberano em um mundo momentâneo de trevas, medo e destruição. Hoje, olhando para a movimentação lá embaixo, da janela do terceiro andar, ele percebeu tudo, pelo menos agora, as coisas tomaram as dimensões exatas do que são. Eram dias cinza de totalitarismo e terror aqueles, era também hora de partir.

*Samuel da Costa é contista em Itajaí.

Foto de estátua do Rei Canuto IV, tomada de: pt.wikinoticia.com 

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