Jéssica Kaingang é a primeira indígena formada em Odontologia na UFRGS

Jéssica escolheu Odontologia focada nas necessidades das comunidades indígenas – Foto: Gustavo Diehl

A estudante Jéssica Kaingang fez com a turma de Odontologia sua colação de grau no dia 23 de agosto, no Salão de Atos da UFRGS. Ela é a primeira indígena graduada na Faculdade de Odontologia em 120 anos do curso, que começou a funcionar em 1898.

Jéssica Kaingang, 24 anos, ingressou na UFRGS em 2012 pelo Processo Seletivo Especial – PSE Indígena, vinda de São Paulo. Na época, pensava em cursar alguma licenciatura ou atuar como cabeleireira, quando soube por parentes do Rio Grande do Sul da seleção da UFRGS, com vaga para Odontologia. “Optei por Odontologia porque é uma das áreas que mais precisamos nas comunidades indígenas”, destaca. Nos seus seis anos e meio de graduação, a estudante enfrentou dificuldades, especialmente relacionadas ao convívio com os colegas, ao ritmo das aulas e ao custeio dos materiais necessários para as disciplinas. Jéssica relata que a bolsa permanência, que passou a receber a partir do terceiro semestre, quanto o benefício foi criado, foi essencial para seguir no curso até o final.

Em seu trabalho de conclusão de curso, Jéssica discutiu a importância da interculturalidade, mostrando como é relevante considerar a cultura e a temporalidade diferentes para a formação na área da saúde. A odontóloga aponta que, durante as aulas, não foram abordadas questões específicas da saúde dos povos indígenas, o que contribuiria para uma formação mais intercultural. “Fico agoniada, porque a gente está presente aqui”, desabafa Jéssica. Nesse sentido, a formanda defende a presença desses conteúdos e também de cadeiras como a de Antropologia para a Saúde, que tragam os povos indígenas como tema das graduações.

“Acredito que o ingresso de indígenas na UFRGS e nas demais universidades federais é uma grande vitória, fruto da autodeterminação dos povos indígenas, e que está mudando as estruturas de poder. O curso de Odontologia é bastante elitizado, mas hoje tem estudantes indígenas e negros. Pintar a universidade de indígena e de negro, ter a presença mais representativa de vários povos, é algo necessário para a universidade”, afirma. Formada, Jéssica pretende trabalhar em comunidades indígenas do RS, através do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. Segundo aponta, os indígenas gostam de ser atendidos por indígenas porque há sempre uma conversa entre paciente e profissional, o que beneficia o tratamento.

PSE Indígena – O ingresso pelo PSE Indígena é uma das medidas do programa de Ações Afirmativas da UFRGS e destina 10 vagas extras a cada ano para ingresso exclusivo de indígenas. Os cursos são escolhidos pelas lideranças indígenas em assembleia anual convocada para esse fim e têm se concentrado nas áreas da saúde, licenciaturas, ciências da terra e Direito. Desde a criação desse ingresso em 2008, foram beneficiados 104 indígenas em 29 cursos e, atualmente, 65 seguem vinculados, sendo Jéssica a 8ª indígena a concluir a graduação na Instituição.

Entre as ações desenvolvidas para acompanhar os estudantes, estão os encontros de reforço acadêmico e a formação de grupos de acolhimento nos cursos. O programa de monitoria acadêmica mantém um bolsista para cada um dos ingressantes pelo PSE, que faz companhia nas atividades referentes à ambientação no curso, na universidade de modo geral e na cidade. Tanto o monitor quanto o estudante indígena são acompanhados por um professor orientador. A monitoria atende ao indígena até que este complete 60% do curso. Os ingressantes pelo PSE recebem vaga na Casa do Estudante, têm acesso gratuito ao Restaurante Universitário, e auxílios para creche, material de ensino, transporte, além da bolsa permanência do Ministério da Educação.

“Ainda temos alguns desafios, como a ampliação de espaços de interação entre povos indígenas e Universidade, numa perspectiva intercultural e de troca de conhecimentos”, avalia Michele Doebber, servidora da Coordenadoria de Ações Afirmativas da UFRGS, apontando a preocupação da Universidade em promover o diálogo visando enfrentar situações de racismo e discriminação no espaço acadêmico. “Precisamos ter um olhar sensível, que valorize as especificidades, os diferentes saberes e vivências trazidos por esses estudantes, tendo em conta que a diversidade enriquece o espaço acadêmico”, avalia.

Em 2018, a UFRGS chegará a 10 indígenas formados na graduação. Além de Jéssica, estão previstas as formaturas de Silvana Claudino no Serviço Social e Mauro Vergueiro na Medicina.

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