Nota do Cimi-Regional Sul sobre conflitos envolvendo comunidades Kaingang no RS

Indígenas Guarani Mbya protestaram contra a derrubada de quatro mil árvores em terreno vizinho as comunidades e ocuparam as obras. Foto ilustrativa

As violências contra os povos indígenas têm sido contínuas e brutais ao longo de todo o processo de colonização em nosso país.

O esbulho dos territórios indígenas é sistêmico, afeta de forma generalizada e organizada às comunidades, fragilizando o acesso aos direitos fundamentais à terra e ao seu usufruto exclusivo, destruindo a natureza e seus mananciais hídricos e ecológicos.

Os ambientes socias, econômicos, políticos e culturais existentes no entorno das áreas indígenas são adversos e desencadeiam, nos territórios, insegurança e falta de perspectivas de vida e de futuro.

Os povos Kaingang, Mbya Guarani, Avá Guarani, Xeta, Charrua e Xokleng, na Região Sul do Brasil, sobreviventes dos massacres promovidos pelo Estado e por particulares, têm, em seus corpos e espíritos, feridas que continuam abertas.

Os agentes do Estado, através do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), ao longo do século passado, promoveram a remoção forçada e o confinamento de famílias e comunidades indígenas em espaços ínfimos – nas reservas – verdadeiros campos de concentração e tortura.

Eles desvirtuaram as formas organizativas dos povos e introduziram estruturas de poder e comando – aos moldes dos regimentos militares – e, através dessa manipulação, buscaram controlar os indígenas e submetê-los aos interesses econômicos. Toda a estratégia estatal foi direcionada à dizimação e à integração dos originários habitantes do Brasil. Não havia alternativa a não ser habituarem-se às práticas dos opressores.

O indigenismo estatal, além de controlar os corpos e as almas, apropriou-se das terras e dos recursos econômicos nelas existentes. Através de ameaças, aprisionamentos, espancamentos e torturas obrigaram os indígenas a trabalharem na derrubada das florestas e na abertura de lavouras, em seguida negociadas com arrendatários.

A Constituição Federal de 1988 rompeu com a lógica integracionista, afastando a tutela e determinando que o Estado passasse a adotar relações de respeito para com os povos indígenas, assegurando-lhes os direitos às diferenças. Garantiu também os direitos às terras tradicionalmente ocupadas como originários, inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis. Com isso, a Constituição assegurou aos povos o usufruto exclusivo das suas terras, definindo como ilegais as práticas dos arrendamentos.

Nas últimas décadas, a negligência governamental e dos órgãos de controle possibilitou o aprofundamento das práticas ilegais dos arrendamentos e, em torno dele, fomentou-se também a exclusão, o esbulho territorial e a violência contra famílias indígenas. Nesse modelo de gestão ilegal das terras tradicionalmente ocupadas, funciona o sistema privado de uso da terra e a estruturação de cacicados cruéis e perversos, que reproduzem as chefias militares no exercício do poder interno. Famílias Kaingang – que vivem nas reservas – encontram-se amedrontadas – em pânico – pelo clima de guerra.

Nesse contexto, faz-se necessário e urgente, nos termos da legislação vigente, a identificação e a punição de arrendadores e arrendatários e daqueles que promovem ataques às pessoas e seus bens no interior de terras indígenas da região.

Concomitante às investigações e responsabilizações penais dos agressores, os órgãos públicos, amparados pela legislação, devem buscar meios administrativos e jurídicos para intervir nas áreas onde há a conflagração dos atos de violência a exemplo do que ocorre, neste período, em Cacique Doble. Torna-se insustentável à vida em ambientes onde a violência impera como norma. Essa prática não é cultural e muito menos se podem justificar as ações de grupos criminosos e milicias armadas – de indígenas e não-indígenas – como se fossem componentes dos costumes e tradições do povo Kaingang.

É indispensável a reflexão, a construção e a implementação de política pública específica e diferenciada de apoio e fomento às comunidades indígenas no Brasil, visando a garantia do direito ao usufruto exclusivo das terras, com enfoque na produção de alimentos e na garantia de renda às famílias indígenas nos seus territórios.

O Cimi Sul se coloca a serviço e no apoio aos povos indígenas pela garantia de seus direitos fundamentais à terra, como um bem a que todos tenham acesso, bem como se posiciona veementemente contra as práticas de esbulho através dos arrendamentos e repudia todas as formas de violência contra a vida e o patrimônio indígena.

Chapecó, SC, 07 de dezembro de 2027.

Conselho Indigenista Missionário
Regional Sul

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