Instituto da UFSC alerta para sobrecarga de mulheres nas novas rotinas devido à pandemia

Gilmara se desdobra entre o trabalho e o cuidado da filha Beatriz (Arquivo pessoal/Divulgação)

As mulheres, especialmente as que são mães de filhos em idade escolar, foram sobrecarregadas de tarefas na divisão sexual do trabalho decorrente da convivência em isolamento social. Segundo informações levantadas pelo Instituto de Estudos de Gênero (IEG) da UFSC, pesquisas internacionais indicam que as mães – tanto as que estão trabalhando remotamente quanto as em trabalho presencial e as desempregadas – assumem pelo menos 50% a mais dos cuidados das crianças, além de assumirem entre 10 e 30% a mais das atividades escolares virtuais em comparação com os pais.

Reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo no dia 30 de julho traz dados que reforçam essa situação. Uma pesquisa realizada pelo instituto Datafolha no início daquele mês com 700 mulheres paulistanas detectou um aumento da participação masculina nas tarefas domésticas. Porém, também constatou que 63% das mulheres tiveram aumento de tarefas em casa e que 55% delas estavam cozinhando mais.

A desigualdade já existia e se acentuou. “De acordo com pesquisa de 2019 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mulheres que trabalhavam fora de casa dedicavam 8,2 horas por semana a mais a tarefas domésticas que homens também ocupados. Hoje, esse número chega a 12 horas, segundo estudo do Boston Consulting Group em países europeus”, diz um trecho da reportagem.

Em decorrência disso, as contribuições das mulheres em atividades profissionais estão diminuindo. Nas universidades e instituições de pesquisa, está em queda o número de trabalhos acadêmicos de autoria de mulheres submetidos à publicação, enquanto as submissões de trabalhos produzidos por homens aumentaram. Essa sobrecarga também tem grande impacto na saúde mental das mulheres, com aumento dos níveis de estresse.

“O trabalho das mulheres é crucial para o funcionamento da universidade, mas ele é invisibilizado. Se ela não escrever 50 livros, é considerado que ela ‘não produziu’ academicamente”, constata Miriam Grossi, professora titular do Departamento de Antropologia da UFSC e uma das coordenadoras do IEG. “Todo o trabalho relacional, algo que as mulheres aprendem culturalmente, é feito na vida profissional, e não é computado, nem reconhecido, nem entendido como trabalho, mas é o que estrutura a universidade”, diz a pesquisadora.

Reconfiguração dos trabalhos

Tradicionalmente, as mulheres já assumem a maioria das tarefas de cuidado com idosos, doentes e pessoas com necessidades especiais. “Nesse momento de isolamento e trabalho remoto, há uma reconfiguração dos trabalhos de cuidados (de crianças, idosos e doentes), que passam a ser demandados em tempo integral pelas mães, pais ou cuidadores e se estende, no caso de pessoas com filhos em idade escolar, no acompanhamento das atividades escolares virtuais”, diz um trecho de carta do IEG dirigida à comunidade universitária da UFSC evidenciando a situação especial desse grupo na retomada das atividades de ensino de forma não presencial.

Por trabalhar na casa de diversas pessoas, Gilmara notou que até mesmo as mulheres com melhor condição financeira estão sentindo a sobrecarga. “Tem casas que eu vou, que todos cooperam nas atividades, mas outras patroas, eu percebo que estão pedindo pra Deus que filho volte pra escola, marido volte pro trabalho fora, pra elas poderem descansar”.Relatos pessoais demonstram as preocupações, mudanças e adaptações que muitas mulheres tiveram que implementar em suas vidas. Gilmara de Jesus Oliveira mora em Biguaçu e trabalha como faxineira no Campeche. Para ela poder trabalhar, sua filha de seis anos, Beatriz, precisa ficar com uma mulher conhecida. Sendo mãe “solo” e estando longe da família, que mora na Bahia, a insegurança na área financeira trouxe muita angústia. “No início eu fiquei muito abalada e preocupada, imaginando se depois as pessoas não iriam querer mais minhas faxinas”, conta a empregada doméstica que mora na região da Grande Florianópolis há dois anos.

A pandemia também impactou a realidade vivida pela professora do departamento de Psicologia da UFSC Mônica Barreto, que voltaria de sua licença maternidade no mesmo dia em que foi decretada a suspensão das aulas na universidade. Iniciar o semestre já remotamente foi um desafio e mesmo com a parceria do marido e uma empregada doméstica, tem sentido a necessidade de momentos de tranquilidade. “Acaba que os momentos em que vou ficar sozinha são quando vou atender. Ou às vezes que levo minhas filhas no parquinho, é o meu momento, encontro com alguma vizinha e fico conversando”, afirma a psicóloga.

Mônica ressalta que outros aspectos são deixados de lado, como cuidados pessoais, por conta de outras prioridades que se fortaleceram nesse contexto. “Deixei de fazer muitas coisas, nem atividade física estou fazendo, até gostaria de inserir mais isso na minha rotina”, reconhece a mãe de três meninas, com quem divide a atenção entre atendimentos e pesquisas para o doutorado.

A saúde foi um ponto em que Gilmara, por já ter feito cirurgia da tireoide, percebeu que apesar do trabalho não pode mais negligenciar. “Eu me cobro pensando que posso me cuidar mais, querendo ir para uma academia, por exemplo, mas não gosto de deixar ela (filha) na casa da moça pra ir malhar”. E questionada sobre qual atividade a quarentena mostrou que pode ser feita com menos prioridade, afirmou com risos: “Ah, não preciso ficar tanto tempo limpando a casa!”

Virginia Witte / Estagiária de Jornalismo e Luís Carlos Ferrari/Agecom

 

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