Governo Bolsonaro estuda liberação comercial de trigo transgênico

Rejeitado por ambientalistas e pela indústria, o trigo transgênico resiste a altas doses do agrotóxico glufosinato de amônia, proibido na Europa

A indústria do setor rejeita o trigo transgênico por entender que o consumidor é contrário. Símbolo assusta

Por Cida de Oliveira, da RBA.

São Paulo – A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) estuda a liberação comercial do trigo transgênico IND-ØØ412-7, desenvolvido pela empresa argentina de biotecnologia Bioceres. A planta foi geneticamente modificada (GM) para se tornar resistente à seca e ao herbicida glufosinato de amônio. Com isso a planta não é afetada pela pulverização do produto. Porém, guardará resíduos que serão transferidos para os grãos, a farinha, o pão e outros derivados. No último dia 9, a Argentina tornou-se o primeiro país a aprovar o cereal transgênico.O glufosinato de amônio não tem aprovação na União Europeia devido à toxicidade. Isso porque se for Ingerido, inalado ou posto em contato com a pele, causa intoxicações e prejudica diversos órgãos. Além disso, pode afetar o sistema nervoso central e reprodutivo, comprometendo a fertilidade. Em caso de gravidez, põe em risco a gestação, prejudicando o feto, conforme aponta o relatório Bayer e Basf – um negócio global com dois pesos e duas medidas, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida.Na contramão, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) rebaixou a classificação de toxicidade do agrotóxico em agosto de 2019. Dependendo da formulação, passou de medianamente tóxico (classe 3) para pouco tóxico (classe 4). Mas há casos bem piores: passaram a ser classificadas como pouco tóxicas algumas outras formulações do glufosinato de amônio, até então extremamente tóxicas. Ou seja, por uma medida burocrática, a agência maquiou a periculosidade de centenas de venenos agrícolas.

Consumidor de fora

Vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), a CTNBio convocou audiência pública para esta quinta-feira(22). Entre os convidados, estão representantes dos produtores de pães, massas e biscoitos, das empresas de moagem, do agronegócio, inclusive consultorias, da Bioceres e da sua subsidiária no Brasil, a Rizobacter, do Ministério da Agricultura, Embrapa e USP.O único participante independente do setor é o especialista em transgênicos Rubens Onofre Nodari, integrante da União de Cientistas Comprometidos com a Sociedade e a Natureza da América Latina. Professor e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Nodari terá apenas quatro minutos para expor problemas da documentação apresentada em quase 300 páginas. Não está prevista a presença de representantes dos consumidores.

Pães transgênicos

Ambientalistas, ativistas e a ala progressista da ciência e da medicina, que questionam a aprovação de transgênicos pela CTNBio mesmo sem estudos sobre os impactos à saúde e ao meio ambiente, não são os únicos a se levantar contra a nova planta modificada. Representantes da indústria de processamento do cereal e fabricantes de pães, massas, biscoitos e afins se manifestaram contrários à liberação.A Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), que reúne mais de 40 moinhos em todo o país, consultou seus associados. Pelo menos 80% são contrários ao trigo transgênico. E 90% desses disseram que procurariam outros fornecedores. A associação consultou também entidades representativas da cadeia do trigo na Argentina. Entre elas a Federação Argentina da Indústria Moageira, as Câmaras Arbitrais Argentinas e Associação dos Exportadores Argentino. “Fomos informados da posição contrária à produção e comercialização dos produtos transgênicos, manifestada publicamente junto às autoridades daquele país”, informou a Abitrigo por meio de nota.

Medo do “T” no rótulo

A entidade destacou ainda não ter identificado nenhum movimento de demanda dos consumidores brasileiros por soluções transgênicas. “Ao contrário, há manifestações de associações de consumidores com restrições ao uso desses produtos transgênicos. Opiniões emitidas em eventos regulatórios, processos judiciais, manifestações de órgãos de defesa de consumidores e clientes permitem inferir que o mercado brasileiro se posicione de forma reativa e preocupado quanto à adoção de alimentação transgênica”.Também por meio de nota, a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi) declarou estar preocupada com a aceitação de produtos elaborados com cultivos transgênicos pelo consumidor. “Há apreensão da indústria na rotulagem dos produtos com ingredientes transgênicos, que o Decreto 4.680/2003 e a Portaria 2.658/2003 regulamentam com a colocação do nome do ingrediente GM, das espécies doadoras dos genes e do triângulo – símbolo de transgenia”.

Trigo suspeito

Tamanha rejeição à novidade é por se tratar de um alimento de consumo diário, em várias refeições, por pessoas de todas as faixas etarias e de risco. “Não há precedentes no planeta, não oferece possibilidade de monitoramento em separado e os estudos são insuficientes. Tudo muito suspeito”, avalia o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, integrante da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).Melgarejo vê semelhança entre o processo do trigo transgênico e do arroz, que tramitou na comissão em 2010 mas não entrou em votação. Os agricultores e suas federações impediram. Mas se tivesse ido ao plenário, certamente teria sido aprovado, como acontece sempre desde que a CTNBio foi criada, em 2005.Seja como for, pressão pela aprovação é o que não vai faltar. As vendas das sementes depende da liberação no Brasil. Tanto é que a Bioceres já vinha negociando com o governo de Jair Bolsonaro desde o início do mandato, segundo o jornal de negócios argentino Ámbito.


Edição: Paulo Donizetti de Souza

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