EUA: Novo manual do Pentágono equipara jornalistas a espiões, terroristas e sabotadores

Entidades jornalísticas se preocupam com nova norma por considerar que o manual lançado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos dá a militares licença para deter esses profissionais e ocasionalmente atacá-los. Além disso, há a noção de que isso pode ser usado por governos em todo o mundo para justificar comportamentos não democráticos.

O documento do Pentágono, com mais de mil páginas, reinterpreta as Leis de Guerra, como são conhecidos os princípios do direito internacional sobre justificativas aceitáveis para se entrar num conflito armado. No entanto, o manual, de linguagem vaga e contraditória, também define os parâmetros para o tratamento de jornalistas que cobrem conflitos sem, no entanto, se basear em nenhum caso, lei ou tratado específico.

????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????Jornalista durante cobertura do conflito na Ucrânia em 2014

De acordo com a nova definição, jornalistas podem ser considerados “beligerantes sem privilégios”, termo aplicado a suspeitos que têm menos direitos do que prisioneiros de guerra e podem, portanto, ser punidos como terroristas, espiões e sabotadores, que são punidos com leis nacionais, podendo ser esta, inclusive, pena de morte.

O texto diz que “a transmissão de informação (como fornecer informação de uso imediato em operações de combate) pode constituir participação nas hostilidades”. “Cobrir operações militares pode ser muito similar a coletar dados de inteligência ou mesmo espionagem. Um jornalista que atua como espião pode se sujeitar a medidas de segurança e ser punido se capturado”, diz o texto, que incita governos a “censurar o trabalho de jornalistas ou tomar outras medidas de segurança para que não revelem informações sensíveis para o inimigo”.

Na semana passada, o jornal New York Times alertou, em editorial, que “permitir que este texto funcione como guia causará danos severos à liberdade de imprensa” e que “a Casa Branca deveria exigir que o secretário de Defesa, Ashton Carter, revise este conteúdo que contraria a lei e os princípios americanos”.

Para o fundador e diretor executivo da Global Journalist Security, Frank Smyth, “isso qualifica práticas infelizes iniciadas no governo Bush, com seu tratamento aos jornalistas na guerra ao terror, e dá uma estrutura formal que permite que se detenha um jornalista à margem das leis de guerra, sem evidência, por tempo indefinido”.

Ele acrescenta que “incluir jornalistas na mesma categoria de espiões e terroristas abre um tremendo potencial para abuso, especialmente num momento em que governos, milícias e forças insurgentes pelo mundo vêm abusando de jornalistas como nunca, na Nigéria, no Iraque, na Ucrânia, no Congo. Dá aos militares licença para detê-los, senão ocasionalmente atacá-los. E a noção de que isso pode ser usado por déspotas em todo o mundo para justificar seu comportamento é uma grande preocupação”.

Na mesma linha, o secretário-geral da organização Repórteres Sem Fronteiras, Christophe Deloire, enviou uma carta aberta ao Pentágono na qual argumenta que “essa terminologia ‘beligerantes sem privilégios” dá margem para interpretações diversas, colocando jornalistas em situação de perigo”.

O documento chega em um momento de aumento da repressão ao trabalho jornalístico. De acordo com o CPJ (Comitê de Proteção de Jornalistas), dos 61 repórteres mortos no ano passado, 59% cobriam guerras.

Mas, o porta-voz do Departamento de Defesa, o comandante Joe Sowers, defendeu a medida: “o departamento reconhece e respeita o trabalho vital dos jornalistas. Seu esforço de colher e disseminar notícias é essencial a uma sociedade livre —ressalta. — Mas defendemos a precisão do manual, um recurso importante e legal para ser usado por militares e conselheiros civis que servem no Departamento de Defesa. O manual vai ajudar a disseminar informações sobre as leis humanitárias internacionais e será particularmente útil para conselheiros jurídicos que assessoram comandantes em operações militares”.

O principal autor e alto advogado do Pentágono Stephen W. Preston, renunciou semanas após a publicação do documento.

Fonte: OperaMundi.

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