Defensoria Pública busca com a Prefeitura de São José uma solução para os moradores das ocupações Vale das Palmeiras e Boa Vista

Foto: Dorva Rezende
Por Dorva Rezende*
Ex-radialista, colega de figuras conhecidas da crônica esportiva catarinense como Miguel Livramento e Roberto Alves na Rádio Guarujá, Maurílio João dos Santos, 66 anos, perdeu a casa que tinha na Rua João Cândido da Silva, no Balneário do Estreito, em Florianópolis, em um incêndio ocorrido em maio do ano passado. “Perdi tudo, só fiquei com a roupa do corpo”, conta Maurílio, que acabou vivendo alguns meses na rua até que uma assistente social conseguiu a doação de materiais para a construção do casebre de um cômodo onde ele mora, agora, na Ocupação Vale das Palmeiras, no final da Avenida das Torres, na altura do Jardim Zanellato, em São José.

A casa de Maurílio é uma das residências ameaçadas de demolição em uma ação civil pública do MPSC, medida suspensa por uma liminar obtida na semana passada pela Defensoria Pública de Santa Catarina, por meio do seu Núcleo de Habitação e Urbanismo e Direito Agrário. Na tarde de quarta-feira (14 de abril). A coordenadora do NUHAB, defensora pública Ana Paula Fischer, intermediou uma reunião de representantes dos moradores da Ocupação Vale das Palmeiras, na Prefeitura de São José, com o secretário de Assistência Social do município, Lédio Coelho, com o secretário adjunto de Planejamento, Samuel Anselmo, e com o arquiteto da Seplan municipal, Fernando Aquino. Também estiveram na reunião os advogados José Mussi, da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SC, e Célio Santos, representante da comunidade Boa Vista, vizinha ao Vale das Palmeiras, e também sob ameaça de remoção.

Uma nova reunião será agendada, desta vez com a participação do prefeito de São José, Orvino Coelho de Ávila, e do procurador-geral do município, Rodrigo João Machado. Segundo a defensora pública Ana Paula Fischer, a intenção é criar diálogo com a Prefeitura para que sejam implementadas políticas públicas que resolvam definitivamente o direito à moradia da comunidade, e que sejam garantidas medidas que permitam a manutenção da população na área enquanto a solução definitiva não seja promovida pelo Município.

Também foi acordado que o CRAS – Centro de Referência de Assistência Social do Jardim Zanellato fará o cadastro dos moradores para que seja garantido o direito de todas famílias que atualmente residem na área, registro importante para definir o número de crianças e adolescentes, pessoas idosas e com deficiência se encontram na localidade, pois exigem um atendimento prioritário e especializado. Também foi solicitada a iluminação dos postes da Avenida das Torres em frente às ocupações Boa Vista e Vale das Palmeiras, pois a escuridão no local traz ainda mais insegurança aos moradores.

“Estamos tentando resolver o problema de forma efetiva. A moradia é um direito garantido a todos e deve ser implementado através de políticas públicas efetivas não só para garantir um local de habitação a essas pessoas, mas o acesso a todos os serviços essenciais e a tranquilidade de morar sem medo de remoções forçadas. O NUHAB luta para que o Município respeite e garanta o direito à dignidade dessas famílias, pois a ocupação somente se deu diante da ausência de políticas habitacionais dirigidas à população de baixa renda em São José. São mais de 150 famílias que não têm onde morar se forem retiradas da área e não foram oferecidas medidas adequadas para acolhimento ou auxílio às famílias por parte da Assistência Social. O despejo desses moradores durante a pandemia só irá agravar a situação de risco em que eles já se encontram e não resolverá o problema, pois ou irão às ruas ou buscarão outras áreas no município”, disse a coordenadora do NUHAB, Ana Paula Fischer, na reunião com os representantes da Prefeitura, lembrando que, em fevereiro deste ano, o Conselho Nacional de Justiça aprovou recomendação aos juízes e juízas para que não realizem despejos coletivos durante a pandemia da Covid-19.

Foto: Dorva Rezende

Moradores

Um grupo de 30 moradores das ocupações Vale das Palmeiras e Boa Vista se reuniu em frente à sede da Prefeitura de São José levando cartazes contra a destruição das casas durante a pandemia e aguardaram o resultado da reunião. A manifestação pacífica foi acompanhada pela Guarda Municipal de São José, e pelos membros das Brigadas Populares, que prestam assistência aos moradores da ocupação.

Um dos representantes dos moradores que participou da reunião na Prefeitura, Eurismar Ferreira, 38 anos, veio de Manaus com a família (a mulher, dois filhos, a mãe de 62 anos e a avó de 96, mais a sogra, de 67 anos) para Santa Catarina em 2013. Atualmente desempregado em função da pandemia, trabalhou em frigorífico, foi segurança em supermercado e motorista de aplicativo, até perder o emprego e não ter mais condições de pagar o aluguel da casa em que morava em Biguaçu.

“Moro ali na ocupação há um ano e meio, comecei no barro, na lona, no frio, até construir a nossa casa. Eu gostaria de saber como a Prefeitura nos vê? Por quê a recusa em conversar com a gente, por quê a violência? A PM e a GM vêm nos intimidar com escopeta, pessoal a cavalo dando coice em casa de idosos. Somos pessoas de bem, e acho que vocês não entendem como é a vida ali. Acordo às 5h da manhã com medo de uma ação (de remoção). Eu quero paz, para a minha família. Eu sei que estou errado (em ocupar), mas eu quero ser certo, quero ser digno. Quero trabalhar e acabar o meu barraco. Me digam, como posso ser certo?”, disse, emocionado, na reunião com o secretariado da Prefeitura.

Catarinense de Campos Novos, Nelinho de Oliveira, 41 anos, também está na Ocupação Vale das Palmeiras há um ano e meio, junto com a mulher Claudia Francieli da Silva, 38 anos, e três filhos adolescentes. Pedreiro e carpinteiro, Nelinho perdeu o emprego, segundo ele, por discriminação em função de sua obesidade. “Estamos lutando por uma moradia digna, se não for possível ficar lá, que nos deem um outro lugar para morarmos”, afirmou.

Nascido em Belo Horizonte, Ricardo Francisco dos Santos, 42 anos, chegou em Santa Catarina com a esposa Renata, que sofre de depressão e diabetes, em 2017. Morou em Florianópolis e depois no Jardim Zanelato, até não conseguir mais pagar aluguel, já que as vendas dos produtos de limpeza que fabrica e vende de porta em porta minguaram, principalmente com a pandemia. “Estou na ocupação há um ano e quatro meses. Tudo o que queremos é uma solução, pois é difícil viver com medo de ser despejado”, disse ele.

Com uma filha deficiente sob os cuidados da Orionópolis de São José, o paranaense Reginaldo Caetano Xavier, 47 anos, vive há 21 anos em Santa Catarina e trabalhava instalando aparelhos de ar-condicionado até ficar desempregado em função da pandemia. “Eu morava ali no Zanellato, mas não consegui mais pagar o aluguel”, explicou. Mineira de Juiz de Fora, Scarlett Agostinho, 40 anos, chegou há seis meses com o marido em Santa Catarina e comprou a casa de um ex-morador que deixou a ocupação. “Com o dinheiro que tínhamos, foi o que conseguimos comprar. O que a gente busca é uma vida digna, com melhores condições, que a Prefeitura nos ajudasse fazendo melhorias lá na comunidade, que a gente não precisasse mais subir trilhas até chegar em casa”, disse ela.

Foto: Dorva Rezende

Missionária de uma igreja pentecostal, a manaura Eldira Simões, sogra de Eurismar, vive sozinha num cômodo que ele construiu para ela. “Minha filha e meus netos já estavam aqui. Sou aposentada no INSS, mas eu pagava um aluguel de 500 reais e o que restava era muito pouco para viver, por isso vim para a ocupação, há seis meses. Podia morar com eles, mas eu prefiro ter o meu cantinho, a minha privacidade”, afirmou Eldira.

Há quatro anos em Santa Catarina, o goiano David Pereira Costa, 37 anos, conhecido na comunidade como Soldado, por estar sempre disposto a ajudar os demais moradores, deixou o emprego de eletricista em busca de uma vida melhor no sul do país. “Já conhecia Florianópolis e gostei muito daqui. Vim com a mulher, a filha ficou com a minha mãe em Goiânia até podermos trazê-la para cá. Morávamos na Bela Vista, em Palhoça, até eu não conseguir mais pagar o aluguel. Estou aqui há um ano e três meses, construí minha casa sozinho, amassando barro, trazendo material no baldinho morro acima”, contou ele.

Com um filho de dois anos, a baiana de Feira de Santana, Diana Pires, 27 anos, trabalhadora de serviços gerais, está há nove anos em Santa Catarina e há nove meses na ocupação. “O posto de saúde não quer dar atendimento porque não temos endereço. Para eles, a gente não existe”, queixou-se ela.

Gaúcho de Bagé, Flávio Augusto Pereira Corrêa, 45 anos, foi um dos moradores que participou da reunião na Prefeitura. Desempregado, mora com a mulher Nidiane e os cinco filhos em uma das primeiras casas construídas na ocupação, em novembro de 2019. “É o que sobrou para a gente. Se nós sairmos daqui, vamos para a pista da Beira-Mar de São José, porque não temos onde morar”, declarou.

*Dorva Rezende é assessor de comunicação da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina.

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