Como prêmio para a Vale, Salles e Zema querem entregar 7 parques nacionais para a mineradora

Sobrepostas, as áreas de proteção ambiental (em verde) e a exploração mineral (em vermelho), segundo o projeto Latentes

Por Maurício Angelo.

A impunidade que a Vale goza desde o crime de Mariana em 2015 ganhou novo capítulo: Ricardo Salles (Novo), o ministro do Meio Ambiente condenado por ser lobista de mineradora em São Paulo e com direitos políticos cassados e Romeu Zema (Novo), empresário multibilionário agora governador de Minas Gerais, querem premiar a Vale com a administração de 7 belíssimos parques nacionais em MG.

A “multa” de R$ 250 milhões do Ibama seria “convertida” para o “investimento” nestes parques: áreas de preservação riquíssimas que são disputadas por mineradoras há muitas décadas. Ou seja: além de não punir a Vale, o poder público quer premiá-la por matar mais de 300 pessoas e causar os maiores crimes ambientais da história do Brasil, entregando de bandeja áreas estratégicas que a Vale sempre desejou.

É o estado admitindo sua absoluta cooptação pela mineradora e sua total incapacidade não só em fazer valer a lei atual e as punições previstas (cerca de 3,4% das multas são efetivamente pagas), como já abrindo mão de pelo menos fingir que irá tentar mudar o modelo mineral brasileiro. Como é típico do seu discurso de coach mitômano, Ricardo Salles anunciou em seu twitter a intenção com absoluta naturalidade.

Estão na mira da dobradinha do Novo parques que hoje são administrados pelo ICMBio, entidade que rumores indicam que Salles quer extinguir. São eles: Caparaó, Grande Sertão Veredas, Caverna do Peruaçu, Sempre-Vivas, Serra do Gandarela, Serra da Canastra e Serra do Cipó.

Segundo o Projeto Latentes, dos 4.536 conflitos socioambientais mapeados no Brasil, Minas Gerais, com 305, é o segundo estado com mais terras indígenas, comunidades remanescentes de quilombolas, assentamentos e unidades de conservação localizadas a 10 km ou menos de pontos de mineração, ficando atrás somente do Pará, com 395. Há mais de 3 mil empreendimentos minerários legalizados e ativos em Minas Gerais e, dos 853 municípios do estado, 475 têm alguma atividade de mineração.

Caso do Gandarela é exemplar

Parque Nacional da Serra do Gandarela foi criado por decreto de Dilma Rousseff em 2014. Com 31,2 mil hectares, mil nascentes, cem cavernas e fósseis de até 40 milhões de anos, a Serra do Gandarela faz parte da Serra do Espinhaço, declarada reserva da Biosfera pela Unesco. Estima-se que 60% da água consumida em Belo Horizonte e 43% da água que abastece os municípios da região metropolitana provenham do Gandarela.

Alvo de disputas entre mineradoras e ambientalistas há anos, a criação do parque já simbolizou, no entanto, uma importante vitória da Vale. O decreto destinou para a Vale uma área maior do que a prevista inicialmente para a execução do projeto Apolo, orçado em R$ 4 bilhões para a exploração de minério de ferro na serra. Foi oferecida à Vale uma área de 1,7 mil hectares, mas a companhia demandou 5,3 mil hectares. A própria área do parque foi reduzida em 7 mil hectares diante da previsão inicial.

Na época, a Vale já tinha pronto uma plano de expansão para a mina Apolo. Um relatório técnico previa o aumento da capacidade de produção da mina, inicialmente programada para 24 milhões de toneladas anuais de minério de ferro, para uma capacidade de 37,5 milhões de toneladas ao ano. Outro estudo também foi encomendado para medir a área que a mineradora iria precisar para futuras expansões com diferentes volumes de produção.

Com a “sugestão” do ministro do Meio Ambiente “acatada” pela Vale, a mineradora ganha de presente uma área que reivindica há anos e que já tem planos prontinhos de exploração. Como desfaçatez pouca é bobagem, Salles anuncia a entrega como uma “saída ecológica” com verniz de “investimentos em infraestrutura” para o “ecoturismo”.

No meio do caminho, porém, tem o arcabouço legal. Salles disse que é preciso “conferir se é juridicamente possível”. O Ibama, que participa das “negociações”, tem na presidência Eduardo Fortunato Bim, procurador de carreira da Advocacia Geral da União e doutor em direito do Estado pela USP. Já o presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard é médico veterinário e fundador e presidente da organização não governamental Ecotrópica, que gere as reservas Acurizal, Penha, Rumo ao Oeste e Dorochê, na região do Pantanal. Ambos os órgãos está tutelados por Salles, que proibiu Ibama e ICMBio de se manifestarem sem autorização prévia.

50% da área do Gandarela ainda são da Vale

Excelente matéria recente da Deutsche Welle informa que o parque, oficialmente, ainda não tem a posse de nenhum dos 31 mil hectares previstos.

“Vamos receber as terras via compensação ambiental das empresas”, afirma Tarcísio Nunes, diretor do parque nacional. Do total, 50% da área do parque ainda são da Vale e 20% são da mineradora AngloGold. Samarco e imobiliárias são donas do restante. “Há pedidos de lavra por todo o território. Mas uma vez que a área virou parque, não se pode mais minerar”, diz Nunes.

A Vale confirmou que 16 mil hectares – dos 22 mil que detém na serra do Gandarela – estão dentro da área de proteção integral. “A destinação desse terreno ao parque nacional encontra-se em fase de regularização fundiária, em acompanhamento direto pelo ICMBio”, respondeu.

Na prática, a “saída” proposta por Salles e Zema entrega tudo que a Vale sempre quis. E estamos falando apenas de um dos 7 parques anunciados como prêmio pelos maiores crimes ambientais do Brasil e a morte de 300 pessoas. No último dia de 2018, portaria do MMA criou um mosaico de proteção para as unidades de conservação do Quadrilátero Ferrífero que incluem também o Gandarela, o que não deve ser impedimento.

Por enquanto, a Vale não tem autorização para minerar na área que ficou de fora do parque. “O Projeto Apolo foi amplamente reformulado e a revisão do Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental foi protocolada em julho de 2018”, afirma a empresa. A análise do processo ainda não foi retomada pelo governo estadual de Minas Gerais.

“Dentro do Quadrilátero Ferrífero, a serra do Gandarela é o último reduto ainda não impactado pela mineração de ferro”, ressalta Paulo Rodrigues, geólogo e membro do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela.

Salles e Zema escancaram que a Vale literalmente faz o que quer em Minas Gerais e no Brasil.

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