Brasil: Estado e corrupção – 2

Por Juan Luis Berterretche, para Desacato.info

Brasil herdou a corrupção do império português. Recordemos que o desembargador, Pero Borges, enviado em 1548 pelo rei João III ao Brasil, desempenhou a função de administrador da Justiça com o cargo de Ouvidor-Geral, como a autoridade judicial máxima depois do governador geral. Um ano antes de viajar ao nosso continente tinha sido condenado a devolver ao império o dinheiro que desviara das obras de construção de um aqueduto em Alentejo estava suspenso por três anos no exercício dos cargos públicos. Podemo-nos imaginar com qual “decoro” conduziu a justiça imperial no Brasil este personagem histórico.

Sobre a corrupção republicana mencionaremos só um recorde da década de 90, não superado no século XX: o consumado pelo juiz Nicolau “Lalau” dos Santos Neto, presidente do Tribunal Regional de Trabalho de São Paulo (TRT-SP) de 1990 a 1992. E que veio presidir um cargo mais lucrativo: a comissão de obras do TRT em meados de 1997. Cumprindo essa função e de acordo com o Ministério Público os desvios de dinheiro na construção do edifício do Forum Trabalhista geraram ao Estado prejuízos de R$ 1.200 milhões em valores atualizados. Estima-se que três quartas partes dos dinheiros públicos destinados à obra eram malversados. Condenado “Lalau” pela justiça em 2002 se beneficiou com prisão domiciliar em sua mansão do bairro Morumbi (SP) na maior parte do tempo e depois, com o indulto de Natal em 2014. Em 2015, está pleiteando na justiça para que lhe seja devolvida sua aposentadoria e lhe sejam restituídos seus bens, produto do desfalco aos dinheiros públicos. Seu sócio era o ex-senador Luiz Estevão de Oliveira Neto (PMDB-DF) dono do Grupo Empresarial OK, que perdeu seu mandato em 2000 como senador ao se comprovar sua relação com a fraude. Estevão já teve prisão domiciliar por falsificação de documentos, mas, até meados de 2015 tinha conseguido preterir no Supremo Tribunal Federal a condena pendente de 31 anos de prisão pelas fraudes junto ao inefável “Lalau”. O terceiro cúmplice do grupo era o empresário Fábio Monteiro de Barros Filho, dono da construtora Incal Alumínio, encarregada da obra. O caso é paradigmático porque inclui os protagonistas comuns em esquemas de corrupção estatal: um juiz, um parlamentar-empresário e um empresário de obras públicas.

A documentação histórica demonstra que desde a colônia até hoje, a suposta “fazenda pública” sempre funcionou como um ativo patrimonial dos grandes empresários privados em conluio com os principais agentes estatais, e representantes políticos. Isto implicava que a corrupção se tornava pública se tratava-se de pequenas importâncias /1. A corrupção política no Brasil é uma prática fundamental para garantir a desigualdade social. Coloca-se sempre como barreira entre os direitos do cidadão comum e seu acesso aos recursos do Estado.

Durante o “lulismo” jogou um papel importante para a acumulação de capital das corporações da construção ou ligadas à indústria petroleira, -por exemplo-, que se transformaram a partir das “licitações” na base de propinas de obras públicas, em transnacionais. Como os definiu Dilma com toda precisão, os diferentes Programas de Aceleração do Crescimento (PAC) garantiram um “festival de licitações”. Jogou um papel de primeira linha também como contrapeso aos avanços nos direitos sindicais, sociais: o aumento do salário mínimo durante o “lulismo” que podia reduzir os lucros empresariais. Para o capitalista brasileiro tem sido em toda sua história um fator fundamental e indissimulável. E aos empresários pouco interessa qual é o partido que usufrui o governo, enquanto a corrupção continue sendo o elo que os une à “fazenda pública”. A corrupção se combina e complementa com o racismo para manter à população negra em um nível de acesso inferior à saúde, educação, transporte e serviços sociais em geral.

Sem lugar a dúvidas, a Internet e a democratização da informação, impulsionaram o conhecimento e a rejeição à corrupção por grandes contingentes populares. A população começa a compreender que esse privilégio que se outorga às classes abastadas, provém da miséria e da desigualdade que se impõe à grande maioria da população. E a impunidade que desfrutavam empresários e representantes políticos começa a não ser mais tolerada. Corrupção e racismo devem ser identificadas como complementares pelos setores populares em geral que não têm acesso a direitos sociais fundamentais.

Como podemos apreciar a atual decomposição moral da classe política joga um papel imprescindível para o funcionamento do capitalismo brasileiro.

O projeto de desenvolvimento “lulista” que prometia que “todos ganhassem” outorgou um lugar chave à corrupção. A classe política brasileira seduziu e captou os protagonistas institucionais do Partido dos Trabalhadores para essa metodologia. Dirigentes destacados do PT interviram em dois grandes esquemas de corrupção no início deste novo século. O conhecido como “Mensalão” tratou-se da compra de votos de parlamentares de partidos aliados para que aprovassem projetos governamentais. Um esquema aceito com normalidade no Congresso nas Assembleias Legislativas estatais do Brasil, mas, denunciável pela elite se a executavam os adventícios petistas. E a operação denominada “Lava Jato” revelou uma enorme trama de propinas pagas por grandes empresas para poder intervir em obras ou ganhar licitações da Petrobrás em plena etapa da expansão do Pré-sal. Com o complemento de uma ampla operação de lavado de dinheiro e fuga de capitais.

A degradação da classe política hoje domina o Congresso mais do que antes. Os presidentes, tanto da Câmara como do Senado, são representantes de uma bancada majoritária que tem a corrupção como sua prática política privilegiada e permanente. O centro dessa máfia é hoje Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na presidência da Câmara de Deputados, sob a pressão de múltiplas investigações no Brasil e no exterior por lavado e ocultação de dinheiro de propinas. Cunha é também representante de empresas religiosas evangélicas que lucram com os benefícios e isenção de impostos do estado e lavam dinheiro da fraude.

É possível que Cunha seja julgado pelos seus pares no Conselho de Ética da Câmara, um organismo onde 30% dos seus componentes são objeto de 14 procedimentos judiciais no Supremo Tribunal de Justiça e na justiça dos Estados. Com ações penais por improbidade administrativa e indagações por formação de quadrilha, crimes ambientais e fuga de capitais. Alguns deles, com acusações concretas de delatores na operação Lava Jato. Quiçá, Cunha possa ser obrigado a renunciar pelo escândalo público que hoje representa, mas, recordemos que não é um calouro na rapinagem. Iniciou-se com PC Faria na equipe de Collor de Melo e vem exercendo a corrupção com impunidade faz mais de três décadas.

As investigações por corrupção centradas hoje na Petrobrás pela operação Lava Jato concorrem com outra investigação denominada Zelotes iniciada em março de 2015. Pelos poucos dados que vieram à luz, a fraude fiscal talvez alcance os 20 bilhões de reais e supere os subornos na Petrobrás. Nela estão sendo investigados 5 bancos: Bradesco, Santander, Safra, Pactual e Bank Boston, assim como a montadora Ford, BR Foods, a corporação Camargo Correa, Light, o grupo Gerdau e o núcleo RBS associado à Rede Globo em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A fraude se realizava por conselheiros do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (CARF), que é o órgão da Receita Federal encarregado das atuações contra empresas que fraudam o fisco. O mecanismo era cobrar propina de aproximado 10% da dívida pendente ou de infrações fiscais, para suspender ou anular os processos de cobrança. A RBS pagou uma “consultora empresarial” que atuava como fachada dos funcionários do CARF, por uma dívida de R$ 150 milhões, quatro parcelas de R$ 3 milhões. No ‘negócio’ está implicado inclusive o presidente do CARF.

O de Petrobrás e o do CARF são dois grandes casos investigados. Imaginemos a multiplicidade de processos a serem instaurados se forem feitas auditorias sérias de todas as instituições em nível federal, estadual e municipal. No Brasil há uma tradição ancestral da corrupção que abarca todos os níveis do Estado. E isto se reafirmou no plano político a partir da aprovação no Congresso do financiamento de campanhas eleitorais por parte das empresas. O presidente atual da Câmara de deputados conseguiu esse cargo como principal lobista empresarial do Congresso. E a composição majoritária do atual legislativo a decidiram os aportes empresariais na campanha eleitoral.

O PT perdeu a oportunidade de impulsionar uma profunda reforma política no Brasil para terminar com um sistema político a serviço do Capital. Se a tivesse encarado com decisão junto com as mobilizações populares de junho de 2013 que a reclamavam, teria contado com um amplo apoio popular para impô-la. Mas, nesse momento sua estratégia política se centrava nos mega eventos de futebol em aliança com o delinquente internacional Joseph “Sepp” Blatter da FIFA.

A denúncia contra a corrupção institucional e a reforma política são tarefas democráticas pendentes para o movimento multitudinário de trabalhadores e o conjutno de setores populares do Brasil. Mas, devemos ter claro que a corrupção e o racismo são dois componentes inseparáveis que se combinam e potencializam para garantir a desigualdade social no país. E ambos são parte do cenário geral do Terrorismo de Estado, cujos dispositivos seguiremos desenvolvendo.

Referência

1/ O judiciário no Brasil (1 y 2). Por Fabio Konder Comparato. Outras Palavras 17 y 21 de julio 2015.

http://outraspalavras.net/brasil/o-judiciario-no-brasil-sugundo-comparato-1/

http://outraspalavras.net/brasil/o-judiciario-no-brasil-segundo-comparato-2/

Versão em português: Raul Fitipaldi, para Desacato.info

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