Apib cobra explicações sobre MP que excluiu a Funai da estrutura do Ministério da Justiça

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou na tarde da última sexta-feira (20/05) uma carta pública ao governo provisório do presidente interino Michel Temer. A mensagem levada é direta: os povos indígenas não vão aceitar nenhuma medida que promova retrocessos nos direitos constitucionais dirigidos a estas populações, com destaque ao direito à terra.


A Apib pede explicações sobre “os reais motivos que levaram o novo Ministro da Justiça e Cidadania a excluir da sua estrutura governamental a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), conforme Medida Provisória N° 726, de 12 de maio de 2016, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios”, diz a carta.


Leia na íntegra:

CARTA PÚBLICA AO GOVERNO INTERINO DE MICHEL TEMER: NÃO ADMITIREMOS NENHUM RETROCESSO NOS NOSSOS DIREITOS.


A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), instância nacional do movimento indígena, que congrega as organizações indígenas das distintas regiões do país, por deliberação do seu XIII Acampamento Terra Livre – Mobilização Nacional Indígena, realizado no último período de 10 a 13 de maio de 2016, que reuniu cerca de mil lideranças dos povos indígenas de todo o país, vem de público manifestar o seu veemente repúdio contra todos os ataques, ameaças e retrocessos tomados, anunciados ou indicados após a posse do presidente interino Michel Temer, por parte de sua equipe de governo. Os nossos povos e comunidades encontram-se apreensivos e em estado de alerta, portanto exigimos deste esclarecimentos e respeito às nossas reivindicações quanto aos fatos expostos a seguir:


Exigimos explicações quanto aos reais motivos que levaram o novo Ministro da Justiça e Cidadania a excluir da sua estrutura governamental a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), conforme Medida Provisória N° 726, de 12 de maio de 2016, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios. Ressaltamos a importância do referido órgão indigenista, que tem como umas das principais responsabilidades coordenar o processo de formulação e implementação da política indigenista do Estado brasileiro, instituindo mecanismos efetivos de controle social e de gestão participativa, além de responder pela regularização fundiária – a demarcação e proteção das terras e territórios indígenas.


Do mesmo modo, exigimos esclarecimentos quanto à exclusão do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) da estrutura atual do Ministério da Justiça e Cidadania. O órgão é um colegiado paritário entre indígenas e órgãos do governo, responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas, criado recentemente através do Decreto N°. 8.593, de 17 de dezembro de 2015.


Rechaçamos a determinação deste governo interino de regredir ou suprimir direitos conquistados, que atingem diversas áreas da nossa vida: na saúde e educação diferenciadas, na alimentação e moradia, entre outros. Repudiamos, por exemplo, a revogação da portaria que garantia financiamento para mais de 11 mil Unidades Habitacionais do Programa Nacional de Habitação Rural – PNHR, do Programa Nacional Minha Casa Minha Vida, em que diversas comunidades indígenas são diretamente impactadas. Muitas delas inclusive já haviam contratado as obras com a Caixa Econômica Federal e com a revogação da portaria essas construções ficaram comprometidas.


O Governo Dilma promoveu nos últimos meses uma série de medidas que garantem o direito aos territórios indígenas, como a publicação dos Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação de 12 Terras Indígenas, a publicação de Portarias Declaratórias de 14 terras indígenas e a assinatura de Decretos de Homologação de oito terras indígenas.


A APIB entende que o Governo Dilma cumpriu, mesmo que timidamente, apenas o mandato constitucional de demarcar as terras indígenas, ato administrativo de reconhecimento formal de direito originário. Governo nenhum cria terra indígena, reconhece apenas. Portanto, os povos indígenas jamais admitirão que o atual Governo interino revogue essas medidas. Do contrário, estará cometendo ato inconstitucional, uma vez que a Constituição Federal de 1988 alçou os direitos indígenas ao patamar de direitos fundamentais, portanto, cláusulas pétreas, que requerem blindagem constitucional. Rever ou regredir direito originário é e será sempre ato inconstitucional.


Reafirmamos que a terra para nós significa Vida. E como já o reconhecera o Supremo Tribunal Federal, ”a questão da terra” representa o aspecto fundamental dos direitos e das prerrogativas constitucionais a nós assegurados e que sem acesso a ela, somos expostos “ao risco gravíssimo” da desintegração cultural, da perda da nossa identidade étnica, da dissolução de nossos vínculos históricos, sociais e antropológicos e da erosão da nossa própria percepção e consciência como povo. (Ver. Supremo Tribunal Federal. 1.ª Turma. Recurso Extraordinário n.º 183.188/MS. Relator: Ministro Celso de Mello. DJ 14.02.1997).

Por isso, os nossos povos e organizações não admitirão que nossos direitos sejam pisoteados ou revistos, como pretendem os principais membros da sua base aliada no Congresso Nacional – a bancada ruralista, que, movida por visões e atitudes marcadamente racistas, preconceituosas e discriminatórias, e sobretudo pela sua vontade de invadir e explorar os nossos territórios, estão determinados a aprovar a PEC 215/00 e legalizar a “tese do marco temporal”, em detrimento do direito originário dos nossos povos a suas terras, condenando-os ao agravamento de conflitos, perseguições, tentativas de dizimação, enfim, práticas etnocidas. Isso foi alertado, no último dia 16 do presente, pela relatora especial da ONU para os povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, em discurso proferido durante a 15a Sessão do Fórum Permanente da ONU sobre as questões indígenas (UNPFII).


Na contramão das decisões tomadas ou anunciadas por este governo interino, a APIB lembra que há ainda um passivo muito grande de terras, com processos finalizados, para serem demarcadas, mas que dormem nas gavetas do Executivo desde a Constituição, que definiu o prazo de 5 anos para este ato, até 1993. Dessa forma é responsabilidade governamental dar sequência à regularização fundiária das terras indígenas.


O Governo interino de Michel Temer, não pode esquecer que ainda há uma dívida histórica e ética que o Estado brasileiro precisa saldar com os povos indígenas, que seguem tendo seus modos de vida ameaçados e seus direitos negados em nome “da ordem e do progresso”.


Em razão de tudo isso é que repudiamos quaisquer tentativas de retrocesso em nossas conquistas, e exigimos respeito total aos nossos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal e reconhecidos pelos tratados internacionais assinados pelo Brasil. Reiteramos, por fim, a determinação dos nossos povos e organizações indígenas de jamais desistir da defesa de seus direitos constitucionalmente garantidos, não admitindo retrocessos de nenhum tipo.


Brasília – DF, 19 de maio de 2016.

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB

MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA

Foto: Reprodução/CIMI

Fonte: CIMI

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