América Latina e a Operação Condor II

Por Elaine Tavares. 

A Assembleia Nacional da Venezuela, aproveitando-se da ausência do presidente Nicolás Maduro, chamou uma sessão extraordinária em pleno domingo, e preparou um golpe parlamentar para derrubar o primeiro mandatário da nação. Indignados com a negativa do poder eleitoral em realizar um referendo revocatório do mandato, acusam o presidente de golpe e, para finalmente tirá-lo do caminho, acusam-no de quebrar as regras constitucionais. O fato é que a oposição não conseguiu recolher as assinaturas necessárias para a realização do referendo, apresentando uma documentação recheada de irregularidades e fraudes.

Há dois anos que a oposição tenta derrubar Maduro pelo caminho da chantagem econômica, abrindo contra ele uma guerra, na qual escondem produtos e provocam a escassez de alimentos e outros artigos de primeira necessidade. Como o povo segue resistindo e defendendo a revolução bolivariana, a saída encontrada, inspirada nos golpes dados em Honduras, Paraguai e Brasil, foi atacar através do golpe parlamentar.

Assim que o documento que acusa Maduro de ferir a Constituição foi divulgado, depois de uma sessão rápida da Assembleia, grupos de apoiadores ao governo já ocuparam a casa legislativa e seguem ocupando as ruas. A Venezuela vive mais um momento de grande tensão.

As origens

Desde a revolução de 1917 que o comunismo passou a ser considerado o “inimigo” número 1 do sistema capitalista de produção. Afinal, ser comunista é negar todo o processo de destruição da vida que o capitalismo traz. Mas, afinal, o que é comunismo? É uma proposta de sistema político no qual não existem mais as classes sociais, ou seja, nem ricos, nem pobres e tampouco a propriedade privada. Os bens e as riquezas são de todos e devem ser usufruídas de maneira igual, sem que um oprima o outro.

Mas, apesar de ter avançado bastante em muitos pontos, a revolução russa não chegou a vivenciar o comunismo. Ainda assim, passou a ser um exemplo de tudo o que as pessoas não deveriam querer. Um poderoso sistema de propaganda contra as ideias socialistas e comunistas foi construído pelo país mais forte do sistema, os Estados Unidos. A indústria cultural/ideológica nunca deu trégua, desde o cinema, televisão e literatura. Ser comunista era sinônimo de demônio. Mas, o demônio mesmo estava em outro lugar.

Na América Latina o império vigiava cada governo que aparecesse com um caráter mais popular. Bastava um pouco de poder ao povo para todo o contingente de ideologia e de força aparecesse. Foi assim em 1951 quando já aconteceu uma tentativa de golpe contra Juan Domingos Perón, na Argentina e também a formação de uma junta militar na Bolívia evitando a chegada de Paz Estensoro ao poder. Ainda que nenhum dos dois fosse comunista, sua coloração nacionalista já era considerada ameaça. Afinal, defender as riquezas do país ia contra os interesses dos países ricos.

Seguindo o caminho da violência contra a população, em 1952, Fulgêncio Batista, apoiado pelos Estados Unidos, dá um golpe em Cuba e impede que um presidente eleito assuma o comando. Em 1954, é a vez de Jacobo Arbens, na Guatemala, ser sacado do governo por um golpe. E tudo isso porque buscava priorizar a população guatemalteca em detrimento das empresas de frutas estadunidenses. No mesmo ano, o Paraguai também cai sob golpe militar, com Alfredo Strossener assumindo o controle do país. Em 1955 finalmente, na Argentina, também é deposto Perón. Buscava-se apagar qualquer possibilidade popular nesse continente.

O ano de 1959 marca uma viragem na história latino-americana. O povo cubano, em armas, derruba a ditadura de Batista, vence e institui um governo de inspiração socialista. É a primeira vitória popular em décadas, que se mantém e vai inspirando outros movimentos de insurreição em todo continente. Cuba passa a ser uma espécie de câncer para o imperialismo ianque e todas as baterias se voltam para a pequena ilha caribenha. Derrotar os revolucionários cubanos passa a ser uma questão de honra.

Como os Estados Unidos não consegue submeter a ilha, vivenciando algumas derrotas, inclusive militares, o jeito encontrado foi barrar qualquer tentativa de revolução ou de governos populares nos demais países do continente. E é a aí que começa a ser tramada a Operação Condor, um projeto de submissão da América Latina aos interesses estadunidenses que levou a um ciclo de ditaduras militares em praticamente todo o território. Foi um tempo de violência, tortura, mortes e desaparições no qual o inimigo assumiu a cara do “comunismo”. Todos aqueles que lutavam contra a ditadura ou que buscavam uma vida melhor para o povo era logo cunhado como comunista, perseguido, morto ou desaparecido. Milhares de pessoas foram assassinadas, sendo a ditadura argentina a mais cruel, realizando os hoje conhecidos voos da morte, nos quais os lutadores sociais eram despejados, vivos, no mar.

Tudo isso foi feito em nome da luta contra o comunismo, enquanto a maioria das pessoas sequer sabia o que era isso. Alienadas pela formação de um consenso promovido pelos meios de comunicação e pela indústria cultural, as gentes foram adquirindo medo e ódio ao comunismo, chegando a identificar essa forma de organizar a vida como “comedores de criancinhas”. No Brasil, a marcha da família, com deus e pela liberdade, foi um exemplo de mobilização pelo ódio e pelo medo. Mal sabiam os que marchavam que quem comia criancinhas era justamente aqueles que eles estavam nas ruas, a defender.

Foi só nos anos 80 que o ciclo de ditaduras começou a se desfazer. A experiência soviética ruía, o muro de Berlim era derrubado e, por um tempo, a ameaça comunista se dissipou. O império dava como destruído o socialismo e estava pronto para soltar um pouco o laço do pescoço dos latino-americanos, ainda que Cuba seguisse resistindo. Como as ditaduras ceifaram a vida de milhares de lideranças, o campo estava arrasado, o que permitia a volta de uma democracia tímida. E foi assim.

Mas, em 1998 uma novidade apareceria na Venezuela. Hugo Chávez. E, com ele, brotava outra vez o nacionalismo revolucionário. Baseado nas ideias de Pátria Grande, de Simon Bolívar, Chávez propunha a união da América Latina e dava início a uma série de ações para garantir essa situação. Imediatamente os Estados Unidos iniciaram um processo de derrubada de Chávez, criando outra vez um consenso contra as propostas de nações soberanas e livres. Assim, o inimigo da vez passou a ser o “bolivariano”, ou seja, aquele que apoiava as ideias chavistas.

O fato é que atrás de Chávez vieram outros líderes latino-americanos surfando na mesma onda e essa parte do mundo começou a mudar. Governos mais ou menos progressistas iam sendo eleitos, pois as populações já estavam fartas das políticas neoliberais que consumiram a vida de milhões de pessoas por mais de uma década. As cores nacionalistas voltaram a ser respeitadas, as riquezas foram sendo usadas para o bem da maioria, a educação se fortaleceu e novos horizontes se abriram.

Por conta disso, destruir a Venezuela passou a ser o carro chefe dos países centrais, capitaneados pelos Estados Unidos. Um golpe foi tentado em 2002, mas acabou derrotado pela força popular, aliada ao exército bolivariano. Desde então, o país passou a ser alvo de inúmeras tentativas de desestabilização. Até que em 2012 Chávez morre de um câncer avassalador.

Com a morte de Chávez, o castelo de cartas popular na América Latina vai caindo. Por todos os cantos do continente, os opositores dos governos populares e progressistas começam a formular um novo consenso, no qual o comunismo volta a ser o centro das atenções. Como o conceito de “terrorista” parecia não colar nos militantes sociais latino-americanos, o centro do poder decidiu retomar o velho fantasma.

O Brasil foi um exemplo concreto. De repente, o próprio Partido dos Trabalhadores, que realizava um governo tímido, bastante alinhado aos interesses neoliberais, começou a ser identificado como “comunista”, coisa que estava longe da verdade. Colado a esse conceito já profundamente conhecido e temido, apareceu a corrupção. Então, além de comunistas, eram corruptos, e isso formou a base do movimento que levou à queda de Dilma Roussef em um golpe parlamentar, agora em 2016.

Esse consenso, criado e alimentado pelos meios de comunicação comercial, formou o caldo de ódio ao comunismo, do mesmo modo que em 1964. E, ainda que quase ninguém saiba muito bem o que é de fato o comunismo, o temem. E o identificam com ser petista.

Hoje, essa América Latina que experimentou um breve período de transformações populares está em risco. Resistem o governo da Venezuela e o boliviano, mas estão sob ataque.

A queda de Nicolás Maduro é a cereja do bolo esperada pelos Estados Unidos e as elites locais, prontas para a servidão voluntária. Como a classe dominante de cada nação garante seus lucros cortando na carne dos trabalhadores, estão pouco se importando se quem manda de fato é o poder imperial.

Não se trata de defender de maneira cega o governo bolivariano. Muitos são os erros, os equívocos.  Mas, é fato que a queda da Venezuela abre a porteira para um tempo de escuridão em todo o continente. É a Operação Condor II em andamento, de novo, contra os “comunistas”, contra a maioria da população.

Fonte: IELA.

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