“Verdade 12.528” liga violência de hoje aos crimes da ditadura

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Por Marina Amaral. Em maio de 2012, quando a presidente de Dilma Rousseff instituiu a Comissão Nacional da Verdade para investigar crimes cometidos pelo Estado entre 1946 e 1988, movimentos de jovens já surpreendiam a sociedade apontando o dedo para os que deveriam ser alvo dessa investigação: policiais e militares responsáveis por torturas, mortes e desaparecimentos de oponentes políticos da mais duradoura e sangrenta ditadura do país, estabelecida pelo golpe de 1964.

Foram os meninos e meninas nascidos depois de encerrado o regime militar, em 1985, que romperam com seus “esculachos” o silêncio dos bairros de classe média, onde vivem hoje os ex-torturadores, expondo ao som de bumbos seu passado criminoso, descrito em lambe-lambes colados aos postes.“Essas pessoas que assassinaram, que torturaram, que estupraram, que desapareceram com os corpos, essas pessoas levam vidas tranquilas; gozam da aposentadoria de cargos públicos importantes, alguns deles ocupam cargos públicos, alguns deles fazem parte da atual polícia”, explica a jovem Lavínia Del Roio, da Frente de Esculacho Popular, no documentário Verdade 12.528.

Os autores do média metragem (55 minutos) financiado por um crowdfunding que arrecadou 18,5 mil reais são da geração de Lavínia – a jornalista Paula Sacchetta nasceu em 1988 e o fotógrafo Peu Robles, em 1986 – e fizeram o filme movidos pela mesma inquietação. “Não nos importamos com os mortos e desaparecidos políticos? Hoje somem Amarildos. Não nos importamos com a tortura de presos políticos? Hoje jovens negros, pobres e da periferia são torturados, todos os dias, da mesma forma. O que buscamos mostrar no filme é exatamente isso: que a impunidade do passado dá carta branca à impunidade do presente”, disse Paula ao Blog do Sakamoto, no lançamento do documentário em outubro do ano passado.

A ideia de fazer “um videozinho de 5 minutos para jogar na Internet” surgiu enquanto os dois discutiam o significado da criação da Comissão da Verdade e virou um documentário premiado exibido em mostras de cinema de Brasília a Berlim. Seu propósito: iluminar um passado escondido com a cumplicidade dos mais velhos, como reconhece o ex-ministro e ex-preso político Franklin Martins logo na abertura do filme.“Passado esse tempo todo, o país não tem a ideia da extensão dos crimes que foram cometidos, da atrofia que isso gerou no país, e da imensa da dor das famílias que perderam pessoas e muitas vezes não sabem em que circunstâncias”, diz o ex-ministro.

Um dos momentos mais pungentes do documentário, aliás, marcado por depoimentos fortes de parentes e vítimas de torturas, é o da psicóloga Vera Paiva, filha do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971, quando ela tinha 17 anos.“Cada um dos cinco filhos decidiu que ele tinha morrido numa data diferente. Quem tem alguém desaparecido, que não viu o corpo, sente que ao aceitar a morte, mata. Se eu decidisse que meu pai tinha morrido, eu era cúmplice do assassinato, porque eu estava matando antes de ter certeza que ele estava morto”, desabafa.

Papel da comissão em xeque

A indignação que transborda dos olhos de Veroca e outros “órfãos do talvez”, como define Franklin, é uma espécie de motor do documentário, e coloca em xeque o papel da própria comissão ao evoluir para um inevitável clamor por justiça. Que ela não pode cumprir, já que não é um “tribunal”, e não pode passar por cima da lei da anistia como destaca um de seus presidentes, o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro.

“A gente sabe que quem matou está vivo, a gente sabe aonde está, a gente sabe o que está fazendo, e a gente sabe que tem documentos porque uma ditadura não consegue desaparecer com um ex-deputado sem deixar rastro”, diz a certa altura Marcelo Paiva sobre o desaparecimento do pai, um dos poucos casos que avançaram para um desfecho através de depoimentos e documentos surgidos na esteira das investigações da comissão – ele foi morto no DOI-Codi do Rio, enterrado em uma praia do Recreio dos Bandeirantes e seu corpo, desenterrado e possivelmente desmembrado, atirado em um rio.

O papel principal da comissão seria “pedagógico”, expondo os crimes à sociedade, nas palavras de Paulo Sérgio Pinheiro, o que teria resultados melhores se a comissão não tivesse optado pelo sigilo de depoimentos e investigações, na opinião do jornalista Bernardo Kucinski, irmão da desaparecida Ana Rosa Kucinski, entrevistado no filme. “Ora, uma comissão da verdade que trabalha escondendo a verdade é uma contradição. Porque se a comissão não tem finalidades processuais a única finalidade que ela pode ter é criar uma consciência nacional a respeito desse tema. Para isso os testemunhos tinham que ser públicos, se possível até televisionados”, diz.

Verdade 12.528 acaba como se espera que termine a comissão da verdade: com uma série de perguntas sem resposta dos próprios entrevistados. Parece, porém, ter cumprido seu papel: foi exibido em diversas regiões do país, sempre seguido de debates partilhados com entusiasmo pelos dos jovens – da periferia do Capão Redondo em São Paulo à cidade de Marabá, no Pará, com a presença de camponeses torturados e presos durante a guerrilha do Araguaia (1971-1974).

Sua crença no poder da informação para exigir justiça e mudar finalmente o país encontra eco em um dos melhores depoimentos do filme, do procurador do MPF-SP, Marlon Weichert. “Eu não tenho dúvida de que a impunidade do passado inspira e dá tranquilidade ao torturador de hoje. Ele tem o exemplo de que o Estado passa mão, de que se necessário o Estado protege, que o Estado vai editar leis que o protegem se ele agir desse modo, ele tem certeza de que o comandante dele pensa igual e isso gera uma cadeia de violência porque ela é alimentada pela cadeia da impunidade”, conclui enquanto surgem na tela imagens chocantes da violência policial de 2013.

Documentário: “Verdade 12.528?

Direção: Paula Sacchetta e Peu Robles,

Duração: 55 min

Assista ao trailer do documentário AQUI

Foto: Reprodução/Ponte.org

Fonte: Ponte.org

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