Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.
Querida mãe,
Queria céu onde é muro. Queria mar no lugar que me apoio. Parede. Queria novas cores e caminhos nestes corredores que percorro de acordo com as horas e permissão. A gente apanha mais de uma vez ao dever pro estado. Apanha no caminho, apanha durante. Apanha do homem da lei dando veredicto. Apanha dos ratos andando por nossos colchões. Apanha pela comida e tempo disponível pra pensar no que fez. E lá fora vai ser mais pau quando querer assinar carteira. Vagabundo! Vagabundo! Mesmo que não digam mais, ainda ecoa aqui a voz. Quem bate em quem largou a gente? Deviam meter a mão em outra gente. Isso sim.
Hoje acordei e fiz contas. O número de tempo que o homem da lei deu em relação ao tempo que consigo matar trabalhando aqui vai resultar em minha saída mais ou menos na idade que o tio tem hoje. Talvez careca igual e com a cabeça branca onde restar cabelo. Comeram meu tempo por pegar coisas que não são minhas. Aí fico pensando. Dava pra pagar por essas coisas, mas fui até o momento que deu. Sem emprego a gente pira. Nem sei se mudaria. Entendeu?
As grades deixam a gente tonto. Lá fora, comentaram, tá mais fácil pegar em armas. O difícil é ficar aqui. Aqui há mais tempo no tempo e só não me arrebento pois penso no chão que tanto limpa por um salário, minha mãe.
Quando menino me deu um trevo da sorte, lembra? Eu guardei pelo tempo que pude guardar. Até que o tempo o levou. Dias, horas. Vão levando tudo, não é? No começo senti dor, mas depois me ocorreu que a sorte ficava. E que pelo fato de você ter achado e me dado, estaria com sorte pra sempre. Não contava que a sorte é coisa de quem chama de sorte e nessa fui sorte de alguém. De alguém fardado que bateu a meta de prender eu assim como prende tantos eu’s todos os dias. Queria ter a “sorte” de quem executou na cidade do Cristo. Eles têm 80 sortes e, veja só, eu só preciso de uma. Quando se veste a roupa certa tudo é favorável. Se falar a língua de quem manda, aí é sorte em dobro. Ou em 80 tiros.
Se leu, obrigado pela leitura. Vou ficando por aqui. Daqui a pouco é domingo e não sei se quero que venha. Se vier, explodo em alegria e nasce nesse vaso (eu) alguma semente. Caso não venha, travo severa batalha ao longo do dia entre crer que foi melhor e a saudade. Você decide. Pense na dor de suas costas. Daqui a pouco é domingo e, caso venha, será dia de nascer e morrer num breve intervalo de tempo.
Imagem tomada de Informador Valdiviano
Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.
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