Uruguai às vésperas do retorno da Frente Ampla. Por Gustavo Veiga

Viajamos para Montevidéu para a transferência presidencial da direita para a Frente Ampla. A centro-esquerda e a esquerda estão unidas no governo após um hiato de cinco anos com Luis Lacalle Pou. Os problemas que Yamandú Orsi terá que enfrentar. A partir de hoje cobriremos os acontecimentos na capital uruguaia.

Foto: Mauricio Zina / adhocFOTOS

Por Gustavo Veiga.

A transferência de governo no Uruguai está se aproximando. A direita deixa uma entente liderada pelos centenários partidos Blanco e Colorado e a Frente Ampla retorna ao poder. Esta será a quarta vez no século XXI. Um retorno que, segundo um membro do futuro gabinete de Yamandú Orsi, o ministro designado da Educação e Cultura, José Carlos Mahía, “representa a derrota da fratura, da mentira, da desqualificação pessoal como ferramenta”. A faixa presidencial deveria mudar de mãos neste sábado, ao ar livre, na Praça da Independência. Mas o clima pegajoso desta cidade, úmido, com nuvens ameaçadoras e térmicas tão pesadas quanto as de Buenos Aires, atrapalhou os planos. A cerimônia será realizada no auditório do SODRE, sede do Serviço Oficial de Radiodifusão, Representações e Espetáculos.

Em meio aos carnavais – os mais longos do mundo, que vão de janeiro aos primeiros dias de março – a tranquilidade de Montevidéu não é uma ficção daquelas que Mario Benedetti retratou como nenhum outro autor. É bem parecido com o que se encontra no imaginário popular. “Temos a impressão de que todos nos conhecemos aqui. Caminhar pela 18 de Jullho (principal avenida de Montevidéu – N.T.) é como caminhar pelo pátio da sua casa de família”, escreveu ele. A realidade também nos dá sinais de que a vida aqui é muito cara. Um apartamento “decente”, nos diz um taxista, não sai por menos de US$ 400 por mês.

A cartografia socioeconômica desta capital permanece a mesma de outubro de 2024, quando ocorreu o primeiro turno das eleições, colocando o atual presidente eleito no limiar de uma vitória confirmada em novembro. Os preços continuam subindo vertiginosamente e os salários estão em forte declive. Tem o maior custo de vida da América Latina, embora Buenos Aires conteste essa triste liderança. Falando do nosso país, o presidente argentino Javier Milei não estará presente na posse de Yamandú. Sua presença estaria fora de  lugar,  acostumado que está a fazer de claque ao seu reverenciado Donald Trump.

No Uruguai, fala-se em uma transição ordenada. Há vozes abafadas que apontam o oposto. Ou apontam os problemas que a Frente Ampla enfrentará quando o professor de história de Canelones se mudar para a Torre Executiva, a sede presidencial do governo. Há três questões que se destacam na lista de questões controversas. Projeto Neptuno ou Arazatí, o Trem Central e a compra de radares para o aeroporto. No jargão discursivo da direita mais conservadora, elas estão ligadas ao progresso. Tema que não se animaria a discutir se não fossem as suspeitas de negócios que se insinuam nas tertúlias de pessoas informadas. Elas ocorrem na política e no jornalismo, que não sentirão falta de Luis Lacalle Pou e seu intervalo neoliberal de cinco anos. Precedido por três mandatos consecutivos da Frente Ampla e agora seguido por outro até 2030.

Neptuno é um projeto que consiste em captar água do Rio da Prata com o objetivo de fornecer quase 30% do volume para abastecer a área metropolitana de Montevidéu. Um dos mais ambiciosos dos últimos 150 anos. A crise hídrica durante o governo Lacalle Pou foi uma catástrofe ambiental. A operação para resolver o problema levantou críticas da comunidade científica e também gerou uma discussão sobre os termos do contrato entre o consórcio privado e a estatal.

Algo semelhante aconteceu com as ferrovias. A empreiteira privada que  construiu a obra buscará uma arbitragem internacional porque alega que não recebe pela mesma desde dezembro de 2023. A cifra é milionária. O deputado e presidente da Câmara dos Deputados, Sebastián Valdomir, do MPP, postou em sua conta X: “Mais um julgamento contra o Estado que o próximo governo terá que enfrentar. Mais pedras escondidas abaixo do caranguejo.”

A terceira questão de desfecho incerto, deixada pela direita em recuo, é a compra de radares da multinacional espanhola Indra. O acordo com o governo de Lacalle Pou estabelece a modernização de dois radares militares (um fixo na cidade de Santa Clara, no nordeste do país, e outro móvel), a aquisição de outros três e a opção de compra do radar localizado no aeroporto de Carrasco.

Problemas que Orsi herdará e terá que resolver quando assumir a presidência. Mas, por enquanto, ele terá que seguir o protocolo e aproveitar seu momento culminante, que deverá ser uma cerimônia com todas as formalidades  que o caso amerita.

Os atos estão programados para começar às 14h no Palácio Legislativo com o compromisso de honra perante a Assembleia Geral do presidente eleito, Yamandú Orsi, e da vice-presidenta, Carolina Cosse. Após serem empossados ??pelo senador Alejandro Pacha Sánchez – que será o futuro secretário da Presidência – eles viajarão em um veículo elétrico até o Auditório do SODRE. O número de veículos desse tipo cresce a cada dia no Uruguai. O transporte público limpo coloca o país na vanguarda. O Uruguai supera em muito o indicador sul-americano e também está acima da Europa e dos Estados Unidos. Carros particulares aqui são basicamente chineses.

Gustavo Veiga é jornalista argentino.

Tradução e revisão: Redação do Portal Desacato

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