Por Minna Salami.
Começo este artigo por dizer “enfim”. A razão para minha exasperação é a sugestão contínua de que o feminismo não é africano – o que quer que seja ser africano signifique. Pessoalmente, nunca recebi instruções de como ser africana!
A verdade é que o feminismo é uma necessidade absoluta para as sociedades africanas. Nós ocupamos o mais baixo lugar no índice global da igualdade de género, temos alguns dos números mais elevados de violência doméstica, o número mais elevado de circuncisões e mutilações femininas, e de outras tradições prejudiciais (que não preciso mencionar). No entanto, continuo a ver artigos que começam de forma promissora, mas que fazem afirmações como “… o principal objectivo da mulher nigeriana é o imperativo da construção da família como o primeiro passo na construção da nação” e “as mulheres africanas não sentem a mesma urgência ou necessidade de se verem livres dos papéis de género tradicionais”. Ou este tipo, de pergunta feita de maneira enfática: “O que há de errado com uma mulher ter sucesso, e continuar submissa ao seu homem?”
Sinceramente!
Há muitos anos que defendo que o feminismo é africano, que sempre existiu na África, e que muitas mulheres africanas que admiramos e respeitamos são/eram feministas. Então é legítimo que queira saber, qual é exactamente a história do feminismo africano? Comecemos então…
Enquanto a palavra “feminismo” é certamente uma importação (como todas as palavras em inglês), o conceito de oposição patriarcal, isto é, a raison d’être do feminismo, não é algo novo ou estranho no nosso continente. África tem algumas das civilizações mais antigas do mundo, por isso, embora nem sempre o chamassem de feminismo (o substantivo) até onde podemos rastrear sabemos que haviam mulheres que eram feministas (o adjectivo) e que encontraram maneiras de se opor ao patriarcado. Portanto, o feminismo é uma parte importante da história das mulheres africanas.
Como grupo de interesse, o feminismo africano partiu no início do século XX com mulheres como Adelaide Casely-Hayford, activista pelos direitos das mulheres na Serra Leoa, referida como a “feminista vitoriana africana”, que contribuiu amplamente tanto para a causa feminista como para a pan-africanista. Também se dá o caso de Charlotte Maxeke, que em 1918 fundou a Liga das Mulheres Bantu na África do Sul, e de Huda Sharaawi que em 1923 criou a União Feminista Egípcia.
As lutas de libertação dos países africanos também serviram como bases de formação do feminismo africano, especialmente as da Argélia, Moçambique, Guiné, Angola e Quénia, onde as mulheres lutaram juntamente com os seus homólogos masculinos pela autonomia estatal e pelos direitos das mulheres. Os ícones feministas africanos deste período são mulheres como a rebelde Mau-Mau Wambui Otieno, as lutadoras da liberdade Lilian Ngoyi, Albertina Sisulu, Margaret Ekpo e Funmilayo Anikulapo-Kuti entre muitas outras que lutaram não só contra o colonialismo, mas também o patriarcado.
O feminismo africano contemporâneo solidificou-se durante a década marcante da ONU para as mulheres, entre 1975 e 1985, que resultou na erudição e propagação do activismo feminista pelo continente e pela diáspora. Desde então, o movimento feminista africano tem desenvolvido tanto em política, legislação, e ideologia como também no âmbito cultural. Ele envolve o activismo de base e também o activismo intelectual; interessa-se pelas questões do dia-à-dia, tais como a redução da pobreza, a prevenção da violência e os direitos reprodutivos, bem como com o estilo de vida, a cultura popular, os meios de comunicação, a arte e a cultura. Se por um lado ele confronta a criação de mitos patriarcais, por outro também nos desafia a lidar com estereótipos racistas. Em suma, ele tem a ver com estas sete questões-chave no pensamento feminista africano.
Hoje em dia, feministas africanas das mais várias esferas ocupacionais, como por exemplo académicas, activistas, artistas e políticas, como Leymah Gbowee, Joyce Banda, Simphiwe Dana e Chimamanda Ngozi Adichie, bem como organizações feministas como o African Feminist Forum e o African Gender Institute estão na vanguarda do uso do activismo, do conhecimento e da criatividade para mudarem as situações que afectam negativamente as mulheres.
No final das contas, cabe somente às mulheres africanas assumir a responsabilidade de proteger as histórias das mulheres africanas e conectá-las às situações de hoje. Temos muitos tectos de vidro para quebrar. Para começar a fazê-lo, devemos perceber que a situação actual é tremendamente desvantajosa para as mulheres. As mulheres são sistematicamente marginalizadas dentro de nossas sociedades ao nível local e global. À medida que nossos olhos se abrem cada vez mais para esta verdade, devemos continuar a nos libertar e nos defender de noções limitadas de feminilidade. E isso é um trabalho urgente! Não precisamos reinventar a roda. Podemos e devemos inspirar-nos naquelas que já estão na luta para ajudar a criar uma narrativa da feminilidade africana, e devemos dar legitimidade à escolha feita por muitas de nós [mulheres africanas] em usar o feminismo como ferramenta para a nossa luta.
Leia aqui a análise da feminista Âurea Mouzinho sobre “Uma breve história do feminismo africano” aqui.
Tradução de Âurea Mouzinho. O artigo original foi publicado em inglês e pode ser encontrado aqui
Sobre a autora:
Nasceu na Nigéria. É uma jornalista que tem divulgado informação relacionada com o Feminismo Africano, a diáspora africana e as mulheres nigerianas através do seu famoso blog MsAfropolitan. Os seus artigos são publicados no The Guardian, Nigéria e no The Huffington Post.
Imagem de Massogona Sylla, conheça o seu trabalho aqui
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Fonte: Ondjango Feminista.