Na madrugada entre 7 e 8 de setembro – no contexto das manifestações convocadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e atos contrários a ele em todo Brasil – ao menos 14 contas de coletivos e ativistas que se contrapõem ao bolsonarismo foram suspensas pelo Twitter. Em sua maioria ligados a redes de apoio do Partido dos Trabalhadores, os perfis foram bloqueados sem informação por parte da plataforma sobre a regra que teria sido violada.
Entre as contas derrubadas estão @pandora, @forabolsonarob, @IneditaBrasil, @estrelatuita, @estrelacoletivo e @ArticulaRedes. Todas estavam engajadas em ações antibolsonaristas nas redes durante o 7 de setembro e alcançaram, com a #7SForaBolsonaro o trending topic (termo que significa tópico em tendência, quando uma hashtag alcança o primeiro lugar em quantidade de tweets que a citam).
Renata Delfiol, comunicadora e coordenadora do Projeto Articulação de Redes, teve suspensa não só a conta de seu coletivo mas também a sua pessoal, na qual comenta sobre política, novelas e Corinthians. Delfiol chegou a ser citada pelo Twitter Brasil quando este completou 10 anos, por ser uma das primeiras brasileiras a se registrar na plataforma, em julho de 2006.
“Nunca teve um comentário mais pesado, não uso palavrões, não uso termos pejorativos para me dirigir aos seguidores do presidente”, explica Delfiol, para quem a única explicação para a derrubada das contas é uma articulação silenciosa de denúncias desses perfis.
“Quem me garante que não são robôs fazendo denúncias em massa das nossas contas? O quanto essa orquestração pode ser perigosa?” questiona Renata, ao indagar o motivo pelo qual a defesa de emprego, vacina e do SUS incomodam tanto.
O estudante Leonardo Costa, integrante da Frente Brasil Popular, teve quatro contas bloqueadas. Na de seu perfil pessoal, recebeu o informe do Twitter de que foi banido permanentemente.
“Me estranha muito a derrubada, uma vez que a gente vê muitas contas com publicações antidemocráticas, a gente vê contas com fakenews sobre a pandemia, que é uma questão de saúde mundial, e essas contas sequer são derrubadas”, contesta.
“Nós todos nos sentimos silenciados e injustiçados”, caracteriza Teresa Aquino, advogada e ativista do Coletivo Estrela.
“Fomos calados e essa injustiça precisa ser reparada”. Em sua visão, grupos que se dedicam a “denunciar as atrocidades cometidas pelo atual governo” estão “sendo alvo de censura ou de denúncias falsas de contas que, aí sim, precisariam ser analisadas”.
Procurado pelo Brasil de Fato, o Twitter Brasil informou que as contas foram suspensas por violarem a regra que proíbe “amplificar artificialmente ou prejudicar conversas pelo uso de várias contas ou ao combinar com outras pessoas de violar as regras do Twitter”.
A regra inclui a proibição de contas sobrepostas, contas que interagem mutuamente e a coordenação para “publicar conteúdo duplicado ou criar engajamento falso”. A empresa afirmou, ainda, que a detecção desse tipo de violação “é baseada no comportamento/forma de atuação das contas, e não focada no teor do conteúdo publicado por elas”.
A despeito da retórica de defesa da liberdade de expressão usada por Bolsonaro tanto nos atos de 7 de setembro quanto na medida provisória, dados revelam pouca coerência argumentativa. De acordo com relatório publicado pela ONG Human Rights Watch em agosto, o presidente bloqueou ao menos 176 seguidores de suas contas nas redes sociais.
Dificultando o acesso às informações oficiais que são veiculadas pelo canal institucional da presidência da República, Bolsonaro bloqueou – entre jornalistas, congressistas e influenciadores – aqueles que o criticam nas redes. Os jornais The Intercept Brasil, Congresso em Foco, Repórter Brasil, Diário do Centro do Mundo, além das contas brasileiras do Repórteres sem Fronteiras e da Anistia Internacional estão entre os perfis que não podem acessar diretamente o que o presidente veicula nas redes.
Medida Provisória de Bolsonaro para regular redes sociais
A derrubada das contas no Twitter acontece na mesma semana em que o presidente Jair Bolsonaro edita uma polêmica medida provisória (MP) que estabelece normas para uso de redes sociais, limitando a remoção de seus conteúdos.
Elaborada ao longo dos últimos meses na Secretaria de Cultura, sob gestão de Mario Frias, o texto altera artigos do Marco Civil da Internet e prevê que redes sociais com mais de 10 milhões de inscritos só removam conteúdos por meio de ordem da Justiça ou “justa causa”.
Com força de lei por 120 dias, até que seja apreciada pelo Congresso Nacional, a MP 1068/2021 está sendo questionada por entidades jurídicas, da sociedade civil e do mercado de tecnologia – incluindo as empresas Facebook e Twitter.
Em parecer enviado ao Senado, a OAB aponta a inconstitucionalidade da medida. Argumentando que o texto limita o combate a notícias falsas, a assédios e a discursos de ódio, já foram abertas sete ações contra a medida provisória no Supremo Tribunal Federal (STF).
Integrante do Coletivo Inédita, que reúne comunicadores ativistas e teve também o perfil derrubado, Matheus Alves afirma que pretendem denunciar o que ele define como silenciamento e que avaliam a possibilidade de entrar com um processo judicial caso não haja um retorno satisfatório do Twitter.
“Estamos querendo nossa conta de volta de qualquer forma”, ressalta.