Por Fernando Horta.
Lev Davidovich Bronstein nasceu em 26 e outubro (7 de novembro) de 1879. De família judaica, dedicada às lides do campo na região da Ucrânia, Lev (ou León) pode, desde muito cedo, perceber as relações entre empregados e donos de terra. Este caminho, Lev Bronstein trilharia durante 38 anos até liderar o levante do soviet de Petrogrado em 1917. No exato dia de 26 de outubro (7 de novembro). Segundo Isaac Deutcher (seu mais conhecido biográfo), “ele fitava as cenas de pobreza, crueldade e rebeliões sem apoio; olhava as greves de trabalhadores esfomeados no exato momento em que se realizavam as colheitas” e tudo isto lhe ajudou a desenvolver uma visão de mundo através da percepção dos diferentes meios de subsistência materiais que tinham os homens. Trostky vai afirmar em suas memórias que o marxismo lhe veio primeiro como sentimento, para somente depois de algum esforço e dúvida lhe ser conhecimento.
Desde o início de sua juventude, Lyova (apelido de infância) demonstrava capacidades acima de seus colegas. Seja nas questões intelectuais ou na forma suave e educada com se manifestava, ninguém imaginava que, algumas décadas à frente, Bronstein estaria comandando uma revolução armada, advogando pela violência como forma de transformação do mundo. Nem mesmo ele próprio.
Inicialmente, se opôs à visão científica do marxismo. Sua verve era muito maior do que o a teoria científica parecia poder abarcar. Argumentava que o marxismo retirava toda a essência da sociedade, reduzindo-a a uma série de pressupostos científicos e não permitia que a verdadeira humanidade aflorasse. E foi esta mesma humanidade, que transbordava nos textos e discursos de Bronstein, que precisou ser “refinada” em leituras e escritos, quando foi enviado como prisioneiro à Sibéria. No final do século XIX, agitações proletárias tomavam forma na Rússia. Trotsky, então com 20 anos, foi um dos estudantes líderes enviados à Sibéria para trabalhos forçados, por quatro anos.
Na Sibéria travou contato com Kant, Voltaire, Darwin, Marx, Nietzsche e um tal de Lênin: “Subitamente, meus próprios textos e minhas ideias se mostraram pequenos e provicianos” escreveu ele. Foi quanto Antid Oto (o codinome que assumiu quando escrevia textos na Sibéria) se transformou em “Trotsky”.
Era preciso sair da prisão, era preciso juntar-se aos que já se organizavam para a Revolução. Esta ruptura, no entanto, não foi simples. Ao deixar a Sibéria fugido, Lev Bronstein também deixou esposa e duas filhas pequenas. Alexandra Sokolovskaya, companheira de infância de Lev, e mãe de suas filhas, não se opôs. Ela tinha certeza que Bronstein precisava “chegar às portas da História” e de lá quem sabe o que mais. Enganando um guarda da prisão, em 1902, Lev foge em direção à Europa, foge em direção a Iskra (jornal revolucionário de Lênin e Plekhanov, “Fagulha” em russo).
O nome do desconhecido guarda da prisão que, mesmo sem saber ou querer, por desatenção lhe deu tempo para fugir era “Trotsky”. Assim surgiria o “Trotsky do Iskra”, um revolucionário escritor e pensador, descrito inicialmente por Lênin como “alguém com raras habilidades para a argumentação e que não apenas seria muito útil, mas absolutamente necessário para o jornal”. Entre 1902 e 1905, Trostky teve um sem número de atritos com todos os antigos editores do jornal Iskra, seja Martov, Plekhanov ou mesmo Lênin. O processo de acomodação não foi fácil. Bronstein tinha suas próprias teorias, sua própria ideia de revolução e uma combatividade e energia para defendê-las que o colocava longe tanto de Mencheviques quanto de Bolcheviques. Bronstein fazia seu próprio caminho, por sobre críticas e com um enorme otimismo sobre a Revolução, Trotsky foi deixando de ser apenas mais um redator do Iskra para se tornar o grande revolucionário que a História conheceu.
O objetivo do Iskra era ganhar as massas para a ideia da revolução. Trostsky sabia que nesta batalha, seu grande inimigo eram os liberais russos, que também advogavam a queda do regime czarista. E esta precisaria ser uma batalha sem trégua: “Nossa luta pela revolução, toda nossa preparação andam de mãos dadas com nossa dura disputa contra o liberalismo pela influência das massas, para liderar o papel do proletariado”. Se Trostky foi transformando-se, até 1905, num articulista e orador brilhante, também não foi menor sua transformação num revolucionário pragmático. Quando das agitações de 1905 ele escreveu: “Os proletários de Petersburgo mostraram grande heroísmo. Mas o heroísmo desarmado das massas não pode enfrentar a idiotia armada dos quartéis”.
Contra os bolcheviques, Trotsky argumentava que o proletariado não poderia ser substituído por uma “vanguarda revolucionária” (como defendia Lênin). Contra os mencheviques, Trostky dizia não concordar com a desconstrução que estes faziam das lideranças (intelligentsia) do movimento revolucionário, contra os liberais de Struve e Miliukov, Trotsky defendia que não houvesse nenhum espaço para acordos ou conversas. A Revolução proletária aconteceria por sobre as vontades individuais. Aos que lhe perguntavam se ele tinha “feito um pacto com a vitória” (na revolução) para ser tão radical, Trotsky respondia:
“Eu lembrei a ele [interlocutor liberal] um incidente da Revolução Francesa, quando a Convenção votou que ‘o povo francês não vai entrar em qualquer acordo com o inimigo em seu próprio território’, quando então um dos membros da Convenção interrompeu: ‘Vocês assinaram um pacto com a Vitória?’. Foi-lhe respondido ‘Não, nós assinamos um pacto com a morte’. Camaradas! Quando a burguesia liberal, como se vangloriando-se de seu cinismo nos diz: ‘Vocês estão sozinhos. Pensam que podem lutar [contra o czarismo] sem nosso apoio?’ Dizem, portanto, ‘Assinaram um pacto com a Vitória?’. Ao que jogaremos nossa resposta sobre eles: ‘Não! Nos assinamos um pacto com a morte”.
Fonte: Sul21