São Paulo – O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), do Rio de Janeiro, aceitou recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra o sargento reformado do Exército Antônio Waneir Pinheiro de Lima, o “Camarão”, por sequestro e estupro da militante política Inês Etienne Romeu, na chamada “Casa da Morte”, em Petrópolis, região serrana do Rio, durante a ditadura. É um caso inédito. O MPF havia recorrido de decisão da primeira instância – em março de 2017, a 1ª Vara Federal Criminal daquele município havia rejeitado a denúncia citando a Lei da Anistia, de 1979. Segundo o Ministério Público, pelo menos 18 pessoas foram mortas ali. Apenas Inês conseguiu escapar. Ela morreu em 2015, aos 72 anos, e seu depoimento foi decisivo para descobrir o local.
Agora réu, “Camarão” foi denunciado em 2016 por sequestro qualificado e por estupro (duas vezes) de Inês, em 1971. Em sessão nesta quarta-feira (14), a desembargadora Simone Schreiber e o desembargador em exercício Gustavo Arruda Macedo divergiram do relator, Paulo Espírito Santo, que havia votado contra o recurso do MPF. Ele entendia que não era caso de crime imprescritível. Já o Ministério Público sustenta que graves violações de direitos humanos não prescrevem.
Segundo o jornal O Globo, a desembargadora Simone lembrou que o Brasil é signatário de tratados internacionais que reconhecem crimes contra a humanidade. Macedo também identificou um crime de lesa-humanidade. “O país e mais especificamente o Poder Judiciário relutam em lidar com o seu passado e adotar um modelo transicional adequado às obrigações jurídicas assumidas em um plano internacional”, afirmou a juíza, apontando uma “cultura do esquecimento” que tem consequências até hoje.
Em 2017, além de rejeitar a denúncia, o juiz de primeira instância caso qualificou a vítima de “perigosa terrorista”, o que provocou repúdio do Ministério Público. Dois anos depois, o caso avança em segunda instância, o que é incomum em processos dessa natureza no Brasil.
Localizado no bairro Caxambu, o imóvel era usado pelo Centro de Informações do Exército como um centro clandestino de tortura. A “Casa da Morte” foi tombada em 2018 pelo município. Em janeiro deste ano, foi declarado imóvel de utilidade pública, para fins de desapropriação.