Tribunal aceita denúncia do MPF contra sargento apontado como torturador na ‘Casa da Morte’

Militar é acusado por sequestro e estupro de Inês Etienne Romeu, em 1971, única sobrevivente de um dos principais centros de tortura da ditadura. Desembargadores entenderam que caso não prescreve

Imóvel foi usado pelo Exército no início dos anos 1970 para torturar militantes políticos. Local foi tombado em 2018. Via Rede Brasil Atual.

São Paulo – O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), do Rio de Janeiro, aceitou recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra o sargento reformado do Exército Antônio Waneir Pinheiro de Lima, o “Camarão”, por sequestro e estupro da militante política Inês Etienne Romeu, na chamada “Casa da Morte”, em Petrópolis, região serrana do Rio, durante a ditadura. É um caso inédito. O MPF havia recorrido de decisão da primeira instância – em março de 2017, a 1ª Vara Federal Criminal daquele município havia rejeitado a denúncia citando a Lei da Anistia, de 1979. Segundo o Ministério Público, pelo menos 18 pessoas foram mortas ali. Apenas Inês conseguiu escapar. Ela morreu em 2015, aos 72 anos, e seu depoimento foi decisivo para descobrir o local.

Agora réu, “Camarão” foi denunciado em 2016 por sequestro qualificado e por estupro (duas vezes) de Inês, em 1971. Em sessão nesta quarta-feira (14), a desembargadora Simone Schreiber e o desembargador em exercício Gustavo Arruda Macedo divergiram do relator, Paulo Espírito Santo, que havia votado contra o recurso do MPF. Ele entendia que não era caso de crime imprescritível. Já o Ministério Público sustenta que graves violações de direitos humanos não prescrevem.

Segundo o jornal O Globo, a desembargadora Simone lembrou que o Brasil é signatário de tratados internacionais que reconhecem crimes contra a humanidade. Macedo também identificou um crime de lesa-humanidade. “O país e mais especificamente o Poder Judiciário relutam em lidar com o seu passado e adotar um modelo transicional adequado às obrigações jurídicas assumidas em um plano internacional”, afirmou a juíza, apontando uma “cultura do esquecimento” que tem consequências até hoje.

Em 2017, além de rejeitar a denúncia, o juiz de primeira instância caso qualificou a vítima de “perigosa terrorista”, o que provocou repúdio do Ministério Público. Dois anos depois, o caso avança em segunda instância, o que é incomum em processos dessa natureza no Brasil.

Localizado no bairro Caxambu, o imóvel era usado pelo Centro de Informações do Exército como um centro clandestino de tortura. A “Casa da Morte” foi tombada em 2018 pelo município. Em janeiro deste ano, foi declarado imóvel de utilidade pública, para fins de desapropriação.

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